Acórdão nº 1608/10.1TAPDL.L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 17 de Outubro de 2012

Magistrado ResponsávelJORGE RAPOSO
Data da Resolução17 de Outubro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam em conferência na 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: I. RELATÓRIO Nos presentes autos do processo comum com intervenção do tribunal singular o arguido M......, casado, desempregado, nascido a...., no Canadá, filho de A... e de D...., residente na Rua...., Ponta Delgada, foi condenado pela prática em autoria material de um crime de utilização indevida de trabalho de menor p. p. pelo art. 82° n° 2 por referência ao art. 68° n° 1 do Código do Trabalho, na pena de quatro meses de prisão suspensa na sua execução por um ano.

O arguido interpôs recurso, apresentando as seguintes conclusões: 30 - Na matéria de facto dada como provada, não resulta líquido qual a natureza do contrato celebrado entre a menor e o ora recorrente.

31 - Ora, a caracterização do contrato como sendo de trabalho, ou não, salvo melhor entendimento, reveste-se de meridiana importância, na medida em que dela depende o regime sancionatório aplicável ao ora recorrente e, consequentemente, a extensibilidade ou não a este das normas incriminatórias e sancionatórias do Código de Trabalho.

32 - Os menores de 16 anos, excepcionalmente, podem prestar uma actividade física ou intelectual por contra de outrem, ressalvados que estejam determinados requisitos legais de natureza imperativa, tudo como melhor se pode colher, entre outras, das disposições ínsitas nos arts. 3° da Lei 7/2009 de 12.2 e art.s 66°, 69° e 70° do Cód. de Trabalho.

33 - Não resultou provado nos pressentes autos que o recorrente tenha dirigido ou dado quaisquer instruções à menor; que tenha exercido relativamente a esta quaisquer poderes de direcção ou fiscalização ou mesmo que tenha pessoalmente contratualizado com ela a prestação de qualquer actividade intelectual ou manual.

34 - Nem resultou também provado que o prestador de trabalho (a menor) tenha auferido, com alguma periodicidade, uma quantia certa; que tivesse observado horas de início ou de termo de prestação determinadas pelo recorrente; que desempenhasse funções de direcção e chefia na organização empresarial deste, ou sequer, que o local onde a menor vendia flores (imediações de um cemitério) pertencesse a este (cfr. art. 12° n° 1 do C.T.).

35 - Ao não caracterizar e definir qual a natureza do contrato dos autos alegadamente celebrado entre a menor e o ora recorrente, padece a douta sentença ora posta em crise do vício a que alude o arto.410°., n°.2, al. a) do C.P.Penal.

36 - Ao retirar de factos dados como provados (elenco de condenações constantes do C.R.C.

do arguido) uma conclusão logicamente inaceitável, qual seja, a de o arguido ter já sido condenado por crimes de natureza "igual ao que aqui nos ocupa", enferma ainda a douta sentença do vício a que alude o art. 410° n° 2, al. c), do C.P.Penal.

37 - A pena aplicado ao recorrente, a ter lugar, poderia e deveria ter sido a de multa, uma vez que, relativamente à prática de crimes como o dos autos, é primário, assim se dando cabal cumprimento ao vertido no art. 70° do C.Penal, cujo teor se lhe representa, assim, violado.

Termos em que deve ser admitido e recebido o presente recurso e, em consequência, ser a douta sentença ora recorrida revogada e substituída por outra que, julgando em conformidade com o que atrás vai alegado, absolva o recorrente da prática do crime que lhe foi imputado ou, caso assim não se entenda, substitua a pena de prisão que lhe foi aplicada por uma outra, de multa, tudo conforme ao direito e à JUSTIÇA! O Ministério Público respondeu ao recurso interposto refutando os argumentos apresentados e pugnando pela sua improcedência, sintetizando a sua posição nas seguintes conclusões: 1- Assim, há que concluir que na decisão recorrida se fez uma correcta aplicação do direito, no que à matéria de prova - produção, valoração e apreciação - se reporta, em estrita obediência às normas legais (artigos 127° e 128°, do CPP.

2- Uma vez que da prova realizada em julgamento resulta inequivocamente ter sido o autor dos factos, que actuou de forma voluntária e consciente, não existem dúvidas sobre tal matéria, o que afasta a aplicação, no caso, do princípio "insuficiência para a decisão da matéria de facto provada" e "erro notório na apreciação da prova".

3- A conduta do arguido foi dolosa.

4- Daí que a pena aplicada ao arguido se mostre adequada e razoável, não merecendo qualquer juízo de censura, atento o preceituado no artigo e 71, do Cód. Penal 5- Não foram violadas quaisquer normas legais, designadamente as que o recorrente erradamente invocou.

Termos em que deve ser julgado improcedente o presente recurso e considerada válida a sentença recorrida.

No entanto, Vossas Excelências, como sempre, doutamente decidirão, assim fazendo costumada JUSTIÇA Neste Tribunal, foi cumprido o disposto no art. 416° do Código de Processo Penal.

Foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir.

  1. FUNDAMENTAÇÃO As relações reconhecem de facto e de direito, (art. 428° do Código de Processo Penal) e, no caso, não foi interposto recurso sobre a matéria de facto.

É jurisprudência constante e pacífica (acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, processo 06P3661 em www.dgsi.pt) que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação (art.s 403° e 412° do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410° n° 2 do Código de Processo Penal e Ac do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série-A, de 28.12.95).

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, são as seguintes as questões a decidir: 1.Insuficiência da matéria de facto provada; 2.Erro notório na apreciação da prova; 3.Medida da pena.

Na decisão sob recurso é a seguinte a matéria de facto provada e não provada: Resultaram provados os seguintes factos com pertinência para a decisão: 1 - No dia 1 de Novembro de 2010, pelas 14h15, na Rua ...., na Fajã de Cima, A... vendia flores e fazia-o por conta do arguido, a quem pertenciam tais flores; 2 - Para o efeito, o arguido pagava a A... €3,00 (três euros) à hora; 3 - Sucede porém que a A... nasceu a 20 de Maio de 1995, pelo que era menor de dezasseis anos; 4 - O arguido bem sabia que contratara uma menor de dezasseis anos para trabalhar, na venda de flores; 5 - Ainda assim agiu como se descreveu; 6 - Bem sabia que a sua conduta era proibida e punida; 7 - O arguido é solteiro mas vive com uma companheira de quem tem 2 filhos menores. É empresário auferindo cerca de 1400 euros mensais. Mora em casa da avó. Tem despesas correntes.

A companheira é florista auferindo o salário mínimo. Andou na escola até ao 9° ano.

8 - O arguido foi condenado: · por sentença 28.1.98, relativamente a factos consubstanciadores do crime de consumo de estupefacientes praticados em 30.9.96, na pena de multa; · por sentença 25.6.2002, relativamente a factos consubstanciadores do crime de condução de veículo em estado de embriaguez praticados em 26.5.2002, na pena de multa; · por sentença 9.9.07, relativamente a factos consubstanciadores do crime de condução de veículo em estado de embriaguez praticados em 1.9.07, na pena de multa; · por sentença 20.4.2009, relativamente a factos consubstanciadores dos crimes de tráfico de quantidades diminutas e de menor gravidade e consumo praticados em 21.3.2007, na pena de multa; · por sentença 15.4.2010, relativamente factos consubstanciadores do crime de condução de veículo em estado de embriaguez praticados em 31.3.2010, na pena de multa; · por sentença 22.9.2010, relativamente a factos consubstanciadores do crime de desobediência praticados em 10.2007, na pena de multa; · por sentença 7.4.2011, relativamente a factos consubstanciadores do crime de condução de veículo em estado de embriaguez praticados em 27.3.2011, na pena de 45 dias de prisão suspensa na sua execução; · por sentença 6.11.2011, relativamente a factos consubstanciadores do crime de condução de veículo em estado de embriaguez praticados em 15.9.2011, na pena de prisão por dias livres.

Não se provou: Não ficaram factos por provar.

Foi a seguinte a motivação da decisão de facto: O Tribunal formou a sua convicção com base no conjunto da prova produzida e examinada em audiência, a qual foi apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, como preceitua o art°.127° do Código de Processo Penal.

O arguido referiu...

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