Acórdão nº 946/09.0GBILH.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Dezembro de 2012
Magistrado Responsável | OLGA MAUR |
Data da Resolução | 19 de Dezembro de 2012 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
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Nos presentes autos foi o arguido A... condenado na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 8 €, pela prática de um crime de posse de estupefacientes para consumo, do art. 40º, nº 2, do D.L. nº 15/93, de 22/1.
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Inconformado, o arguido recorreu, retirando da motivação as seguintes conclusões: «1º Os factos inscritos em 4. e 5. Dos factos provados foram incorretamente julgados.
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Quanto ao facto 4., deu-se como provado que "As referidas substâncias foram submetidas a exame laboratorial, após o qual se verificou tratar-se CANABIS (resina), substâncias estupefacientes abrangidas pela Tabela IC anexa ao Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro".
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Ora, as referidas substâncias são as seguintes, no que ao recorrente respeita [cfr. ponto 2. dos factos provados]: três embalagens de um produto de cor castanha com o peso total de 5,5 gramas e uma embalagem com um produto comummente designado por liamba, com o peso total de cerca de 1 grama.
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Tais substâncias foram submetidas a exame laboratorial.
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Conforme consta do referido exame, a substância CANABIS (resina) apenas respeita ao "produto de cor castanha com o peso total de 5,5 gramas", e não "produto comummente designado por liamba, com o peso total de cerca de 1 grama". A designação correcta para este último produto é a de CANABIS (Folhas e sumidades).
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Ou seja, a manter-se o facto provado em 4. nos termos em que o foi, o arguido teria na sua posse o peso total 6,5 gramas de substância designada por CANABIS (Resina), o que não ocorreu.
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Tal facto deverá pois ser alterado em conformidade, precisando-se que "As referidas substâncias com o peso total de 5,5 gramas foram submetidas a exame laboratorial, após o qual se verificou tratar-se CANABIS (Resina) …”.
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Quanto ao facto 5., também incorrectamente julgado, deu-se como provado que “tais substâncias destinavam-se ao consumo dos arguidos, as quais excediam a quantidade necessária para o consumo médio dos mesmos durante o período de dez dias".
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O tribunal a quo, salvo mais avisada opinião, não poderia dar como provado que tais substâncias excediam a quantidade necessária para o consumo médio do arguido durante o período de dez dias.
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Segundo o acórdão de fixação de jurisprudência 8/2008, DR 150, Série I, de 5/8, do STJ, "Não obstante a derrogação operada pelo artigo 28º da Lei nº 30/2000, de 29-11, o artigo 40º, nº 2, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, manteve-se em vigor não só “quanto ao cultivo” como relativamente à aquisição ou detenção, para consumo próprio, de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV, em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias".
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Por sua vez, o art. 2º da Lei 30/2000, de 29-11, qualifica como contra-ordenação a conduta de quem adquire ou detém para consumo próprio aquelas substâncias em quantidade inferior à necessária para o consumo médio individual durante 10 dias.
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É mister, então, apurar qual o critério a aplicar para determinar se o produto adquirido ou detido excede ou não a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias.
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A este respeito, a Meritíssima Juiz a quo entendeu, como consta da douta sentença, o seguinte: "os limites quantitativos máximos para cada dose média individual diária são expressos em gramas e constam da tabela publicada na Portaria 94/96 de 26.03. No caso é de 0,5,gr o limite máximo diário admissível. Provou-se que os arguidos detinham na sua posse substancia estupefaciente (resina de cannabis) com o peso líquido superior a 5gr, o que, portanto, ultrapassa o consumo médio individual para 10 dias, que está fixado, como se disse, no mapa anexo à Portaria 94/96 de 26 de Março. Está assim preenchido o elemento volitivo do tipo de crime".
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Ou seja, o tribunal recorrido aplicou o peso total de 5,5 gramas de produto que continha resina de cannabis aos valores constantes da tabela a que se refere o art. 9º da Portaria 94/96 de 26-03.
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Ora, de acordo com tal mapa, é de 0,5 gramas a quantidade de cannabis (resina) correspondente ao consumo médio individual diário. Assim, e se nos ativéssemos apenas a este valor, não haveria dúvidas de que a quantidade de resina de cannabis detida pelo recorrente excede o consumo médio individual durante 10 dias, porquanto o mesmo é de 5 gramas.
