Acórdão nº 4351/08.8TBVNG.P2 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Setembro de 2013

Magistrado ResponsávelJOSÉ AMARAL
Data da Resolução26 de Setembro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Apelação nº 4351/08.8TBVNG.P2– 3.ª Relator: José Fernando Cardoso Amaral (nº 94) Des. Dr. Fernando Manuel Pinto de Almeida (1º Adjunto) Des. Dr. Trajano Amador Seabra Teles de Menezes e Melo (2º Adjunto) Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto: I. RELATÓRIO Na 2ª Vara Mista da Comarca de Vila Nova de Gaia correu termos acção declarativa ordinária movida pela Sociedade Comercial “C…, SA”, contra “C…, SA”, em que aquela – através do respectivo patrono forense para o efeito mandatado por procuração (formalizada pelo documento escrito de fls. 97 dos autos e datada de 12-11-2007) outorgada, em sua representação, pelo Administrador D… – pediu a condenação desta no pagamento, com fundamento em responsabilidade pré-contratual pela ruptura de negociações tendentes à conclusão de certo contrato-promessa, da quantia de 1.952.500,00€ (e juros), a título de indemnização pelos prejuízos consequentemente sofridos.

Na final da sua contestação, a Ré alegou que a Autora, ao intentar a acção e nela deduzir a pretensão indemnizatória, litigou de má fé e, com esse fundamento, requereu a condenação dela – Sociedade – em multa e indemnização, esta de montante nunca inferior a 25.000€.

Uma vez notificada, a Autora, na réplica que apresentou, impugnou os fundamentos desta pretensão, batendo-se pela sua improcedência, e, por sua vez, imputando conduta litigante de má fé à Ré, requereu a sua condenação em moldes similares – pretensão também contraditada na tréplica.

Percorrida a normal tramitação e realizada a audiência de discussão e julgamento, foi, proferida sentença (fls. 550 a 560) que, além de julgar a acção totalmente improcedente e absolver do pedido a Ré, decidiu condenar a Autora – Sociedade – como litigante de má fé na multa de 12 UC´s e indemnização.

Inconformada, apelou a Autora para esta Relação, mas restritamente quanto à parte relativa à litigância de má fé, defendendo que os factos apurados não integram os pressupostos objectivos e subjectivos de tal instituto e, assim, pedindo a sua absolvição da multa e indemnização em que foi condenada.

Então, por Acórdão desta Relação de 23-10-2012 (exarado a fls. 634-647) com fundamento no entendimento de que, por força do artº 458º, do Código de Processo Civil então vigente, uma sociedade não pode ser condenada como litigante de má fé e de que – última frase do capítulo relativo ao mérito do recurso e a anteceder o da decisão – “Para que a eventual litigância de má fé possa ser objecto de punição será necessário identificar o representante legal da apelante responsável pela litigância de má fé, conceder-lhe a possibilidade de se defender e decidir em conformidade”, julgou-se procedente a apelação, em consequência do que foi a Autora – Sociedade – absolvida do pedido.

Transitada em julgado esta decisão e devolvidos os autos ao tribunal de 1ª instância, foi aí, depois, proferido (fls. 662) o seguinte despacho: “Na esteira do decidido pelo Douto Acórdão da Relação do Porto proferido nestes autos determino a notificação de D… e das partes para, em 10 dias, se pronunciarem sobre a possibilidade de aquele ser condenado como litigante de má fé na qualidade de representante legal da Ré [queria, manifestamente, dizer-se, “da Autora”!] e subscritor da procuração de fls. 97, nos termos e ao abrigo do disposto no artº 458º do CPC.” Pronunciaram-se a Autora e o próprio seu representante, D…, alegando, então, ambos, em síntese, que ao decidir-se, sem mais, pela absolvição daquela Sociedade do pedido, ficou esgotado o poder jurisdicional do tribunal quanto à questão, violando o despacho o caso julgado. Caso, assim não se entenda, por os factos não preencherem os pressupostos da litigância de má fé, deve aquele ser absolvido.

E pronunciou-se também a Sociedade Ré, mas em sentido diametralmente oposto àqueles.

Foi, de seguida, proferida a seguinte decisão: “Do caso julgado/manutenção ou não do poder jurisdicional sobre a questão da litigância de má-fé.

No âmbito da sentença que conheceu do mérito da causa a fls. 550 e ss. decidiu-se condenar a A. como litigante de má-fé em multa e indemnização a favor da Ré.

De tal decisão interpôs recurso a A. o qual veio a ser decidido nos termos do Douto Acórdão de fls. 634 e ss.. no qual se julgou a apelação procedente e “absolveu-se a A. do pedido”.

Tal recurso versou sobre a condenação da A. como litigante de má-fé.

Sendo esse o objecto do recurso a absolvição proferida incide sobre a A., ou seja, a decisão que condenou a A. como litigante de má-fé foi revogada.

