Acórdão nº 70/08.3TAOHP.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 03 de Julho de 2012

Magistrado ResponsávelJORGE JACOB
Data da Resolução03 de Julho de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – RELATÓRIO: Nestes autos de processo comum que correram termos pelo Tribunal Judicial de Oliveira do Hospital, após julgamento com documentação da prova produzida em audiência, foi proferida sentença em que se decidiu nos seguintes termos: “(…) 13- Por todo o exposto julgo a douta acusação pública procedente, por provados os factos que a fundamentam e em consequência, como co-autores materiais de um crime de dano, p, e p. pelo artº 212º nº1 do citado CPenal, condeno os arguidos A... e B..., cada um deles na pena de 80 (OITENTA) dias de multa à taxa diária de €7,00 (sete euros) no montante global de €560,00 (quinhentos e sessenta euros). 14- Em razão do exposto julgo o pedido de indemnização civil parcialmente procedente e consequentemente condeno solidariamente os demandados A... e B... a pagarem à demandante C... a quantia de €1.652,00 (mil seiscentos e cinquenta e dois euros), acrescida de juros à taxa de 4% contados desde a data de notificação para contestar até integral pagamento.

(…)”.

Inconformados, os arguidos interpuseram recurso da sentença, retirando da respectiva motivação as seguintes conclusões: 1. Dos factos provados em audiência de julgamento, não se verificam todos os elementos objectivos nem o elemento subjectivo do tipo de crime de dano p. e p. no art°. 212° do C.Penal.

  1. O muro é propriedade comum dos arguidos e da assistente, assim a coisa no seu todo não constitui propriedade alheia, pelo que falta um dos requisitos objectivos do crime de dano.

  2. Conforme a prova que ora se coloca em crise, os arguidos não destruíram, danificaram, desfiguraram ou tomaram não utilizável coisa alheia, limitaram-se a impedir a realização das obras para "levantamento do muro", o que não constitui um dos elementos objectivos do tipo.

  3. De acordo com a prova que se pretende ora colocar em crise, o muro (meeiro) que já existia não foi destruído pelos arguidos, assim como não foram destruídos os tijolos que estavam a ser colocados para erguer o muro já existente, todo esse material foi reaproveitado pela assistente! Pelo que, continua a não existir o elemento objectivo do tipo incriminador.

  4. Aliás, se a assistente pretendesse apenas construir na alegada sua parte do muro, não teria tido necessidade de retirar a grade que lá se encontrava colocada.

  5. Os arguidos ao impedirem a construção do muro pretenderam defender o seu direito de propriedade, na medida em que a construção da assistente visava o muro na sua total largura.

  6. Como consta da prova realizada em audiência de julgamento e reproduzida na Douta Sentença a fls., nomeadamente nos depoimentos de Joaquim Damião e João Luís Silva, estes empregados da assistente afirmaram em julgamento que começaram por serrar e retirar uma grade - também propriedade dos arguidos - que estava colocada em cima do muro meeiro fazendo esta parte da divisória já existente, o que motivou os arguidos a agirem com convicção de estarem a defender os seus direitos de propriedade.

  7. Esta norma incriminadora também tem como elemento subjectivo o dolo, sendo que, a conduta dos arguidos, não foi dolosa, mesmo considerando o dolo eventual.

  8. Assim, os arguidos tentando impedir a construção do muro, pretenderam defender a sua propriedade (quota ideal de titulares), estando convencidos que era lícita a sua conduta, pelo que, ainda que por mera hipótese seja admitido que os arguidos agiram ilicitamente, os mesmos teriam actuado em erro sobre as circunstâncias de facto, o que exclui o dolo, nos termos do art°. 16° nº. 1 do CP.

  9. Os arguidos foram condenados no pagamento da vedação em chapa no valor de 1.152,00€, salvo o devido respeito, indevidamente, pois não resultou provado que os arguidos tivessem danificado a referida chapa. Pelo contrário.

  10. Mal comparado, veja-se que o muro em alvenaria teria um custo de 750,00 conforme factura junta a fls. dos autos pela Assistente que aliás foi dado por não provado na sentença do "Juiz a quo". Porquê de chapa? 12. A chapa está colocada sobre o muro, sendo para resguardo das escadas da assistente e consequentemente para seu exclusivo proveito.

  11. Chapa essa que só teve de ser colocada porque a assistente retirou a grade já referida, que servia de resguardo.

  12. Inclusive com essa sua conduta danificou a grade (também propriedade dos arguidos) porque a serrou, inutilizando-a.

  13. De qualquer forma sempre o valor da chapa peticionado é exagerado, a não ser que tenha alguma característica especial, própria do gosto da Assistente. Mas isso são "outros quinhentos".

Ao proceder conforme o supra descrito o Tribunal a quo violou as seguintes normas jurídicas: Art°s. 212° do Código Penal.

Por todo o supra exposto, deverá a presente sentença ser revogada devendo os arguidos ser absolvidos.

