Acórdão nº 325/08.7GAVLP.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 19 de Dezembro de 2012

Magistrado ResponsávelEDUARDA LOBO
Data da Resolução19 de Dezembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 325/08.7GAVLP.P1 1ª secção Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO No âmbito do Processo Comum com intervenção do Tribunal Singular que corre termos no Tribunal Judicial de Valpaços com o nº 325/08.7GAVLP foi submetido a julgamento o arguido B…, tendo a final sido proferida sentença, depositada em 04.01.2012, que condenou o arguido - como autor material de um crime de coação p. e p. nos artºs. 22º, 23º, 73º e 154º nºs 1 e 2 do Cód. Penal, na pena de um ano e dois meses de prisão; - como autor material de cada um de dois crimes de injúrias p. e p. no artº 181º do Cód. Penal na pena de um mês e quinze dias de prisão; - em cúmulo jurídico das referidas penas, foi o arguido condenado na pena única de um ano e quatro meses de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo, sob condição de, no prazo de oito meses, pagar à assistente C… a quantia de € 1.000,00 fixada a título de indemnização por danos não patrimoniais.

Inconformado com a sentença condenatória, dela veio o arguido interpor o presente recurso, extraindo das respetivas motivações as seguintes conclusões: 1. O tribunal a quo aplicou mal o direito ao presente caso, no que tange à condenação do arguido pela prática de um crime de coação, porquanto a expressão dirigida a assistente concretamente a dada como provada no ponto 6 “se queria que lhe acontecesse alguma coisa”, não é de todo em todo apta a preencher o conceito de ameaça com um mal importante, ou o anúncio da intenção de praticar qualquer mal futuro; 2. Verifica-se que inexiste, ou não se corporiza qualquer ameaça, sendo indubitavelmente de se concluir que a tipicidade do crime de coação de que vinha acusado o arguido não se encontra preenchida; 3. Tanto mais que a conduta da assistente narrada nos autos de não procurar auxílio das forças de segurança portuguesas, da respetiva família, como assim o facto de a própria família, sabedora do que estava a suceder não ir ao seu auxílio, estando próximos, ou chamarem eles mesmos as autoridades, revela, no mínimo dos mínimos que nada do que o arguido possa ter dito foi levado a sério; 4. O percurso de horas que assistente fez por locais ermos e desabitados é bem demonstrativo da ausência de medo, de receio e decorrente não limitação da liberdade, ou mero constrangimento comportamental; 5. Por seu turno, verifica-se existir um erro notório na apreciação da prova testemunhal, concretamente do depoimento de D…, porquanto as injúrias que mesmo diz ter ouvido o arguido proferir, concretamente “Caloteira” e “Tens ar de puta” foram nos dizeres da acusação particular praticadas em Vila Pouca de Aguiar nas bombas de combustível do “E…” e não na Zona Industrial …, não podendo nessa medida ter sido assistidos pela testemunha, que quando muto poderia ter ouvido somente a expressão caloteira; 6. Decorre que é manifesto que à testemunha que se reputa como sendo importante para a condenação do arguido pela prática de um dos crimes de injúria não pode ser atribuída qualquer credibilidade; 7. Sintomático disso mesmo será o facto de desde logo a pessoa referenciada nos autos como sendo seu patrão e indivíduo das relações de amizade da assistente, a quem esta ia recorrer – F…, que também teria assistido a tudo, estranhamente ou talvez não, não foi sequer arrolada como testemunha; 8. Por último, sendo manifesto que inexistiu prova testemunhal acerca das injúrias alegadamente proferidas nas referidas bombas de gasolina, e formando-se a convicção do Digníssimo Tribunal a quo somente e tão só a versão relatada pela assistente, dado que a posição assumida pelo arguido é diametralmente oposta – negou cabalmente que tivesse dito que era “caloteira” e que “tinha ar de puta”, parece evidente que foi violado o princípio basilar do “In dubio pro reo”.

*Na 1ª instância o Ministério Público respondeu às motivações de recurso, concluindo pela respetiva improcedência, alegando em suma que: a) O arguido B…, face à prova produzida em audiência de julgamento, foi como se impunha condenado, pela prática do crime de coação na forma tentada e dois crimes de injúria, na pena de 1 ano e 4 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período; b) O Tribunal a quo considerou que se encontravam preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do crime de coação na forma tentada e não podia ser outra a decisão, pois a expressão “se queria que lhe acontecesse alguma coisa” e toda a perseguição e intimidação do arguido à assistente, foram atitudes idóneas a causar medo e perturbação e efetivamente causaram; c) A assistente sentiu pânico e terror pela presença constante e perseguição do arguido, ficando nervosa e descontrolada, pretendeu evitar a vergonha e constrangimento do arguido estar constantemente junto a sua casa, envergonhando-a, o que a levou a percorrer bastantes quilómetros no intuito de dissuadir o arguido de a importunar junto da sua residência.

