Acórdão nº 1831/10.9TDLSB-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 12 de Dezembro de 2013

Magistrado ResponsávelJOÃO CARROLA
Data da Resolução12 de Dezembro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: I.

No processo comum n.º 1831/10.9TDLSB do 6º Juízo Criminal de Lisboa, o arguido R...foi condenado, como autor material, na forma consumada de um crime de atentado à liberdade de imprensa, previsto e punido, pelo art.º 33.º, n.º 1, alínea c) da Lei n.º 2/99, de 13.01, alterada pela Lei 18/2003, de 11/06, em concurso aparente com o crime de atentado à liberdade de informação, p. e p. pelo art.º 19°, n.º 1 e 2, do Estatuto dos Jornalistas, Lei 1/99, de 01/01, na pena de 110 (cento e dez) dias de multa, à taxa diária de € 45,00 (quarenta e cinco euros), num total de € 4950 (quatro mil novecentos e cinquenta euros), de que se encontrava pronunciado. Inconformado com a decisão, veio o arguido interpor recurso da mesma, com os fundamentos constantes da respectiva motivação que aqui se dá por reproduzida e as seguintes conclusões: “1ª. O Tribunal a quo condenou injusta e ilegalmente R...pela prática, como autor material, na forma consumada, de um crime de atentado à liberdade de imprensa, p.p. pelo artigo 33º n.º 1 alínea c) da Lei de Imprensa, em concurso aparente com o crime de atentado à liberdade de informação, p.p. pelo artigo 19º n.º 1 e n.º 2 do Estatuto do Jornalista, na pena de cento e dez dias de multa, à taxa diária de € 45,00, num total de € 4.950,00, impondo-se a revogação da decisão recorrida, que está eivada de vícios, quer substantivos quer processuais.

  1. Do ponto de vista processual, a sentença proferida pelo Tribunal a quo é nula, de acordo com o disposto no artigo 379º n.º 1 do CPP, sendo tal nulidade arguida no presente recurso, para nele ser conhecida, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.

  2. A sentença recorrida é nula por insuficiente fundamentação, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374º n.º 2 e 379º n.º 1 alínea a) do CPP, desde logo por omissão de exposição dos motivos e dos meios de prova que serviram para formar a convicção do Tribunal a quo relativamente aos factos constantes dos pontos 37 a 42 da factualidade considerada provada e da alínea e) da factualidade considerada não provada.

  3. Ao longo de seis páginas de fundamentação, em momento algum o Tribunal a quo faz referências a quaisquer meios de prova que sustentem a decisão proferida quanto a tais factos, limitando-se apenas a fundamentar a decisão pela qual considerou não provados os factos alegados na contestação apresentada pelo arguido, como se daí se pudesse extrair, por si só, a fundamentação para considerar provados os factos vertidos na pronúncia. 5ª. Por outro lado, a fundamentação expendida na sentença para considerar não provados os factos alegados pela defesa do arguido não se alicerça em quaisquer meios de prova constantes dos autos e/ou produzidos em audiência mas tão só em “regras da experiência comum e juízos de normalidade” a que alude o Tribunal a quo, as quais, como se crê desnecessário evidenciar, são aplicáveis, nos termos do artigo 127º do CPP, à apreciação dos meios de prova produzidos, não podendo substituí-los.

  4. Acresce que, nos termos do artigo 374º n.º 2 do CPP, a fundamentação de uma decisão judicial impõe a indicação dos motivos de Direito que a alicerçam, o que exige, naturalmente, a indicação das normas jurídicas subjacentes às referidas decisões.

  5. Como se constata de uma mera leitura da sentença, a mesma é omissa quanto à indicação das disposições legais que sustentam diversos entendimentos jurídicos (erróneos) defendidos e determinantes para a prolação da decisão proferida, o que, por si só, também torna nula a sentença recorrida, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374º n.º 2 e 379º n.º 1 alínea a) do CPP. 8ª. A falta de indicação das disposições legais que se consideraram aplicáveis para a prolação da decisão proferida pelo Tribunal a quo coarta de forma inadmissível o exercício dos direitos de defesa do arguido, incluindo o recurso, consagrados no artigo 32º n.º 1, e o direito de acesso ao Direito e aos Tribunais (nomeadamente, o direito de eventual recurso para o Tribunal Constitucional, que impõe a indicação expressa da norma jurídica cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada, de acordo com o artigo 75º-A n.º 2 da Lei do Tribunal Constitucional), tutelado pelo artigo 20º n.º 1, e viola o dever de fundamentação das decisões judiciais, imposto pelo artigo 205º n.º 1, todos da Constituição. 9ª. A interpretação dos artigos 374º n.º 2 e 379º n.º 1 alínea a) do CPP, segundo a qual uma sentença não tem de indicar as normas jurídicas aplicáveis para resolução das questões suscitadas, é inconstitucional, porque contrária aos artigos 20º n.º 1, 32º n.º 1 e 205º n.º 1, todos da Constituição, o que desde já se invoca para todos os devidos efeitos.

  6. O reconhecimento da arguida nulidade, com a consequente declaração de nulidade da sentença, imporia a baixa do processo ao Tribunal a quo, para que este procedesse à elaboração de nova decisão, completando-a com as menções em falta.

