Acórdão nº 772/11.7TBVNO-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 29 de Abril de 2014

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução29 de Abril de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1. Relatório.

Os executados, M… e cônjuge, A…, e J… e cônjuge, C…, impugnam, no recurso ordinário de apelação, a sentença da Sra. Juíza de Direito do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Ourém que julgou improcedente a oposição que deduziram à execução comum, para pagamento de quantia certa, que contra eles foi promovida por C…, S.A.

Os recorrentes – que pedem, no recurso, a revogação desta sentença – encerraram a sua alegação com estas conclusões: ...

Não foi oferecida resposta.

  1. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.

    … 3.

    Fundamentos.

    3.1.

    Delimitação do âmbito objectivo do recurso.

    Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito objectivo do recurso pode ser limitado, pelo próprio recorrente, no requerimento de interposição ou, expressa ou tacitamente, nas conclusões da alegação (artº 635 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC) Dado que a oposição à execução foi deduzida em data anterior a 1 de Setembro de 2103, não lhe é aplicável o Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho (artº 6 nº 4)..

    Nestas condições, tendo em conta o conteúdo da decisão impugnada e da alegação de ambas as partes, as questões concretas controversas que importa resolver são as de saber se:

    1. A decisão recorrida se encontra ferida com o vício da nulidade substancial, por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia; b) O decisor de facto da 1ª instância incorreu, na decisão da matéria de facto controvertida num error in iudicando, por erro na avaliação das provas.

    2. Os recorrentes são dotados de legitimidade ad causam para a acção executiva; c) O contrato de cessão de créditos concluído entre a exequente e o Banco A…, SA é nulo por falta de forma ou, por o crédito cedido não se encontrar vencido, inoponível aos recorrentes.

    3. A sentença apelada incorreu num erro na subsunção, i.e., no juízo de integração dos factos apurados na previsão da norma aplicável ao caso concreto.

      A resolução destes problemas vincula ao exame, leve mas minimamente estruturado, das causas de nulidade substancial da decisão representadas pela falta de fundamentação e pela omissão de pronúncia, dos parâmetros dos poderes de controlo desta Relação no tocante à decisão da matéria de facto, dos critérios de aferição da legitimidade passiva para acção executiva, das exigências de forma do contrato de cessão de créditos e das condições da sua oponibilidade ao devedor e, finalmente, dos efeitos da declaração cambiária de aval, do ponto de vista da situação passiva do avalista.

      3.2.

      Nulidade substancial da decisão impugnada.

      Como é extraordinariamente comum, os recorrentes assacam à sentença impugnada – no qual se contém a decisão da matéria de facto controvertida - o vício grave da nulidade substancial. E, de harmonia com a sua alegação, esse vício radicaria numa dupla causa: a falta de fundamentação e a omissão de pronúncia.

      Toda e qualquer decisão do tribunal – despacho, sentença, acórdão – comporta, sempre, dois elementos essenciais: os fundamentos e a decisão. Os fundamentos incluem a matéria de facto relevante e o regime jurídico que lhe é aplicável; a decisão em sentido estrito, contém a conclusão que se extrai da aplicação do direito aos factos.

      Uma das funções essenciais de toda e qualquer decisão judicial é convencer os interessados do bom fundamento da decisão. A exigência de motivação da decisão destina-se a permitir que o juiz ou juízes convençam os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz ou juízes devem passar de convencidos a convincentes.

      Compreende-se facilmente este dever de fundamentação, pois que os fundamentos da decisão constituem um momento essencial não só para a sua interpretação – mas também para o seu controlo pelas partes da acção e pelos tribunais de recurso Ac. do STJ de 09.12.87, BMJ nº 372, pág. 369..

      A motivação constitui, portanto, a um tempo, um instrumento de ponderação e legitimação da decisão judicial e, nos casos em que seja admissível – como sucede na espécie sujeita - de garantia do direito ao recurso.

      A exigência de fundamentação decorre, pois, desde logo, da necessidade de controlar tanto a coerência interna como a correcção externa da decisão.

      A coerência ou justificação interna da decisão reporta-se à sua coerência com as respectivas premissas de facto e de direito, dado que a decisão não pode ser logicamente válida se não for coerente com aquelas premissas.

      A correcção ou justificação externa da decisão diz respeito à correcção da construção das suas premissas de facto e de direito: ainda que a decisão se mostre coerente com aquelas premissas e, por isso, seja logicamente válida, a decisão não pode ser correcta se aquelas premissas não tiverem sido obtidas correctamente.

