Acórdão nº 2082/06.2TDLSB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Novembro de 2012

Magistrado ResponsávelMARIA JOS
Data da Resolução28 de Novembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

24 I. Relatório 1. No âmbito do processo comum n.º 2082/06.2TDLSB da Comarca do Baixo Vouga – Oliveira do Hospital – Juízo de Instância Criminal foram pronunciados para julgamento com a intervenção do tribunal singular os arguidos “A...

– ., Lda.”, B...

e C...

, melhor identificados nos autos, pela prática, em autoria material, na forma consumada: - a arguida “A...– ., Lda” um crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada, p. e p. pelos pelos artigos 11º, 30º, n.º 2 e 79º do Código Penal e artigos 7º, nº 1 8º e 107º, n.º 1, por referência ao artigo 105º, n.º 1 do Regime Geral das Infracções Tributárias (R.G.I.T.); - a arguida B...

, um crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma cotinuada, p. e p. pelos artigos 30º, nº 2 e 79º do Código Penal e 6º, 7º, 8º, n.º 1 e 107º, nº 1, por referência ao artigo 105, nº 1 do Regime Geral das Infracções Tributárias (R.G.I.T.); - o arguido C...

, um crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 30º, n.º 2 e 79º do Código Penal e artigos 6º, 7º, 8º, nº 1 e 107º, nº 1, por referência ao artigo 105º, nº 1 do Regime Geral das Infracções Tributárias (R.G.I.T.) – cf. fls. 521 a 529.

  1. Realizado o julgamento, por sentença de 31.05.2012 foi proferida a seguinte decisão: “Nestes termos o Tribunal decide: 1.

    Condenar o arguido C...

    , pela prática de um crime de abuso de confiança à Segurança Social, previsto e punido pelos artigos 107º, nº 1, por referência ao artigo 105º, nº 1, do RGIT, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 8 (oito euros), o que perfaz o montante total de € 960 (novecentos e sessenta euros), e no caso de não pagamento, em 80 (oitenta) dias de prisão subsidiária; 2.

    Condenar a arguida “A...., Lda”, pela prática de um crime de abuso de confiança á Segurança Social, previsto e punido pelos artigos 107º, nº 1, por referência ao artigo 105º, nº 1, do RGIT, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 8 (oito euros), o que perfaz o montante total de € 960 (novecentos e sessenta euros); 3.

    Absolver a arguida B...

    do crime de abuso de confiança à Segurança Social, previsto e punido pelos artigos 107º, nº 1, por referência ao artigo 105º, nº 1, do RGIT, de que se encontrava acusada; 4. Julgar totalmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido e, em consequência, condenar os arguidos/demandados civis «A...., Lda» e C...

    a pagar a quantia de € 23.417,08 (vinte e três mil quatrocentos e dezassete euros e oito cêntimos) ao Instituto de Segurança Social de Aveiro, IP, acrescida de juros, desde a notificação para contestar o pedido cível, à referida taxa legal de 4%, até integral pagamento, absolvendo a arguida B... do montante contra si peticionado; (…)”.

  2. Inconformado com o decidido recorreu o arguido C..., limitando o recurso à parte cível, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões: 1) A obrigação de pagamento das contribuições e acréscimos legais a favor da Segurança Social emerge da relação jurídica administrativa – tributária especial e rege-se pela legislação de direito público; 2) O princípio da adesão ao processo penal e o atinente regime constante dos artigos 71º e segs, do CPP, apenas admite a formulação e conhecimento de pedido de indemnização de natureza civil conexa com o facto crime, portanto indemnização cuja obrigação se situa no âmbito das relações jurídicas privadas.

    3) Consequentemente, o pedido de indemnização civil formulado pela Segurança Social extravasa esse princípio da adesão e o atinente regime, pelo que se verifica uma excepção dilatória inominada, que determina o arquivamento do pedido erradamente dito cível, obstando ao seu conhecimento.

    4) Foram violadas, entre outras, os artigos 71º e 129º do CPP, art. 7º, do DL n.º 42/2000, de 09/02, entre outras.

    Termos em que e nos mais de direito deve o presente recurso ser provido e, consequentemente, revogada a douta sentença no segmento impugnado, proferindo-se douto acórdão que absolva o recorrente do pedido de pagamento da indemnização civil.

  3. Ao recurso respondeu o assistente/demandante Instituto da Segurança Social, I.P., concluindo: 1. Tendo o ora recorrente sido condenado pelo Ilustre Tribunal a quo no pagamento do pedido de indemnização civil formulado, veio recorrer desta decisão com o fundamento que o pedido não deverá ser admitido, esgrimindo o seu entendimento no argumento que a responsabilidade em causa é meramente tributária, não dando lugar a qualquer responsabilidade civil.

  4. Ora, não se pode concordar com tal argumento, porque, embora o crime de que o arguido vêm acusado tenha na sua génese o incumprimento de uma relação contributiva, consubstanciando-se num crime omissivo puro de não entrega das cotizações deduzidas nos valores das retribuições, não se confunde com essa mesma relação.

