Acórdão nº 2510/13.0TBVFR-C.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 18 de Novembro de 2013

Magistrado ResponsávelJOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA
Data da Resolução18 de Novembro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Sumário (da responsabilidade do relator): A obrigação de aprovisionamento do crédito incobrado, imposta pelo Banco de Portugal, não constituiu em si mesma um prejuízo, no sentido exigido pelo artigo 238, n.º 1, alínea d) do CIRE.

Processo 2510/13.0TBVFR-C.P1 Recorrentes – B… e C….

Recorrido (credor oponente) – D…, S.A.

Administrador da Insolvência – E….

Relator: José Eusébio Almeida; Adjuntos: Carlos Gil e Carlos Querido.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto: 1 – Relatório: B… e C…, inconformados com a decisão que indeferiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, vieram apelar. Identificando o objeto do recurso como consistindo em "Averiguar se estão ou não cumpridos todos os requisitos previstos na alínea d) do nº 1 do artigo 238º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, e caso a resposta seja negativa, dever-se-á revogar aquela outra decisão de indeferimento", concluíram o seguinte: 1 - Os recorrentes interpõem o presente recurso, por discordarem com a douta decisão que indeferiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante.

2 - Os recorrentes pretendem alterar o sentido daquela decisão de indeferimento liminar, substituindo-a por outra que admita e conceda liminarmente esta exoneração do seu passivo restante.

3 - Na verdade, o que está em causa é saber se estão ou não verificados todos os requisitos previstos na alínea d) do nº 1 do artigo 238º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, e não estão, conforme se vai demonstrar, devendo-se assim revogar aquela outra decisão de indeferimento.

4 - Factos: A 13 de maio de 2013, os recorrentes apresentaram-se à insolvência, através de requerimento, no qual também deduziram o pedido de exoneração do passivo restante, e alegaram, muito sucintamente, o seguinte: 5 - O Insolvente marido é o único sócio e gerente da empresa "F…, Lda.", com sede na Rua …, nº …, …, cujo escopo comercial é a indústria transformadora de cortiça.

6 - Ao longo dos últimos anos, aquela empresa necessitou de recorrer a financiamento bancário, para apoiar a sua tesouraria no âmbito da sua atividade comercial.

7 - Acontece que os recorrentes chegaram a este estado de insustentável prejuízo financeiro, porque se constituíram avalistas e garantes dos créditos contraídos pela sociedade e, perante o incumprimento desta, começaram a ser acionados pelos credores; 8 - Mormente, pela "G…, S.A.", "H…, S.A.", "I…, S.A." e "D…, S.A.".

9 - Sem qualquer hipótese de liquidar tamanhas dívidas, os recorrentes deixaram de conseguir cumprir pontualmente as suas obrigações.

10 - Mais especificaram que têm como únicos rendimentos os salários mensais de €500,00 e €1.045,00, que auferem, respetivamente, como gerente da citada sociedade, e enquanto secretária executiva na sociedade "J…".

11 - O seu único património é composto por uma casa de habitação, sita na Rua .., nº .., …, Paços de Brandão, inscrita na matriz sob o artigo 2802 e descrita na Conservatória sob o nº 994, fração “L”, e não são donos de quaisquer outros bens, nem mesmo detentores em regime de locação financeira ou outro.

12 - Os recorrentes têm de suportar as normais despesas domésticas (eletricidade, água, gás, seguros, impostos, etc) e têm gastos inerentes e necessários à sua vida quotidiana (alimentação, saúde, transportes, vestuário). Acresce o facto de terem uma filha a seu cargo, que entrou recentemente na Universidade de Lisboa, e cujas avultadas despesas associadas à sua educação escolar e formação socioeducacional estão exclusivamente a cargos dos recorrentes.

13 - Foi declarada, assim, a insolvência dos Recorrentes a 15/05/2013.

14 - Posteriormente, a 03/07/2013, veio o credor "D…, S.A." pronunciar-se pelo indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante, "por subsumível a conduta dos Insolventes às normas contidas nas alíneas d) e e) do nº 1 do artigo 238º do CIRE".

15 - Por fim, a 29/08/2013, o Tribunal a quo proferiu sentença de indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante, com os seguintes fundamento: 16 - A situação de incumprimento dos Insolventes perante os credores reporta-se já ao ano de 2011, pelo que já nessa altura, "os Insolventes estavam em verdadeira situação de insolvência, conforme vem definida no artigo 3º do CIRE, não se tendo apresentado à Insolvência no prazo legalmente previsto – 6 meses, mas só em 13 de maio de 2013"; 17 – "A não apresentação dos devedores à insolvência no momento em que os insolventes tiveram conhecimento da impossibilidade de fazer face aos compromissos financeiros assumidos, optando por fazê-lo muito mais tarde, consubstancia um inequívoco prejuízo para o Reclamante, com o aumento da percentagem relativamente ao crédito vencido que teve de provisionar"; 18 - Segundo o Tribunal a quo, também ficou demonstrado que os devedores não podiam ignorar, sem culpa grave, não existir qualquer perspetiva séria de melhoria da sua situação económica, atendendo aos montantes em dívida e às datas de vencimentos dos créditos.