      Todavia, o dever funcional de fundamentação não está orientado apenas para a garantia do controlo interno - partes e instâncias de recurso - do modo como o juiz exerceu os seus poderes. O cumprimento daquele dever é condição mesma de legitimação da decisão.

      Na motivação da decisão o juiz deve desenvolver uma argumentação justificativa da qual devem resultar as boas razões que fazem aceitar razoavelmente a decisão, numa base objectiva, não só para as partes, mas também – num plano mais geral – para toda a comunidade jurídica. Na motivação, o juiz deve demonstrar a consistência dos vários aspectos da decisão, que vão desde a determinação da verdade dos factos na base das provas, até à correcta interpretação e aplicação da norma que se assume como critério do julgamento. Da motivação deve resultar particularmente que a decisão foi tomada, em todos os seus aspectos, de facto e de direito, de maneira racional, seguindo critérios objectivos e controláveis de valoração, e, portanto, de forma imparcial Michele Tarufo, Páginas sobre justicia civil, Marcial Pons, 2009, pág. 53.. Dito doutro modo: a decisão não deve ser só justa, legal e razoável em si mesma: o juiz está obrigado a demonstrar que o seu raciocínio é justo e legal, e isto só pode fazer-se emitindo opiniões racionais que revelem as premissas e inferências que podem ser aduzidas como bons e aceitáveis fundamentos da decisão Michele Tarufo, cit., págs. 36 e 37..

      A fundamentação da decisão é, pois, essencial para o controlo da sua racionalidade. Pode mesmo dizer-se que esta racionalidade é uma função daquela fundamentação. E como a racionalidade da decisão só pode ser aferida pela sua fundamentação, esta fundamentação é constitutiva dessa mesma racionalidade.

      Por isso que as decisões sobre qualquer pedido controvertido ou sobre qualquer dúvida suscitada no processo serão sempre fundamentadas (artºs 208 nº 1 da Constituição da República Portuguesa, 154 nº 1 e 607 nº 4, 1ª parte, do CPC). A falta de motivação ou fundamentação verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido mas não especifica, de todo, quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. A nulidade decorre, portanto, da violação do dever de motivação ou fundamentação de decisões judiciais (artº 208 nº 1 da CRP e 154 nº 1 do CPC).

      No tocante à decisão da matéria de facto, esse dever de motivação cumpre-se através da exposição dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz sobre a prova – ou falta dela – dos factos (artº 607 nº 4, 1ª parte, do CPC). Dado que as provas produzidas na audiência estão, em regra, sujeitas à livre – mas prudente – convicção do tribunal, este está vinculado ao dever de expor os fundamentos da sua convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado, para que, por aplicação das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção. A motivação deve, por isso, objectivar as razões da convicção do juiz - assente nas regras da ciência, da lógica ou da experiência – de modo a que essa convicção seja capaz de se impor aos outros e, portanto, de os convencer do bom fundamento da decisão A medida da fundamentação é, portanto, aquela que for necessária para permitir o controlo da racionalidade da decisão pelas partes e, em caso de recurso, pelo tribunal ad quem a que seja lícito conhecer da questão de facto Ac. do STJ de 11.12.08, www.dgsi.pt..

      Ora, é exactamente da violação, pela sentença impugnada, deste dever de fundamentação, de que os recorrentes se queixam, e de que decorre, no seu ver, o vício grave da nulidade substancial que lhe assaca. De harmonia com a sua alegação, a sentença impugnada não analisou todos os elementos de prova juntos aos autos, não ponderou o valor probatório de cada um nem explicitou as razões que objectivamente a determinaram a dar como provado os factos controvertidos, nem indicou as razões e elementos de tal convencimento, e, em qualquer caso, não fundamenta exaustivamente a sua decisão, nem sequer aplicou as normas legais aplicáveis ao caso.

      No entanto, quanto a este ponto, há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação – da motivação deficiente, medíocre ou errada. O dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (artº 154 nº 1 do CPC) Acs. do STJ de 08.07.87, BMJ nº 369, pág. 481, da RP de 06.01.94, CJ, 94, I, pág. 197, e da RL de 03.11.94, CJ, 94, V, pág. 90..

      O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente: afecta o valor doutrinal e persuasivo da decisão – mas não produz nulidade Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, Coimbra, 1984, pág. 139 e 140 e Acs. da RP de 06.01.94 e da RL de 03.11.94 e 17.1.91, CJ, 94, I, págs. 197, 94, V, pág. 90 e 91, I., pág. 121, respectivamente..

      Depois, o tribunal não está...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT