Acórdão nº 1744/05.6TBAMT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Outubro de 2012

Magistrado ResponsávelPINTO DE ALMEIDA
Data da Resolução11 de Outubro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 1744/05.6TBAMT.P1 – 3º Juízo do Tribunal Judicial de Amarante Rel. F. Pinto de Almeida (R. 1414) Adj. Des. Teles de Menezes; Des. Mário Fernandes Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I.

O Ministério Público, em representação da Fazenda Pública – Estado Português, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra os réus B….

e mulher, C….

, D…..

e E…..

.

Pediu (após alteração que foi deferida) que: a) seja declarado que o crédito do autor relativo ao IVA dos anos de 1999 e 2000 e juros compensatórios, estes contados até 25/08/03, ascendia a € 825.918,07 e 205.237,91, respectivamente, e é anterior à escritura de partilha em vida impugnada, celebrada no Cartório Notarial de Amarante, em 21/07/03; b) seja declarado que os réus outorgaram a escritura com conhecimento das dívidas de imposto e da proximidade da sua cobrança; c) seja declarado que a partilha em vida é um negócio gratuito: uma doação; d) seja declarado que os réus B….. e mulher não possuem, por via do negócio jurídico impugnado, património fundiário ou outro susceptível de garantir o cumprimento da obrigação em dívida; e) seja declarado que o autor se encontra impossibilitado de satisfazer integralmente o seu crédito, a não ser no património objecto da partilha em vida/doação; f) seja declarada procedente a presente acção de impugnação da partilha em vida e, por via disso, seja o autor autorizado a executar no património dos donatários, os réus D..... e E....., os bens imóveis necessários e suficientes à satisfação do seu crédito; g) de forma a ver-se pago do seu crédito por via da venda executiva subsequente à penhora dos bens transmitidos em exclusividade e sem concorrência de outros; h) seja declarado que pode usar dos meios cautelares necessários a garantir a disponibilidade executiva sobre o património que adveio aos réus donatários da partilha em vida.

Como fundamento, alegou que o réu B..... é devedor de IVA ao Estado, num total de € 825.918,07, acrescido de juros compensatórios; por escritura de doação e partilha os réus B..... e mulher declararam doar aos restantes réus, seus filhos, os imóveis melhor descritos na petição inicial; todos os réus actuaram com o propósito de prejudicarem a Fazenda Nacional, tornando impossível a cobrança, sendo certo que conheciam aquele crédito; quiseram obstar à penhora dos prédios; e os primeiros réus não possuem quaisquer outros bens.

Os réus apresentaram a contestação, invocando: a nulidade da citação; a ilegitimidade passiva dos réus por preterição de litisconsórcio passivo, dado que não foi demandado o marido da ré E....., casados em comunhão de adquiridos; a ineptidão da petição inicial.

No mais, os réus impugnaram os factos alegados pelo autor, concluindo pela improcedência da acção e pela sua absolvição dos pedidos.

O autor apresentou réplica, deduzindo incidente de chamamento à demanda – intervenção principal passiva – do marido da ré E…. e reduzindo e alterando o pedido.

Foi admitida a intervenção do chamado, tal como requerido pelo autor, não tendo o chamado deduzido contestação.

Foi proferido despacho saneador, tendo sido admitida a alteração do pedido e julgadas improcedentes as excepções dilatórias invocadas pelos réus.

O processo prosseguiu a tramitação normal, tendo, a final, sido proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, decidindo-se: a) declarar que o crédito do autor Fazenda Pública – Estado Português relativo ao IVA dos anos de 1999 e 2000 e juros compensatórios, estes contados até 25/08/03, ascendia a € 825.918,07 e 205.237,91, respectivamente, e é anterior à escritura de partilha em vida impugnada, celebrada no Cartório Notarial de Amarante, em 21/07/03; b) declarar que o réu B..... outorgou a escritura com conhecimento das dívidas de imposto e da proximidade da sua cobrança; c) declarar que a partilha em vida é um negócio gratuito: uma doação; d) declarar que os réus B..... e mulher C…… não possuem, por via do negócio jurídico impugnado, património fundiário ou outro susceptível de garantir o cumprimento da obrigação em dívida; e) declarar que o autor se encontra impossibilitado de satisfazer integralmente o seu crédito, a não ser no património objecto da partilha em vida/doação; f) julgar procedente a impugnação da partilha em vida e, por via disso, autoriza-se o autor a executar no património dos donatários, os réus D..... e E....., os bens imóveis a eles doados nessa escritura necessários e suficientes à satisfação do seu crédito, de forma a ver-se pago do seu crédito por via da venda executiva subsequente à penhora dos bens transmitidos; g) declarar que o autor pode usar dos meios cautelares necessários a garantir a disponibilidade executiva sobre o património que adveio aos réus donatários da partilha em vida; h) absolver os réus do demais peticionado.

Discordando desta decisão, dela interpuseram recurso os réus, de apelação, tendo apresentado as seguintes Conclusões:

  1. A douta sentença sob recurso é nula por falta de especificação dos concretos fundamentos da decisão em matéria de facto (al. b) do n.º 1 do art.º 668.º do CPC).