  5. Como exemplos destas diversas realidades indica-se, entre outros: - A responsabilidade tributária do aqui recorrente é subsidiária à da sociedade da qual é gerente, já a responsabilidade criminal, e a responsabilidade civil dela decorrente, é originária e cumulativa, estando o arguido acusado como co-autor da prática do crime; - As contribuições (tributos) em dívida correspondem a soma das parcelas da responsabilidade da entidade empregadora e da responsabilidade do trabalhador (contribuições e cotizações), já os valores em dívida que consubstanciam o crime são unicamente os referentes aos trabalhadores (cotizações).

  6. Assim sendo, a sua responsabilidade criminal, e a responsabilidade civil extra-contratual dela decorrente, não se pode confundir com a sua responsabilidade tributária.

  7. Neste sentido, veja-se o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto n.º JTRP00042469, de 20-04-2009, proferido no âmbito do Proc. n.º 0817625, e em que foi relator a Exma Sr.ª Dr.ª Juiz Desembargadora Maria Leonor Esteves, quando afirma que “trata-se de realidades diferentes, na medida em que os factos geradores da obrigação de indemnizar e da obrigação contributiva não são necessária e integralmente coincidentes, obedecendo a fins e regimes próprios”.

  8. Ademais positiva de forma clara o art. 3.º, alínea c), do RGIT, que quanto à responsabilidade civil, são aplicáveis subsidiariamente, as disposições do Código Civil e legislação complementar.

  9. E por força do princípio inscrito no art. 483.º, n.º 1, do CC, “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violara ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.

  10. Nos presentes autos, o ora recorrente é demandado a título principal, tendo por base a autoria de um crime de que emerge uma conexa responsabilidade civil delitual – art. 6.º, do RGIT – sendo o pedido baseado na obrigação de indemnizar pelos danos causados pela prática de facto ilícito e culposo – artigo 483.º, do CC.

  11. Citando a este propósito o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do Processo n.º 322/05.4TAEVR.E1.S1, de 15-09-2010, em que foi Relator o Exmo. Sr. Dr. Juiz Conselheiro Raul Borges, “nestes casos de responsabilidade civil conexa com a criminal, a mesma tem a sua génese no crime, sendo um crime o seu facto constitutivo, a causa de pedir da pretensão ressarcitória”.

  12. Prosseguindo, o douto Acórdão afirma que “na execução fiscal o devedor substituto não figura no título de cobrança do tributo”, pelo que “ao optar pelo exercício da acção conjunta o demandante pretende obter decisão condenatória que, transitada em julgado, assume o papel de título executivo, com a configuração própria do artigo 467.º do Código de Processo Penal”.

  13. Pese embora o ora demandante pudesse interpor execução contra a sociedade arguida, porque possui quanto a ela título executivo, e pudesse ainda nessa sede requerer a reversão contra os respectivos representantes legais, “nada impede que faça uso da faculdade conferida em processo penal do princípio da adesão” – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do Processo n.º 322/05.4TAEVR.E1.S1, de 15-09-2010.

  14. Neste mesmo sentido igualmente se pronunciou o douto Acórdão desta Relação proferido no âmbito do processo n.º 4/02.9IDMGR.C1, de 8-2-2012, em que foi relator o Exmo. Sr. Dr. Juiz Desembargador, Luís Teixeira, e ainda o Acórdão desta Relação proferido no âmbito do Processo n.º 74/07.3TAMIR.C1, de 25-1-2012, em que foi relator o Exmo. Sr. Dr. Juiz Desembargador Luís Ramos.

  15. Neles se refere, em súmula, que “o que está em causa no pedido civil deduzido pelo assistente é, não directamente o incumprimento da obrigação legal de entregar as prestações devidas à segurança social, mas antes a responsabilidade civil emergente da prática do crime de abuso de confiança em relação à segurança social que a acusação imputa em coautoria aos arguidos. E esta determina-se e resolve-se segundo as regras do Código Civil, para que remete o art. 129.º do Código Penal e para que também remete o art. 3.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, dispondo que, quanto à responsabilidade civil, aplicam-se subsidiariamente as disposições do Código Civil e legislação complementar” – cfr. Acórdão da Relação de Coimbra, proferido no âmbito do processo n.º 4/02.9IDMGR.C1, de 8-2-2012.

  16. Face ao supra referido, dúvidas inexistem em como o tribunal criminal tem competência em razão da matéria para julgar a acção cível interposta pelo ora recorrente, e, por terem sido dados como provados os requisitos cumulativos de que depende a sua condenação, deverá o demandado ser condenado no pedido formulado.

    Nestes termos, e nos melhores de direito que V. Ex.as por certo suprirão, deverá ser negado provimento ao recurso interposto, e ser confirmada a douta sentença ora impugnada.

  17. Admitido o recurso, fixado o respectivo regime de subida e efeito foram os autos remetidos a este Tribunal – [cf. fls. 898].

  18. ...

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