Acórdão nº 6560/09.3TVLSB.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 14 de Junho de 2012
Magistrado Responsável | MARIA JOSÉ MOURO |
Data da Resolução | 14 de Junho de 2012 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam na Secção Cível (2ª Secção) do Tribunal da Relação de Lisboa: * I - «“A” – Investimentos Imobiliários e Turísticos, SA» intentou a presente acção declarativa com processo ordinário contra «“B” – Investimentos Imobiliários, SA».
Alegou a A., em resumo: A R. é dona de um prédio denominado “C”, com uma área de 176.415 m2, sito em ..., freguesia do ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ..., e inscrito na matriz predial rústica da mesma freguesia sob o art.º 1º, secção A, A1 e A2. Em 14 de Maio de 2008, a R. celebrou com a A. um contrato promessa de compra e venda, em que aquela prometeu vender e esta prometeu comprar o referido imóvel, contrato esse que sofreu duas revisões, a última delas datada de 6 de Abril de 2009 e onde se convencionou que a escritura de compra e venda seria realizada até 22-4-2009.
Por carta registada com aviso de recepção datada de 15-4-2009 a R. notificou a A. para a celebração da escritura para o dia 30-4-2009; a A. solicitou a desmarcação da escritura o que a R. não aceitou.
A escritura não se realizou na data aprazada e a R. procedeu à resolução do contrato por carta registada com aviso e recepção datada de 12-5-2009.
A resolução por parte da Ré, baseada simplesmente em cláusula ínsita no contrato promessa, não poderá operar, configurando abuso de direito; a publicitação da resolução implicou a perda de interesse por parte da R. porquanto impediu que a A. obtivesse financiamento para a concretização da operação bem como levou à desistência do Grupo “D”, impedindo a realização de parceria com o mesmo o que permitiria angariar os meios financeiros complementares necessários à concretização da compra e venda.
O comportamento da Ré consubstancia incumprimento definitivo do contrato com a subsequente devolução do dobro do sinal que fora entregue.
Pediu a A. que seja considerada ilegítima e ineficaz a resolução operada pela Ré e se considere resolvido o contrato promessa celebrado entre a A. e a Ré por incumprimento definitivo da Ré e esta condenada ao pagamento do dobro do sinal entregue, no valor de 15.000.000,00 €.
Citada, a R. contestou.
Essencialmente, alegou que a A. não cumpriu o contrato não entregando á R. a documentação necessária para a realização da escritura e não comparecendo no cartório notarial na data que havia sido aprazada.
Defendeu a litigância de má fé da A. e concluiu pela improcedência da acção.
Foi proferido saneador sentença que julgou a acção improcedente e concluiu pela não existência de má fé.
Da sentença apelou a A., concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso: I. Nos presentes autos foram as partes notificadas para audiência preliminar.
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No dia da audiência pelo Mmo. Juiz foi referido que a conciliação não foi possível e que entendia que os autos já reuniam todos os elementos essenciais para proferir decisão sem necessidade de produção de provas, sem contudo, nessa data elaborar especificação, i.é, nessa data dar a conhecer às partes quais os factos que entendia considerarem-se como assentes.
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Nos termos do n.º 1 alínea b) do art.º 510º do C.P.C. o Mmo. Juiz poderá conhecer, imediatamente, o mérito de causa, sempre que o estado do processo o permitir, sem necessidade de mais provas.
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Ora, tem entendido a jurisprudência que a admissibilidade do conhecimento do mérito, logo no saneador, está condicionada à existência no processo de todos os elementos para uma decisão conscienciosa, segundo as várias questões plausíveis do direito e não apenas a visão partilhada pelo Juiz da causa.
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Só se não houver divergência entre as partes quanto aos factos relevantes, essenciais e suficientes para se discutir o aspecto jurídico é que se poderá de forma conscienciosa e justa discutir o aspecto jurídico da causa sem necessidade de produção de prova.
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Ora, no caso sub iudice pela leitura da petição inicial e da contestação verifica-se sem grande margem para dúvidas que existem factos controvertidos que têm influência para a boa decisão de causa e como tal deveriam ter sido quesitados.
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No caso sub iudice, a questão do direito que urge resolver prende-se, tão-somente, com o facto de saber se o Promitente Vendedor poderia resolver o contrato promessa, sem necessidade de interpelação admonitória, no caso da Promitente Compradora não ter comparecido na escritura pública agendada pela Promitente Vendedora.
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Ora, efectivamente, os autos através de junção de documentos subscritos pelas partes tinham factos que não careciam de prova, nomeadamente, a questão das cláusulas ínsitas no C.P.C.V., a questão da troca de e-mails enviados, com bastante interesse para a boa decisão de causa, e para aquilatar até que ponto o prazo para efectivação da escritura era uma questão essencial.
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Na realidade, o Tribunal “a quo” considerou como provado os factos alegados pela ora Recorrente nos seus artigos 1º a 18º da petição inicial, contudo, deveria ter considerado, também como provado não só o 1º parágrafo do email enviado à Ré em 29.4.2009, mas o teor do email no seu todo.