  2. A douta sentença é igualmente nula nos termos do invocado preceito legal ao levar ao probatório como se de facto se tratasse "Dá-se aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais o teor das certidões de fls. 329 a 398 dos autos", sem a especificação dos concretos factos que pretende dar como provados com tais documentos e respectivos motivos.

  3. A douta sentença incorre em erro de julgamento em matéria de facto no que respeita aos seguintes concretos pontos: i) "o réu B..... exercia a actividade de comércio de automóveis" (ponto 1.º da base instrutória e ponto 2.º, primeira parte, do probatório); ii) o réu B..... "foi objecto de uma acção inspectiva no âmbito do IVA, que teve início em 23 de Janeiro de 2003 e fim em 19 de Maio de 2003", no que respeita à data do fim (2.º da base instrutória e 2.º, segunda parte, do probatório); iii) "Por carta registada em 22 de Maio de 2003, o réu B..... foi informado da conclusão da acção inspectiva que registava IVA em falta, no total de € 825.918,07, sendo € 677.729,58 do ano de 1999 e € 148.188,49 do ano de 2000", no que respeita à data (3.º da base instrutória e 3.º do probatório); iv) "Em 25 de Agosto de 2003, foi efectuada a liquidação do IVA, estando em falta por parte do réu B..... € 825.918,07, acrescido de juros compensatórios no total de € 205.237,91" (4.º da base instrutória e do probatório).

  4. Da prova produzida (não especificada na douta sentença para cada um dos factos dados como provados), deveria a douta sentença e deve o Tribunal de recurso, após a reapreciação da prova gravada, extrair como consequências: i) não dar como provado que "o réu B..... exercia a actividade de comércio de automóveis"; ii) dar como provado que o réu B..... "foi objecto de uma acção inspectiva no âmbito do IVA, que teve início em 23 de Janeiro de 2003 e fim em 29 de Julho de 2003"; iii) dar como provado que "Por carta datada de 22 de Julho de 2003, registada em 23 de Julho de 2003 e recebida em 29 de Julho de 2003, o réu B..... foi informado da conclusão da acção inspectiva que registava IVA em falta, no total de € 825.918,07, sendo € 677.729,58 do ano de 1999 e € 148.188,49 do ano de 2000"; iv) não dar como provado que "Em 25 de Agosto de 2003, foi efectuada a liquidação do IVA, estando em falta por parte do réu B..... € 825.918,07, acrescido de juros compensatórios no total de € 205.237,91".

  5. A partilha em vida impugnada, em face da existência de diferentes atribuições patrimoniais entre os intervenientes (nomeadamente a favor dos RR. B..... e C….), constitui negócio oneroso e não negócio gratuito nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 612.º do Código Civil.

  6. A douta sentença, ao decidir de modo diferente, interpretou e aplicou erradamente o invocado preceito legal.

  7. Mesmo que se considere existir crédito do Estado sobre o R. B....., esse crédito, para os efeitos previstos no art.º 610.º do Código Civil, só pode considerar-se constituído com a notificação da liquidação, pelo que é posterior ao acto impugnado.

  8. Sendo o crédito a que se refere a douta sentença posterior à partilha impugnada, a procedência da impugnação pauliana estava dependente da alegação e da prova do dolo, o que não foi feito.

  9. A douta sentença sob recurso incorre em erro de julgamento ao decidir que a R. C….., apesar de não demonstrado que tivesse participado nas transacções que deram lugar à existência de IVA a pagar ao Estado, responde por essa dívida nos termos do art.º 1691.º, n.º 1, al. d), do C. Civil e do art.º 15.º do Código Comercial, porquanto: - não foi feita prova de que "O réu B..... exercia a actividade de comércio de automóveis"; - não foi feita prova nem o Tribunal deu como provado que o mesmo "exercia profissionalmente o comércio".

    - as dívidas de IVA por operações tributáveis praticadas por um dos cônjuges não são "dívidas contraídas no exercício do comércio" nos termos e para os efeitos daqueles preceitos do Código Civil e do Código Comercial.

  10. Mesmo que subsistissem razões para que a acção procedesse, tal só poderia suceder no que respeita à meação do R. B..... nos bens partilhados e não na meação da R. C…..

  11. O Tribunal da acção é competente para conhecer incidentalmente da questão da prescrição da dívida de IVA para aferir dos requisitos da impugnação pauliana, sendo esse conhecimento oficioso.

  12. A dívida de IVA imputada ao R. B..... encontra-se prescrita, pelo que inexiste crédito exigível a fundamentar a pretensão formulada na impugnação pauliana.

  13. A douta sentença, ao julgar procedente a acção, violou o preceituado, nomeadamente, nos art.ºs 610.º e 612.º do Código Civil.

    Nestes termos e nos demais de direito, com o expresso pedido de reapreciação da prova gravada, deve ser concedido provimento ao presente recurso, declarando-se nula a douta sentença com as legais consequências, ou, quando assim se não entenda...

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