  1. O arguido actuou com dolo, pretendeu intimidar a assistente, para que esta pagasse uma dívida que não existia, actuando de forma a pressionar a assistente intimidando-a com a sua presença sinistra e constante, perseguindo-a ao longo de um grande percurso, para que esta não esquecesse que ele ali estava, “ Se queria que lhe acontecesse alguma coisa”, tal expressão e toda a atitude persecutória do arguido é adequada a preencher os requisitos objectivos e subjectivos do ilícito de coacção.

  2. O testemunho de D…, revelou-se credível, isento e verdadeiro, no sentido de ter ouvido o arguido, na zona industrial … a apelidar a assistente de “caloteira”. O Tribunal valorou o depoimento da referida testemunha, como se impunha.

  3. No que concerne ao outro crime de injúria dado como provado e pelo qual o arguido foi condenado, as declarações da assistente revelaram-se verdadeiras e coincidentes com todo o circunstancialismo factual que no dia dos factos o arguido, em Vila Pouca de Aguiar lhe dirigiu as expressões: “Caloteira e tens ar de puta”.

  4. É ao julgador que cabe emitir o seu juízo em termos livre apreciação da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, sendo que a douta sentença indica na motivação, quais os pontos concretos e depoimentos que revestem maior credibilidade, em consonância com o princípio da imediação e da oralidade.

  5. Da audição dos depoimentos prestados em audiência, conjugados e correlacionados com os demais elementos de prova em que se alicerçou o tribunal e com as regras da experiência comum, resulta não haver nos autos provas que imponham decisão diversa da recorrida.

  6. Não foi violado o princípio basilar da doutrina penal “ In dubio pro reu”, pois a prova testemunhal, desde logo, as declarações da assistente C…, os depoimentos de G…, H…, I… e D…, foram verdadeiras, credíveis e convincentes no sentido de formar a convicção no Tribunal de que o arguido efectivamente cometeu os crimes de que vinha acusado, inexistindo qualquer dúvida razoável que pudesse conduzir à sua absolvição.

*Neste Tribunal da Relação do Porto a Srª. Procuradora-geral Adjunta emitiu parecer suscitando a questão prévia da extemporaneidade do recurso por falta de cumprimento do formalismo consignado no artº 412 nºs. 3 e 4 do C.P.P., o que deverá conduzir à sua rejeição.

*Cumprido o disposto no artº 417º nº 2 do C.P.P., não foi apresentada resposta.

*Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.

* *II – FUNDAMENTAÇÃO A sentença recorrida considerou assentes os seguintes factos: (transcrição) 1) O arguido B… é director comercial de uma empresa de gestão e recuperação de créditos, empresa esta que foi contratada para cobrar um crédito à assistente C… e marido.

2) Em data não concretamente apurada, o arguido deslocou-se à residência da assistente, sita em …, e abordou o seu marido para que pagasse a dívida ao cliente, situação que este nunca concordou por considerar que a dívida já estava paga.

3) De forma a obter o pagamento da dívida, o arguido deslocou-se várias vezes e em datas não concretamente apuradas junto da residência da assistente, estacionando um veículo de marca VW … de matrícula ..-BC-.., à porta desta com os dizeres “J…”.

4) No dia 10 de Outubro de 2008, cerca das 8h15, quando a assistente saiu de casa em direcção a Valpaços, foi perseguida pelo veículo referido em 3), onde seguia o arguido acompanhado de outro indivíduo.

5) Chegada a Valpaços, a assistente apanhou a estrada em direcção a Vila Pouca de Aguiar, continuando a ser perseguida pelo referido veículo.

6) Antes de chegar a Vila Pouca de Aguiar, a assistente parou, saiu do carro, tendo o arguido parado também o carro em que seguia, dirigindo-se à assistente, em voz alta e em tom sério, perguntando-lhe se ela ia pagar a dívida ou queria que lhe acontecesse alguma coisa.

7) Com receio que o arguido lhe fizesse alguma coisa, a assistente voltou a entrar no seu veículo e foi novamente perseguida até às bombas de combustível do E…, em Vila Pouca de Aguiar.

8) Aí chegada, como o arguido continuava a persegui-la, entrou na A24 e apenas parou junto à rotunda de Verin, quando viu uma patrulha da Guardia Civil, a quem contou o que estava a acontecer e onde foram todos identificados.

9) No regresso de Verin até Valpaços, foi novamente perseguida até à Zona Industrial …, onde parou e esperou que o marido chegasse, com receio que algo lhe pudesse acontecer.

10) Ao perseguir a assistente e ao dirigir-lhe a expressão referida em 6), agiu o arguido com a vontade livre e perfeita consciência de estar a anunciar-lhe que, caso a assistente não pagasse a suposta dívida, atentaria contra a sua integridade física, de modo idóneo a levá-la, como era sua intenção e por medo de concretização de tal promessa, a satisfazer aquela exigência, o que apenas não veio a acontecer por razões alheias à sua vontade.

11) Agiu, ainda, o arguido com perfeita consciência de que a sua conduta era proibida e punível por lei.

12) Em datas não concretamente apuradas, mas durante os...

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