Acórdão nº 2720/09.5TAVLG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 02 de Julho de 2014

Magistrado ResponsávelMARIA MANUELA PAUPÉRIO
Data da Resolução02 de Julho de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo número 2720/09.5TAVLG.P1 Acordam em conferência na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I)- Relatório Nestes autos de instrução com o número acima referido foi o arguido B… pronunciado, nos termos que constam da decisão de folhas 388 a 414 dos autos, pela autoria de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256º número 1 alínea a) do Código Penal.

Inconformado com a decisão dela veio o arguido interpor recurso, com os fundamentos que constam de folhas 429 a 434 dos autos, que agora aqui se dão por integralmente reproduzidos os quais sintetiza nas conclusões seguintes: “1- O crime de que está acusado o arguido por força da decisão instrutória emerge de factos novos, isto é, de factos que não foram objecto do auto de denúncia de fls 2 e seguintes e, como tal, de investigação.

2- A pronúncia sobre factos novos, que não foram objecto de qualquer participação, investigação e contraditório é processualmente inadmissível.

3 - Por força disso, a decisão instrutória é nula.

SEM PRESCINDIR 4- Não há indícios nos autos de que tenha sido o arguido quem apôs pelo seu próprio punho na C… a rubrica, pretensamente atribuída ao assistente.

5 - Pelo contrário, a prova testemunhal é conclusiva quanto à autoria da predita rubrica, quem a fez foi o assistente.

6 - O relatório pericial, elaborado pelo Prof J. Pinto da Costa expressamente reconhece que “teria sido conveniente ter sido presente ao perito termos manuscritos pelo punho de D… que reproduzissem os caracteres questionados, in casu, da rubrica aposta no C… 7 - Até porque, como está reconhecido pelo Gabinete Análise “a ausência de recolha de rubricas autógrafos com a dimensão da interessada dificulta um confronto entre ambas.

8 - Confrontando as características da rubrica contestada com a das assinaturas autografadas de B…, realizadas pelo Tribunal, não é possível estabelecer qualquer relação... porque estas não contém nenhum dos caracteres que compõem a predita rubrica.

9 - Com excepção da afirmação produzida pelo assistente, nenhuma prova existe de que o arguido havia proposto a fabricação de uma factura falsa, com o intuito de “despachar” o automóvel.

10 - A existir falsificação da rubrica — o que não se concebe nem concede — esta terá ocorrido com conhecimento e consentimento do assistente.

11 - O assistente, depois daquela proposta de falsificação, negociou com o arguido a venda do carro, tendo-lhe para o efeito, entregue os respectivos documentos, o próprio carro e 500,00 Euros.

12- O próprio assistente sabia que para registar o carro em nome de uma pessoa na Alemanha bastaria que esta se apresentasse com os documentos, numa conservatória, o que ele, aliás, já tinha feito para pôr o carro em seu nome.

13 - Até por isso, nenhuma necessidade tinha o arguido de falsificar a “rubrica” do assistente quando podia registar o carro em seu nome sem intervenção deste.

Ao pronunciar o arguido pela prática de um acto que não tinha sido invocado no auto de denúncia de fls. 2 e seguintes e oportunamente arquivado pelo M°.P° e ao concluir que nos autos há prova indiciária suficiente para que ao arguido venha a ser aplicada, em sede de julgamento, uma pena pela prática de um crime de falsificação, a Mm. Juiz a quo violou, entre outros normativos que Ex°s, Senhores Desembargadores, doutamente suprirão, os previstos nos art°s 286°, nº 1, 287°, al. b), 309°, n°. 1, 308°, nº 1 e 2 e 283°, n°s 1 e 2, todos do Código Penal.

A este recurso respondeu o Ministério Público junto da 1ª instância nos termos que constam de folhas 441 a 458 dos autos, em síntese, contestando a existência da invocada nulidade da decisão instrutória por entender que independentemente de existir ou não existir queixa o tribunal não estava impedido de pronunciar-se pela existência ou não de um crime de falsificação de documento uma vez que este é um crime público; no entanto sufraga o entendimento de que o recurso do arguido deve merecer provimento porque, mesmo a investigação levada a cabo durante a instrução, concretamente o exame pericial à escrita elaborado concluiu pela probabilidade de ser do punho do arguido os carateres constantes do documento analisado; entende pois que correspondendo essa probabilidade a um grau de significância entre 50% a 70%, podendo, portanto ser igual a probabilidade de não ser. Assim entende que deveria o tribunal ter, em nome do princípio in dubio pro reo e da presunção da inocência concluído pela não pronúncia do arguido. Para mais quando o arguido apresenta novo exame pericial que contraria aquele primeiro e quando dos autos constam elementos que permitem concluir que, mesmo a ter existido falsificação do documento, o assistente negociou com o arguido em momento posterior, entregando-lhe os documentos do carro e 500,00€ em dinheiro. Tudo isto entende o Ministério Público ser razão para se concluir pela inexistência de indícios suficientes para pronunciar o arguido uma vez que existe uma possibilidade séria de vir a não ser condenado em julgamento.

