Acórdão nº 60/12.1GTGRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 27 de Novembro de 2013
Magistrado Responsável | MARIA JOS |
Data da Resolução | 27 de Novembro de 2013 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório 1. No âmbito do processo n.º 60/12.1GTGRD do Tribunal Judicial de Almeida, Secção Única, mediante acusação pública foi o arguido A...
, melhor identificado nos autos, submetido a julgamento, sendo-lhe, então imputada a prática, em autoria material, na forma consumada: de um crime de falsificação de notação técnica, p. e p. pelo art.º 258º, n.º 1, al. c) e 2, ex vi ainda do disposto no art.º 255º, al. b), do Código Penal e no Regulamento (CE) n.º 516/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março; um crime de uso de documento de identificação alheio, p. e p. pelo artigo 261º, nº 1, ex vi do disposto nos artigos 255º, al. c) e no artigo 7º, n.º 3, al. d) do Decreto – Lei n.º 169/2009, de 31.07, e ainda pelos artigos 134º e 147º, n.ºs 1 e 2, do Código da Estrada; uma contra-ordenação, p. e p. pelo artigo 7º, n.º 3, al. d), do Decreto – Lei n.º 169/2009, de 31.07 e 147º, n.ºs 1 e 2, do Código da Estrada.
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Realizada a audiência de julgamento, por sentença de 22.04.2013, decidiu o tribunal: «Por todo o exposto, julgo a acusação pública totalmente improcedente por não provada, e em consequência, decido: a) Absolver o arguido A (...), da prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de falsificação de notação técnica, p. e p. pelos artigos 13º, 14º nº 1, 26º, 258.º nº 1 alínea c) e 2 ex vi 255º alínea b) do Código Penal e no Regulamento (CE) nº 516/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, de que vinha acusado.
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Absolver o arguido A (...), da prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de uso de documento de identificação alheio, p. e p. pelos artigos 13º, 14º nº 1, 26º, 261º nº 1 ex vi artigo 255º alínea c) e no artigo 7º nº 3 alínea d) do Decreto – Lei nº 169/2009 de 31/07 e artigos 134º e 147º nºs 1 e 2 do C. Estrada, de que vinha acusado.
Mais determino que, após trânsito, se extraia certidão da acusação pública de fls. 177 a 182, do auto de notícia de fls. 3 e ss., bem como de toda a prova documental referida na acusação e desta sentença e se remeta ao I.M.T.T., I.P., para apreciação da eventual responsabilidade contra-ordenacional do arguido.
(…)».
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Inconformado com o assim decidido recorre o Ministério Público, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões: 1º O Tribunal a quo incorreu no vício de contradição entre os factos dados como provados em 1, 3, 4 e 8 e os dados como não provados de 1. a 8, gerando também a sua nulidade.
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Este vício decorre da mera leitura da douta sentença recorrida, nomeadamente na fundamentação dos factos dados como não provados.
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De facto, após se ter escrito que o Tribunal conjugou devidamente as declarações prestadas, os documentos juntos e as regras da experiência comum, s.m.o., o Tribunal decidiu contraditoriamente pois, em primeiro lugar, ficou com lógicas reservas quanto à versão dada pelas testemunhas C (...) e B (...)(quando estes motoristas profissionais afirmaram que o arguido se terá esquecido de retirar o cartão do patrão e de colocar o seu cartão), afirmando mesmo ser tal facto “pouco provável” dada a profissão destes intervenientes; em segundo lugar, notou que o militar da G.N.R. declarou que o arguido sabia onde é que tinha o seu cartão pois foi logo buscá-lo ao local onde o mesmo se encontrava na cabina quando lho pediu mas, mesmo assim, estranha e contra as regras da experiência comum, decidiu que, tal esquecimento, ainda que “pouco provável” era possível e, como tal ficou com dúvidas inabaláveis de que efectivamente o arguido soubesse que estava a circular com o cartão do seu patrão/tivesse inserido o cartão do seu patrão para poder beneficiar dos períodos de condução não averbada no seu cartão tacográfico.
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Além de que, as declarações prestadas por estas testemunhas, além de suspeitas por virem do patrão e do colega do arguido que seguia no camião, constituem uma mera convicção pessoal que nada tem a ver com factos concretos, sendo assim tal valoração proibida, de acordo com o disposto no art.º 130.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
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Ao ter fundamentado da forma como fez a convicção quanto à decisão da matéria de facto, qualquer leitor médio ficaria com a ideia de que o arguido efectivamente sabia que estava a conduzir estando inserido no tacógrafo o cartão do seu patrão, por ser “pouco provável” que dois motoristas profissionais descurassem de forma tão flagrante e por tanto tempo/kilómetros os seus deveres profissionais e legais de inserirem os seus repectivos cartões no aparelho.
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Daí que, tendo decidido do modo como fez, exista contradição insanável entre a fundamentação (que aponta para a descredibilização da versão do patrão e colega do arguido) e a decisão proferida (que dá crédito a tal versão, desconsiderando até as regras da experiência comum e o facto de a lotação do veículo não poder permitir a circulação com três pessoas, cfr. livrete de fls. 21), além de erro notório na apreciação da prova, tendo sido assim violado o disposto nos art.ºs 127º, 130º, n.º 2 e 410º, n.º 2, als. b) e c), todos do Código de Processo Penal.