Os arguidos deverão ainda ser absolvidos do pedido de indemnização civil ou, se assim não se entender, deverá o mesmo ser reduzido por ser excessivo.

A assistente C... respondeu, pugnando pela improcedência do recurso.

Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto apôs o seu visto.

Foram colhidos os demais vistos legais e procedeu-se a audiência para debate das questões suscitadas na motivação do recurso.

Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.

No caso vertente e vistas as conclusões do recurso, há que decidir as seguintes questões: - Impugnação da matéria de facto; - Falta de verificação de elementos objectivos e do elemento subjectivo do tipo legal de crime de dano; - Exclusão do dolo com fundamento no facto de os arguidos terem actuado em erro sobre circunstâncias de facto; - Pedido cível.

* * * II - FUNDAMENTAÇÃO: Na sentença recorrida tiveram-se como provados os seguintes factos: a)- A assistente C... é proprietária de um imóvel sito na Rua … , área desta comarca de Oliveira do Hospital; b)- Com vista a dividir a sua propriedade da dos arguidos, e após revogação pelo Tribunal da Comarca de Oliveira do Hospital do embargo extrajudicial interposto por aqueles, no dia 13 de Setembro de 2008, pelas 08h45 a assistente procedeu à construção de um muro, recorrendo para tanto aos serviços da empresa “ … Ldª”; c)- À medida que os funcionários da referida empresa executavam a construção do muro, os arguidos, com o propósito comum de impedir a concretização do trabalho, deitaram com as mãos, o cimento e tijolos já colocados ao chão; d)- Como consequência adequada da actuação descrita, a assistente sofreu um prejuízo de montante não concretamente apurado, mas não superior a €120,00 (cento e vinte euros); e)- Os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, em comunhão de esforços e intenções, com o propósito de destruir o muro que estava a ser construído, bem sabendo que o mesmo não lhes pertencia e que agiam contra a vontade do seu legítimo dono; f)- Não obstante quiseram agir daquela forma, alcançando os seus intentos; g)- E sabiam que a suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal; h)- O muro em questão é reclamado como meeiro, de duas casas geminadas, divisório de terrenos (quintal), sendo que era delimitado por uma grade com cerca de I,5Om de largura por 0,50 cm de altura que foi serrada e retirada; i)- Corre termos nesta comarca a acção declarativa de condenação com o nº 292/08.7TBOHP, no qual entre o mais se pede a destruição de obra ali implantada pela assistente; j)- O arguido A... é reformado, tendo trabalhado na Administração local, com uma pensão de reforma de cerca de €1.600,00/1.700,00, vivendo em casa própria, com a mulher e possuindo automóvel próprio; l)- Não tem antecedentes criminais; m)- A arguida B... aufere uma pensão de reforma de €1.600,00, vive sozinha, em casa própria e possui automóvel próprio; n)- Como habilitações literárias possui o Curso de Educadora de Infância; o)- Não tem antecedentes criminais.

8- Em sede de pedido de indemnização civil ficou provado que: a)- A não construção de tal muro coloca em causa a segurança de utilização do imóvel propriedade da demandante; b)- Na sequência da intervenção dos arguidos a demandante teve que proceder ao pagamento dos trabalhos destruídos pelos demandados, em montante que não se apurou em concreto mas de valor não superior a €120,00; c)- Para proceder à vedação daquele local, para preservar a segurança das pessoas que ali passam, a demandante colocou no seu terreno uma vedação em chapa no valor de €1.152,00; d) Ao vivenciar este circunstancialismo a demandante sofreu arrelias, preocupações e incómodos pela conduta dos demandados; e)- Esta, por ser vizinha dos demandados, cruza-se diariamente com eles, vindo-lhe à memória os ditos comportamentos; f)- A demandante, com a divergência com os vizinhos, desde o conflito dos autos que vem sentindo angústia, intranquilidade e ansiedade, com preocupações; g)- A demandante em Fevereiro de 2011 consultou um médico psiquiátrico, que lhe receitou diversa medicação.

Relativamente ao não provado foi consignado o seguinte: 9- Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a boa decisão da causa, em sede criminal ou civil, eliminando pela ordem natural das coisas a defesa, especificada, por parte dos arguidos, de que nada fizeram, pois que os factos provados, por serem o oposto, rejeitam os alegados na contestação, especialmente que: a)- a grade em causa tenha sido serrada e retirada pela queixosa ou alguém à sua ordem; b)- a arguida ao proceder da forma supra descrita estava convicta que exercia exclusivamente um direito de defesa da sua propriedade quanto à parte do muro meeiro que lhe pertence há mais de 20 anos; c)- a demandante teve que proceder ao pagamento dos trabalhos destruídos pelos demandados no valor de €760,00 (setecentos e sessenta euros).

A convicção do tribunal recorrido quanto à matéria de facto foi fundamentada nos seguintes termos: 10- A factualidade foi fixada em função da prova produzida, resultante da análise crítica de todos os meios de...

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