Também o assistente respondeu ao recurso pronunciando-se, conforme emerge de folhas 459 a 467, pela sua total improcedência.

Neste Tribunal da Relação o Digno Procurador Geral Adjunto emitiu douto Parecer e nele sufragou igualmente o entendimento de que o recurso deveria proceder (folhas 476 a 478).

Cumprido o preceituado no artigo 417º do Código de Processo Penal nada veio a ser acrescentado.

Colhidos os Vistos foram os autos sujeitos a conferência II) – Fundamentação.

Tem o seguinte teor a decisão de que se recorre: “Nos presentes autos, finda que foi a fase do inquérito decidiu o Ministério Público proferir despacho de arquivamento (fis. 228 a 233).

Em sequência do que veio o assistente, D…, requerer a abertura de instrução, pugnando pela prolação de despacho de pronúncia relativamente à prática pelo arguido, B…, em autoria material e concurso real, de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.° e 218.° do Código Penal, e de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.° do mesmo diploma.

Alega, em síntese, que adquiriu na Alemanha, por € 18.000,00, uma viatura da marca Mercedes, modelo …, de cor preta e com a matrícula HD - CD …, que podia vender em Portugal por € 20.000,00.

Mais alega, que foi enganado pelo arguido que o levou a acreditar que o iria ajudar a legalizar a viatura, o que fez com que lhe entregasse os documentos e a chave da mesma.

Alega, ainda, que ulteriormente falsificou a declaração de venda possibilitando-lhe, junto do comerciante ‘E…” e mediante pagamento do IVA, que o mesmo lhe entregasse uma factura da compra permitindo a sua legalização e conseguindo realizar a venda do viatura e enriquecer-se com o negócio.

Com utilidade para a decisão a proferir, nesta fase processual, entendeu o Tribunal proceder à realização das diligências instrutórias requeridas.

Não se tendo vislumbrado qualquer outro acto instrutório cuja prática revestisse interesse para a descoberta da verdade, nem tendo sido requerida a realização de mais algum, efectuou-se o debate instrutório, que decorreu com observância do formalismo legal, conforme se alcança da respectiva acta, tudo em conformidade com o disposto nos artigos 298.°, 301.° e 302.°, todos do Código de Processo Penal.

Cumpre, agora, nos termos do artigo 308.° do mesmo diploma legal, proferir decisão instrutória.

A Instrução visa, segundo o que nos diz o art. 286°. n.° 1 do CPP. “a comprovação judicial da decisão de acusar ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento”. Configura-se, assim, como fase processual sempre facultativa - cf. n.° 2 do mesmo dispositivo - destinada a questionar a decisão de arquivamento ou de acusação deduzida.

Como facilmente se depreende do citado dispositivo legal, a instrução configura-se no CPP como actividade de averiguação processual complementar da que foi levada a cabo durante o inquérito e que, tendencialmente, se destina a um apuramento mais aprofundado dos factos, da sua imputação ao agente e do respectivo enquadramento jurídico-penal.

Com efeito, realizadas as diligências tidas por convenientes em ordem ao apuramento da verdade, conforme dispõe do art. 308°, n.° 1 do CPP, “se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia.

Na base da não pronúncia do arguido, para além da insuficiência de indícios necessariamente consubstanciada na inexistência de factos, na sua não punibilidade, na ausência de responsabilidade ou na insuficiência da prova para a pronúncia, poderão estar ainda motivos de ordem processual, ou seja, a inadmissibilidade legal do procedimento ou vício de acto processual.

Já no que toca ao despacho de pronúncia, a sustentação deverá buscar-se, como vimos, na suficiência de indícios, tidos estes como as causas ou consequências, morais ou materiais, recordações e sinais de um crime e/ou do seu agente que sejam captadas durante a investigação.

Depois, no n.° 2 deste mesmo dispositivo legal, remete-se, entre outros, para o n.° 2 do art. 283°, nos termos do qual “consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança”.

Isto posto, para que surja uma decisão de pronúncia, a lei não exige a prova no sentido da certeza-convicção da existência do crime; antes se basta com a existência de indícios, de sinais dessa ocorrência, tanto mais que a prova recolhida na fase instrutória não constitui pressuposto da decisão de mérito final. Trata-se de uma mera decisão processual relativa ao prosseguimento do processo até à fase do julgamento.

Todavia, como a simples sujeição de alguém a julgamento não é...

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