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Tendo em conta por referência à data da sessão de julgamento de fls. 226 e 233 as declarações das seguintes testemunhas: 1m:15seg. a 1m:48s e 2m:00seg. a 2m:35seg. ( C (...)) e 1:10 a 4:45 ( B (...)) e ainda na análise dos talões e do aparelho tacográfico a fls. 127 e ainda a cópia do livrete de fls. 21, deve ser aditado ao elenco dos factos dados como provados o seguinte facto: - nesse dia, o arguido e a testemunha B (...) iniciaram uma viagem no camião em causa em tripulação múltipla, desde a sede da empresa situada na Lourinhã, com destino ao estrangeiro, tendo seguido, na parte que aqui interessa, pela A23 e, a partir da zona da Guarda, na A25 em direcção a Vilar Formoso, local onde a G.N.R. procedeu à fiscalização do referido veículo, na altura em que era o arguido o condutor do mesmo e era o passageiro único a testemunha B (...).
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Porque resulta ainda da prova documental junta aos autos a fls 127, não contrariada por qualquer outra, nomeadamente pela própria testemunha B...
nas suas declarações reportadas à data da sessão de julgamento de fls. 233, deve ser dado como provado que: - no dia 24/05/2012 apenas esteve inserido no cartão tacógrafo o cartão tacográfico pertencente a C...
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O Ministério Público impugna ainda a decisão em matéria de facto, por existência do vício de erro de julgamento sobre a factualidade apurada em sede de audiência de julgamento e que foi dada como não provada nos pontos 1. a 8. de fls. 4/5 da sentença.
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Sabendo-se que o arguido e as testemunhas C (...) e B (...)são condutores profissionais de veículos pesados equipados com aparelhos de tacógrafo digital, que necessariamente sabiam que, antes de iniciar a condução, tinham de inserir o seu cartão de motorista na máquina em causa de modo a que fosse registada no chip do cartão a sua viagem de acordo com o determinado legalmente no Decreto-Lei n.º 169/2009, de 31-07.
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O que aliás é reforçado pelas declarações prestadas não só por estas testemunhas (vide a título de exemplo aquilo que B (...) disse ao Tribunal aos minutos 09m.50seg. por referência à data de fls. 233) mas, sobretudo, pelo militar D (...) (5m:25segs. – 6 m.15segs por referência à data de fls. 242).
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Deste modo, conjugando estas declarações com as regras da experiência comum, o Tribunal deveria ter dado como provados todos os factos que erradamente deu como não provados.
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Mesmo concedendo que, efectivamente, o arguido apenas passou a conduzir o camião naquele dia 24/05/2012 somente a partir de Castelo Branco, local onde o seu patrão saiu e onde o arguido iniciou a sua condução (segundo as declarações do patrão e do seu colega, o que não é totalmente contrariado pela análise técnica aos cartões e aos registos efectuados pelo tacógrafo colocado no camião), o que é certo é que o arguido sabia que estava a conduzir aquele veículo sem que o seu cartão estivesse colocado no aparelho tacógrafo.
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Na verdade, segundo referiu o militar D...
na sessão de julgamento a quo a acta de fls. 243 faz referência (3m:30segs. a 4m:15segs), assim que lhe pediu o cartão, o arguido foi ao compartimento onde o mesmo se encontrava e deu-lho, não tendo demonstrado (por gestos, expressões faciais ou outro tipo de comportamento) que desconhecia que estava a conduzir sem ter introduzido o seu cartão no aparelho tacográfico.
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Depois, ainda segundo esta testemunha, não há qualquer forma de não ser intencional o uso do cartão de outro condutor por parte do arguido (veja-se ainda por referência à mesma acta de fls. 242:6m:30segs. até 10m:30segs.), tal como este militar esclareceu as dúvidas que a Mm.ª Juíza a quo lhe colocou de forma circunstanciada, legalmente fundamentada e perfeitamente lógica.
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Aliás, por causa das dúvidas levantadas pelo Tribunal, nomeadamente quanto à eventualidade de tudo se ter ficado a dever a “esquecimento” dos motoristas, o referido militar esclareceu que, neste tipo de condução em tripulação múltipla, por força do disposto no art.º 4º, do Regulamento CE n.º 561/2006, de 15 de Março, a partir da 1.ª hora de condução é também obrigatória a inserção do segundo cartão, o que não estava a suceder.
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Ora, como resulta da análise dos cartões e do aparelho de fls. 125 e segs. e ainda das próprias declarações do militar em causa e de B (...)(quando referiu que foi sempre a dormir e que apenas acordou perto da Guarda), o único cartão que esteve sempre inserido no aparelho foi o cartão de C (...).
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Deste modo, quer o arguido quer o seu companheiro de viagem não introduziram, como deviam, o seu cartão no tacógrafo, antes seguiram com o cartão tacográfico de C (...).
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Daí que por estes motivos, facilmente se chega à conclusão que o arguido (e ainda a testemunha B (...)) sabia que, pelo menos desde Castelo Branco, estava a conduzir com o cartão do patrão (veja-se especialmente os minutos...
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