  7. Não obstante a nulidade de que padece a sentença recorrida, as consequências processuais daí decorrentes – baixa dos autos ao Tribunal a quo para suprimento da nulidade em causa – redundariam na prática de atos inúteis e, como tal, proibidos por lei, já que o conhecimento do mérito do presente recurso não permitirá que se conclua senão pela absolvição do arguido.

  8. Na verdade, a decisão que ora se impugna foi proferida em violação do princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127º do CPP, tendo em conta as limitações a este impostas pelas regras da experiência, conjugadas com o princípio in dubio pro reo, pois uma correta ponderação da prova produzida em audiência, nos limites legais enunciados, não permite alicerçar uma convicção para além de toda a dúvida razoável sobre parte essencial da matéria de facto em apreciação.

  9. Em obediência ao princípio in dubio pro reo, o convencimento pelo Tribunal a quo, para além de dúvida razoável, de que estão provados determinados factos desfavoráveis ao arguido só poderia ter sido alcançado se a ponderação conjunta dos elementos probatórios disponíveis permitisse excluir qualquer outra explicação lógica e plausível.

  10. Se, bem pelo contrário, é essa diferente explicação para a conduta do arguido, inequivocamente racional e plausível, que se alicerça na prova constante dos autos, conjugada com a demais factualidade considerada provada, é esta que deveria ter sido julgada provada pelo Tribunal a quo, de acordo com o princípio in dubio pro reo.

  11. Analisados objetivamente os princípios da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo, sempre será de considerar tais princípios violados quando o Tribunal dá como provados factos duvidosos desfavoráveis ao arguido ou dá como não provados factos duvidosos favoráveis ao arguido, mesmo que não tenha manifestado ou sentido a dúvida que, porém, resulta de uma análise e apreciação objetiva da prova produzida à luz das regras da experiência e/ou de regras legais ou princípios válidos em matéria de direito probatório.

  12. Foi o que sucedeu in casu quando o Tribunal a quo julgou provados os factos vertidos nos pontos 37 a 42 da factualidade considerada provada e julgou não provados os factos vertidos nas alíneas a) a h) da factualidade considerada não provada, passando a identificar-se, relativamente aos concretos pontos de facto que se consideram incorretamente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, em cumprimento do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 412º do CPP.

  13. Foram incorretamente julgados pelo Tribunal a quo os factos constantes dos pontos 37 a 42 da factualidade considerada provada e das alíneas d), e) e g) da factualidade julgada não provada, impondo decisão diversa uma apreciação, à luz das regras da experiência em conjugação com o princípio in dubio pro reo, das declarações prestadas por R..., na sessão da audiência de julgamento de 18.05.2012 (cfr. registo da gravação digital dessa sessão de 15m00s a 16m02s, de 22m30s a 23m23s, de 23m30s a 23m54s, de 24m50s a 26m03s, de 38m10s a 41m18s, de 1h11m27s a 1h12m13s, de 1h13m14s a 1h13m26s, de 1h22m38s a 1h23m32s, de 1h37m25s a 1h38m05s e de 1h38m30s a 1h40m51s), das declarações da assistente M..., na sessão da audiência de julgamento de 18.05.2012 (cfr. registo da gravação digital dessa sessão de 40m29s a 41m33s e de 45m10s a 46m05s), do depoimento da testemunha E..., na sessão da audiência de julgamento de 29.05.2012 (cfr. registo da gravação digital dessa sessão, de 7m31s a 8m25s, de 16m30s a 18m12s, de 19m35s a 20m15s e de 23m14s a 23m38s) e dos documentos constantes de fls. 12 a 17, 68 a 88 e 426 dos autos, em conjugação com os factos constantes dos pontos 5, 13, 30, 33, 34 a 36 e 54 a 57 da factualidade considerada provada – e bem – pelo próprio Tribunal a quo.

  14. Foram incorretamente julgados pelo Tribunal a quo os factos constantes das alíneas a) e f) dos factos considerados não provados, impondo decisão diversa uma apreciação, à luz das regras da experiência em conjugação com o princípio in dubio pro reo, das declarações prestadas por R..., na sessão da audiência de julgamento de 18.05.2012 (cfr. registo da gravação digital dessa sessão de 15m00s a 16m02s, de 54m05s a 54m50s, de 55m15s a 56m18s, de 1h11m27s a 1h12m13s, de 1h30m01s a 1h30m26s e de 1h37m25s a 1h38m05s), em conjugação com os factos constantes dos pontos 18 a 20 da factualidade considerada provada – e bem – pelo próprio Tribunal a quo.

  15. Foram incorretamente julgados pelo Tribunal a quo os factos constantes da alínea b) dos factos considerados não provados, impondo decisão diversa uma apreciação, à luz das regras da experiência em conjugação com o princípio in dubio pro reo, das declarações prestadas por R..., na sessão da audiência de julgamento de 18.05.2012 (cfr. registo da gravação digital dessa sessão de 22m30s a 23m23s, de 1h25m24s a 1h28m22s) e dos documentos constantes de fls. 12 a 17 dos...

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