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Na verdade, atendendo tão simplesmente e reduzidamente ao que consta na matéria dada como assente no ponto 16 da sentença da qual se recorre, parece que a ora Recorrente não tem vontade de cumprir o C.P.C.V.
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O que pela leitura do email que supra se descreveu não corresponde à verdade.
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Assim, deverá aditar-se à matéria assente o teor integral do email que esclarece a posição da Recorrente ao afirmar “estamos na busca de uma solução que nos permite cumprir a prometida compra…” XIII. O alegado pela Recorrente nos artigos 19º, 20º, 21º, 22º, 25º, 26º, 28º, 29º, 30º, 31º, 32º, 34º, 35º, 36º, 37º, 39º, 40º, 41º é indiciador que no período que mediou o enviado email da Recorrente a solicitar a desmarcação da escritura e a publicitação no site da CMVM, vários contactos houve entre os representantes da Recorrente e da Recorrida no sentido de se efectivar a escritura pública de compra e venda, ainda que depois do prazo constante do C.P.C.V., i.é, 30.4.2009.
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Tais factos são essenciais para a decisão conscienciosa do presente pleito, pois na realidade, a serem os mesmos provados, resulta claramente que não existia por um lado incumprimento definitivo do C.P.C.V. mas simples mora, e que por outro lado, a resolução operada ilegal e abusivamente pela Recorrida implicou o incumprimento definitivo do C.P.C.V. por parte daquela.
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Na verdade, o pedido formulado pela Recorrente formulava a pretensão de se considerar ilegítima a resolução e ser a Recorrida obrigada a pagar o dobro do sinal à Recorrente.
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Ora, a selecção restrita dos factos e apenas segundo, salvo melhor opinião, a perspectiva do Juiz em causa, não permite conhecer a questão de direito suscitada pela Recorrente e que se consubstanciava no incumprimento por parte da Recorrida.
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E, mais grave ainda, ao seleccionar apenas uma frase do email enviado em 29.4.2009, considera o Tribunal “a quo” que a Recorrente manifestou de forma clara a sua intenção de não cumprir. (Veja-se página 34 da sentença em crise…) que se transcreve: “ Por outro lado, também não se vislumbra qual a necessidade de interpelação admonitória se é a própria Autora quem, no dia anterior à celebração do contrato prometido (29.4.2009) informa a Ré de que não tinha condições para cumprir o clausulado na escritura, ou seja, se o devedor manifesta, de forma, clara, a sua intenção de não cumprir, é inútil obrigar o credor a interpela-lo para o efeito”.(!) XVIII. Ora, esta conclusão é no mínimo precipitada pois, no email de 29.4.2009 não se demonstra, claramente, a intenção da Recorrente em não cumprir, muito pelo contrário o que refere é: “Face às várias alterações introduzidas, acreditamos estarem reunidas as condições que nos permitem financiar a operação, nomeadamente o apoio parcial à aquisição do terreno. Temos efectuado todas as diligências necessárias a tal, mas infelizmente ainda não nos foi possível concretizar. A Banca revela-se bastante lenta nas decisões, estando a efectuar todas as acções no sentido de minorar tal facto. Atentos que está prevista uma reunião nos próximos dias entre o Exmo. Senhor Eng.º “E” e o Sr. Eng.º “F”, na busca de uma solução que nos permita cumprir a prometida compra, vimos pois apelar a V. Exas. para a desmarcação da escritura prevista para o dia de amanhã. Na expectativa das vossas prezadas notícias e agradecendo desde já toda a atenção e compreensão de V. Exas. para esta nossa solicitação, subscrevemo-nos com muita estima e consideração”.
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É pois essencial para a decisão de causa que seja alterada a matéria assente, nomeadamente, inserindo todo o conteúdo do email junto aos autos e não apenas uma frase desgarrada e desprovida de sentido se não for entendida no conjunto de comunicação enviada.
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Também é essencial para o apuramento da verdade e para a boa decisão da causa que sejam aditados à base instrutória os seguintes factos constantes dos artigos 19º a 32º, 34º a 37º, 39º, 40º e 41º da petição inicial e que se transcrevem: Pese embora, no email enviado a 29.4, tenha sido alvitrada uma reunião entre o Eng.º “E”, Administrador da Ré e o Eng.º “F”, Administrador da A., a reunião não foi levada a cabo por dificuldades de agenda.
Já após a recusa da Ré em desmarcar a escritura, várias conversas houve entre o Eng.º “G”, em nome da Ré e o Eng.º “H”, em nome da A., no sentido de celebrar a escritura noutro prazo, uma vez que a A. estava a reunir condições financeiras para a concretização da compra e venda, nomeadamente, contactando parceiros para a viabilização do negócio. E apesar da existência de vários contactos telefónicos existentes entre a A. e a Ré em que se alvitrava a realização da escritura pública em data a aprazar, por carta registada com aviso e recepção datada de 12.5.2009, a Ré resolve unilateralmente, o C.P.C.V. celebrado em 14.5.2008. A referida carta deixou a A. circunspecta, apanhando-a de surpresa atendendo não só ao clausulado do...
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