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Há que considerar, porém, o que a jurisprudência vem entendendo a respeito dos valores fixados no mapa a que se refere a Portaria nº 94/96.
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Por um lado, tais valores devem ser apreciados nos termos da prova pericial (artigo 163º CPP), como decorre do nº 3 do artigo 71º da Lei nº 15/93 - ou seja, os mesmos não são de aplicação automática, podendo ser afastados pelo tribunal desde que acompanhados da devida fundamentação.
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Por outro lado, o mapa anexo à Portaria nº 94/96 refere-se à percentagem de princípio activo (cfr. al. c) nº 1 art. 71º do DL 15/93, de 22-01), isto é, refere-se à droga em estado puro.
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Ora, os produtos estupefacientes adquiridos pelos consumidores finais não se encontram, as mais das vezes, no seu estado puro, sendo objecto de cortes e misturas para aumento do lucro dos traficantes.
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No caso sub judice, o exame ao produto apreendido, efectuado pelo Laboratório de Polícia Científica, não quantifica a percentagem do princípio activo, antes se limita a indicar o peso líquido do produto que contém o estupefaciente, o que leva a desconhecer-se o grau de pureza da substância estupefaciente identificada.
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E, relativamente ao exame laboratorial referido no art. 62º do DL 15/93, o nº 1 do art. 10º da Portaria 94/96 diz o seguinte: "[ ... ] o perito identifica e quantifica a planta, substância ou preparação examinada, bem como o respectivo princípio activo ou substância de referência".
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Ora, o exame constante dos autos limitou-se a identificar as substâncias como cannabis - pesando-as com o saco plástico que as envolvia e, posteriormente, sem o saco plástico que as envolvia! 23º Por isso, não tendo sido quantificada a percentagem do princípio activo, o tribunal recorrido não se poderia ter socorrido dos valores constantes do mapa anexo à Portaria nº 94/96.
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Na impossibilidade de aplicação dos valores indicativos constantes do mapa anexo à Portaria 94/96, o tribunal a quo não estaria ainda assim impossibilitado de responder adequadamente - "provado" ou "não provado" - ao facto vertido no ponto 5 dos factos provados.
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Isto porque, como se disse, os valores fixados no mapa a que se refere a Portaria nº 94/96 devem ser apreciados nos termos da prova pericial (artigo 163º CPP), como decorre do nº 3 do artigo 71º da Lei nº 15/93 - não são, portanto, de aplicação automática, podendo ser afastados pelo tribunal com a devida fundamentação.
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Por isso, para além da referida tabela, o tribunal recorrido poderia ter lançado mão de outros critérios.
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Assim, o conceito de quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias poderá ser preenchido quer por recurso aos elementos do caso concreto, quer por recurso a critérios jurisprudenciais, também eles fontes de direito.
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Segundo o primeiro dos critérios, na questão atinente às quantidades de estupefacientes e inerentes períodos de consumo, é a prova do caso concreto relativa ao tipo de estupefacientes, ao grau de adição do consumidor e ao modo como é consumido, que há-de ditar o possível enquadramento em sede contra-ordenacional ou, ao invés, criminal.
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No caso, sabe-se, em primeiro lugar, tratar de uma designada droga leve, que não tem os efeitos devastadores que tem, por exemplo, a heroína ou a cocaína. Em segundo lugar, o seu peso total, líquido ou impuro, é baixo, estando mesmo muito próximo do limite estabelecido na referida tabela para a substância em estado puro. Em terceiro lugar, resulta das declarações do arguido que a quantidade apreendida lhe daria para quatro ou cinco dias, de acordo com o consumo que tinha na altura; que fazia uma média de dois, três charros por dia; que um grama lhe daria para cerca de dois charros - declarações que se mostram perfeitamente coerentes e que, de acordo com as regras da experiência, são de admitir como verdadeiras. Em quarto lugar, de todas as testemunhas que referiram o assunto, nenhuma soube adiantar muito mais relativamente à maior ou menor adição do arguido, ou ao período de tempo para...
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