19 - Desta forma, decidiu o indeferimento liminar do requerimento de exoneração do passivo restante, por subsumível a conduta dos insolventes à norma contida na alínea d) do nº 1 do artigo 238º do CIRE.

20 - Ora, cabe-nos discordar perentoriamente deste entendimento, e demonstrar que a aduzida decisão encontra-se sustentada em erradas premissas.

21 - A questão a decidir no presente recurso circunscreve-se num único ponto: Averiguar se estão ou não cumpridos todos os requisitos previstos na alínea d) do nº 1 do artigo 238º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, e caso a resposta seja negativa, dever-se-á revogar aquela outra decisão de indeferimento.

22 - O instituto da exoneração do passivo restante encontra-se previsto nos artigos 235º a 248º do CIRE e constitui um “princípio do fresh start para as pessoas singulares de boa-fé incorridas em situação de insolvência”, atribuindo-lhes, assim, a possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica.

23 - O pedido de exoneração do passivo restante tem de ser formulado pelo devedor, nos termos previsto no artigo 236º do CIRE, e desse requerimento deve constar expressamente a declaração do insolvente de que se dispõe a observar todas as condições exigidas nos artigos seguintes - nº 3 do citado artigo.

24 - O que efetivamente se verificou no caso sub judice.

25 - Não obstante, o pedido de exoneração do passivo restante foi indeferido liminarmente com fundamento no disposto na al. d) do nº 1 do citado preceito legal, conforme o supra demonstrado.

26 - Segundo a alínea d) do nº 1 do artigo 238º do CIRE, o pedido de exoneração será indeferido liminarmente se "o devedor tiver incumprido o dever de apresentação à insolvência ou, não estando obrigado a se apresentar, se tiver abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo em qualquer dos casos para os credores, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspetiva séria de melhoria da sua situação económica".

27 - Assim, para ser negado o pedido com fundamento nesta alínea, é imperioso que se encontrem preenchidos cumulativamente os três requisitos substantivos aí enunciados, a saber: a) Incumprimento do dever de apresentação à insolvência no prazo de seis meses a contar do dia em que se verifique a situação de insolvência; b) Que, desse incumprimento, decorra ou advenha, para os credores, um prejuízo; c) Se conheça da inexistência de qualquer perspetiva séria de melhoria da situação económica.

28 - Só a verificação cumulativa destes três requisitos impede a concessão do pedido de exoneração do passivo restante – Acórdão do TRP de 09/02/2012.

29 - Sendo estes requisitos factos impeditivos, que obstam ao deferimento do pedido de exoneração do passivo restante, a sua alegação e prova cabe aos credores, segundo o disposto no artigo 342º, nº 2 do C. Civil - Acórdãos do STJ de 19/04/2012 e 21/10/2010.

30 - Assim, o ónus da prova da não verificação dos elementos da previsão da citada norma cabe aos credores e ao administrador, que por sua vez têm que alegar e provar os factos que densifiquem os descritos elementos - Acórdão do TRC de 23/02/2010.

31 - In casu, tal prova não se verificou por parte do Credor Reclamante.

32 - a) Da apresentação à insolvência no prazo de seis meses a contar da data do conhecimento da situação de insolvência: 33 - Como resulta dos factos assentes, o processo de insolvência iniciou-se por iniciativa dos aqui Recorrentes a 13/05/2013, pelo que estando os Insolventes em situação de incumprimento definitivo das suas obrigações já em 2011, conforme consta do Relatório do Sr. Administrador de Insolvência, é forçoso concluir que se verifica a previsão da primeira parte da alínea d) do nº 1 do artigo 238º do CIRE.

3 - Todavia, se dúvidas não restam quanto à verificação do primeiro dos pressupostos, já o mesmo não se nos afigura subsistir quanto aos restantes pressupostos.

35 - Como primeira conclusão temos que a citada extemporaneidade na apresentação à insolvência só por si não é fundamento para a decisão de indeferimento.

36 - Conforme se referiu, só a verificação cumulativa destes três requisitos constantes no citado preceito legal impede a concessão do pedido de exoneração do passivo restante.

37 - b) Da inexistência de prejuízo para os credores: 38 - Na esteia da jurisprudência maioritária do STJ, nomeadamente, os citados Acórdãos de 21/10/2010 e de 19/04/2012 (ambos subscritos pelo relator Cons. Oliveira Vasconcelos, in dgsi), considera-se que do simples facto de o devedor se atrasar na apresentação à insolvência, não se pode concluir, sem mais, que daí advieram prejuízos para os credores.

39 - Neste sentido o Acórdão do TRC de 17/12/2008, P. 1975/07.4TBFIG.C1, R. Gregório Silva Jesus, e o Acórdão do TRG de 31/10/2012.

40 - Resulta do quadro factológico dado como assente que os recorrentes sempre pautaram os seus...

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