Os fundamentos daquele Douto Aresto são, em síntese, que a A., sociedade comercial, não pode nunca ser condenada como litigante de má-fé e que se tal comportamento se verificar na sua actividade processual quem deve ser condenado como litigante de má-fé é o seu representante legal, nos termos do disposto no artº 458 do CPC..

A fundamentação do referido Acórdão termina dizendo que “Para que a eventual litigância de má fé possa ser objecto de punição será necessário identificar o representante legal da apelante (a A.), conceder-lhe a possibilidade de se defender e decidir em conformidade”.

O que se fez com o despacho de fls. 662 foi, precisamente, dar cumprimento a tal decisão.

Em conclusão importa concluir que o alcance (força) de caso julgado proferido pelo Douto Acórdão “in casu” é, apenas, a impossibilidade de a A. ser condenada como litigante de má-fé, ou seja, a sua absolvição de tal imputação.

Não resulta da respectiva decisão e muito menos da sua fundamentação a inexistência de litigância de má fé e/ou a impossibilidade de condenar qualquer outro sujeito como tal. Resulta, aliás, exactamente o contrário; cfr. o parágrafo supra citado.

A possibilidade de o tribunal (1ª instância) se pronunciar sobre a litigância de má-fé não se esgota com a prolação da sentença da causa nem a mesma, neste caso, se vê limitada pelo Acórdão proferido antes se renovou o nosso poder jurisdicional face à revogação da condenação da A. e à possibilidade, expressamente mencionada/sugerida, de eventual condenação do respectivo representante legal, desde que devidamente identificado e cumprido o principio do contraditório, como foi o caso.

Da litigância de má-fé.

“Litiga de má-fé, artº 456 nº2 alíneas a) e b) do C. P. C., quem tiver deduzido pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar e/ou quem com dolo ou negligência grave, tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa.” “Quando a parte for um incapaz, uma pessoa colectiva ou uma sociedade a responsabilidade das custas, da multa e da indemnização recai sobre o representante que esteja de má-fé na causa”, artº 458 do CPC..

A A. é uma sociedade anónima, sendo que à data da propositura da presente acção era seu administrador D…, tendo sido ele quem emitiu a procuração forense de fls. 97. (cfr. fls. 97 e 257 e ss..).

Foi igualmente D… quem prestou depoimento de parte, em representação da A.; cfr. 467/468 e gravação do mesmo depoimento.

De igual forma foi aquele D… quem conduziu todo o processo negocial em apreço nos autos e que, em última análise, redundou na propositura da acção por parte da A..

Tal é o que resulta do conjunto dos factos provados, ex. vi p. ex. os nºs 5º, 7º, 8º e 10º.

Ao deduzir a presente acção com fundamento na existência por parte da Ré de culpa “in contrahendo” bem sabendo, pois não podia ignorar factos que são pessoais e consigo se passaram, que a recusa da Ré em contratar se ficou a dever, em suma, à rejeição/não aceitação da inclusão no contrato de uma clausula ou conjunto de clausulas para resolução/salvaguarda de uma questão que a Ré desde o inicio das negociações reputou de essencial, a A., por intermédio do seu representante legal D…, deduziu pretensão cuja falta de fundamento não podia deixar de conhecer.

Ao exposto acresce que, para fundamentar a dedução da presente acção a A., por intermédio do seu representante legal D…, alegou factos que sabia não corresponderem à verdade (p. ex. artºs 19º e 49º da P.I.), omitiu factos relevantes para a decisão da causa (p. ex. a devolução da quantia de euros 100.000,00 a que alude o facto provado nº 28º) e impugnou factos que sabia serem verdade (p. ex. os constantes dos factos provados 33º, 34º e 35º).

Ao proceder da forma descrita o legal representante da A., D…, litigou com má-fé a qual esteve na génese da própria propositura da acção sendo causadora da mesma.

Assume, pois, elevada gravidade o comportamento em apreço, sendo que deverá suportar as consequências legais do mesmo o referido representante legal da A., D…, por força do disposto no citado artº 458 do CPC..

A litigância de má-fé implica a condenação em multa (a fixar entre 2 e 15 Uc´s, artº 10 do RCP. e indemnização (desde que seja pedida) sendo que esta pode corresponder ao reembolso das despesas originadas pela má-fé, honorários dos mandatários inclusive acrescida dos demais danos sofridos pela Ré em consequência directa ou indirecta da má-fé, artº 456 nº 1 e 457 nºs 1 e 2 do CPC..” Face ao exposto decide-se fixar em 12 Uc´s a multa a aplicar e relegar a liquidação da indemnização para fase posterior nos termos do disposto no artº 457 nº 2 do CPC..

Termos em que condeno o representante legal da A., D…, como litigante de má-fé, no pagamento de multa no valor de 12 Uc´s e de uma indemnização à Ré correspondente ao reembolso das despesas originadas pela má-fé, honorários dos mandatários inclusive, acrescida dos demais danos sofridos por aquela Ré em consequência directa ou indirecta da referida má-fé.” O referido representante da Autora – C… – não se conformou e interpôs...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT