Acórdão nº 308/12.2T3AND.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Março de 2014

Magistrado ResponsávelELISA SALES
Data da Resolução12 de Março de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I - RELATÓRIO O Ministério Público veio interpor recurso do despacho, de fls. 103/106, que declarou extinto o procedimento criminal movido contra a arguida A...

, por falta de legitimidade do Ministério Público para deduzir acusação pelos factos imputados à mesma (em face da Lei n.º 19/2013, de 21 Fev., que alterou a natureza do crime de furto simples) e, deu sem efeito a sua condenação.

A razão da sua discordância encontra-se expressa nas conclusões da motivação de recurso onde refere que: 1. Nos presentes autos, a arguida A...foi condenada pelo crime de furto simples, na forma tentada, após requerimento do Ministério Público para aplicação de sanções em processo sumaríssimo. Sucede que, por despacho de fls. 103-106, a Mma. Juíza a quo declarou extinto o procedimento criminal atenta a entrada em vigor da Lei n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro, que alterou a natureza do crime em causa, entendendo ser este o regime mais favorável a aplicar à arguida, e consequentemente deu sem efeito a condenação proferida, decisão que discordamos.

  1. Face à entrada em vigor da Lei n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro, o crime de furto passou a ter natureza particular verificadas as circunstâncias previstas no art. 207.º, n.º 2, do CP. Sucede que, quando o Ministério Público requereu a aplicação de sanções em processo sumaríssimo, tal lei não se encontrava em vigor (o que ocorreu a 23.03.2013), pois data de 26.02.2013. Verifica-se que tal requerimento é admitido pela Mma. Juíza a 03.04.2013, tendo a arguida declarado expressamente não se opor, motivando a decisão de valor equivalente a sentença condenatória proferida a 14.05.2013, actos praticados já após a entrada em vigor do citado diploma.

  2. Resulta então que estamos perante uma lei nova que adita uma norma de natureza processual material, não sendo por isso de aplicar o regime de aplicação da lei no tempo, mais favorável à arguida, prescrito no art. 2.° do CP, mas antes, as normas constantes do art. 5.º do CPP.

  3. Desta forma, não poderia, nunca, a Mma. Juíza a quo entender que, em face da aplicação de uma lei mais favorável, o procedimento criminal se deverá extinguir, porque mais benéfico para a arguida. Isto porque a nova lei não agrava de forma nenhuma a posição desta, pelo contrário, exige mais por parte da ofendida, designadamente a sua constituição como assistente e a dedução de acusação particular. Por seu lado, o despacho recorrido prejudica a ofendida que, atempadamente, apresentou a sua queixa e participou diligentemente em todos os actos processuais.

  4. Ainda, como decorre do art. 5.º, n.º 2, al. b), do CPP, a alteração legislativa não poderá colocar em crise a harmonia e unidade dos actos processuais. Assim sendo, como poderia a ofendida ter deduzido acusação particular (ainda que se tivesse constituído assistente)? De onde decorria a obrigatoriedade de se constituir assistente? Ora, a solução perfilhada no despacho recorrido coloca em causa a unidade processual, beneficiando injustificadamente a arguida, acusada de um crime de furto que mantém na íntegra todos os seus elementos objectivos e subjectivos, e prejudicando sobejamente a ofendida.

  5. Cumpre, desta forma, concluir que a solução perfilhada pela Mma. Juíza a quo não é correcta. É nosso manifesto entendimento, salvo o devido respeito, que seria decidindo nos termos requeridos pelo Ministério Público a fls. 92-94, designadamente, notificando a ofendida para se constituir assistente.

  6. Não desconhecemos que, nesta matéria, a jurisprudência diverge. Por um lado, um entendimento será o da manutenção in totum da legitimidade do Ministério Público. Por outro lado, outra solução será a de dar oportunidade ao lesado/ofendido para apresentar queixa (quando o crime passa de público para semi-público, devido a alterações legislativas), ou para se constituir assistente (quando o crime passa a assumir natureza particular).

  7. Perfilhamos este segundo entendimento, já que será a ofendida a principal interessada no desfecho dos autos. E sobretudo no caso em que o crime passa a ter natureza semi-pública, é esta quem deverá decidir se quer, ou não, que o procedimento criminal avance. Por outro lado, é, das duas, a solução que mais beneficia o arguido, exigindo uma actuação por parte da ofendida.

  8. No presente caso, o requerimento para aplicação de sanções em processo sumaríssimo foi apresentado ao abrigo da lei anterior vigente, pelo que, estando a fase de inquérito já encerrada, consideramos dever manter-se tal despacho, declarar-se nulos todos os actos subsequentes (porque praticados ao abrigo da nova lei) e notificar-se a ofendida para, e apenas, constituir-se assistente. Com efeito, parece-nos ser esta a solução mais acertada, pois que, para além da argumentação lógica despendida, é esta que permite que a unidade do sistema jurídico não seja quebrada, sob pena de se exigir a constituição de assistente e a dedução de uma acusação particular em momento posterior à dedução do despacho de encerramento de inquérito pelo Ministério Público.

  9. A Mma. Juíza a quo violou o disposto nos arts. 5°, 49.° e 50.° do CPP.

Termos em que, Deve o despacho de fls. 103-106 ser revogado e substituído por outro que determine a manutenção do procedimento criminal, mediante a notificação da ofendida para se...

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