Acórdão nº 9434/06.6TBMTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 01 de Março de 2012

Magistrado ResponsávelFILIPE CAROÇO
Data da Resolução01 de Março de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 9434/06.6TBMTS.P1 – 3ª Secção (apelações) Tribunal Judicial de Matosinhos Relator: Filipe Caroço Adj. Desemb. Pinto de Almeida Adj. Desemb. Maria Amália Santos Acordam no Tribunal da Relação do Porto I.

B…, por si e em representação do seu filho menor C…, ambos residentes na Rua …, n.º .., casa ., ….-… Porto, instaurou acção declarativa com processo ordinário contra - D…, LDA, com sede na Rua …, nº …, ….-… Matosinhos; - DR. E…, director clínico da primeira R., com domicílio profissional na Rua …, nº …, ….-… Matosinhos; e - DR.ª F…, com domicílio profissional no G…, sito na Rua …, ….-… Matosinhos, alegando essencialmente que o C… nasceu a 26.11.2006 com sindroma polimalformativo às 38 semanas de gestação, designadamente sem mãos nem braços, deformação dos pés, da língua, do nariz, das orelhas, da mandíbula e do céu da boca.

Durante a gravidez, a A. realizou as ecografias obstétricas medicamente previstas para gravidez na 1ª R., onde foi sempre assistida pelo Sr. Dr. E…, que elaborou os relatórios correspondentes às ecografias realizadas.

À medida que os exames eram efectuados e visualizados, pelo R. sempre foi dito e mostrado à A. que o bebé era perfeitamente normal. Porém, incorreu em manifesto e grosseiro erro de apreciação e diagnóstico, pois que, segundo as actuais exigências das leges artis, com os conhecimentos científicos existentes na época, e actuando de acordo com um dever objectivo de resultado, seria visualizável a um médico radiologista, pela análise das películas em causa que existiam já determinadas patologias ou, pelo menos, indícios delas que deveriam constar dos relatórios efectuados, permitindo um diagnóstico definitivo através de novos exames.

Caso não se demonstre que as películas demonstravam tais patologia, então houve troca grosseira das imagens. Não possuindo o A. mãos e antebraços, fossem visíveis nas imagens ecográfícas – que não são – estas não lhe poderiam pertencer.

Agindo como agiram, podendo e devendo ter identificado as patologias observáveis nos exames que realizaram, malformações congénitas permanentes e irreversíveis, os 1º e 2º R.R. deixaram a A. no desconhecimento de que gerava um feto que nasceria com profundas patologias morfológicas. Se as conhecesse à data dos exames ecográficos realizados, a A. teria optado, por interromper voluntariamente a gravidez.

A 26.8.2006 a A. foi encaminhada pela sua médica de família para o G…, por lhe ter sido diagnosticada ITU de repetição onde foi à consulta da 3ª R., Dr.ª F…, especialista em obstetrícia, que qualificou a gravidez de “alto risco”, mas, procedendo à visualização e análise das ecografias referiu à A. que nada de anormal se passava com o embrião, receitando-lhe medicamentos para a dita ITU. Pelo que também esta R. incorreu em manifesto e grosseiro erro de apreciação e diagnóstico.

Por sucessiva negligência grosseira, foi coarctado à A. o direito de auto-determinar a sua vontade relativamente ao destino da sua gravidez, pelo que ambos os A.A. terão de encarar para a vida as malformações congénitas descritas. O A. sempre dependerá de terceiros para a sua sobrevivência, e necessitará dos cuidados permanentes da A. para a execução das mais simples tarefas do quotidiano.

Com o nascimento do A. com as patologias da malformação, a A. passou a viver num desequilíbrio emocional profundo, já previsível aquando dos errados diagnósticos e a interrupção da gravidez seria, então, o único meio idóneo a evitar o real perigo que a gravidez constitui para a sua saúde psíquica.

Também o A. sofre danos não patrimoniais, no interesse do qual a A. deveria ter abortado, evitando a vida de angústia e sofrimento por que ambos os A.A. passam.

O A. tem graves problemas de formação, desenvolvimento e crescimento que advêm da malformação uterina, pelo que nunca poderá, de forma independente, ter uma vida normal, mesmo no que se refere à realização das mais básicas tarefas do quotidiano. Tendo perfeita consciência disso por ter um desenvolvimento mental normal, sofre profunda revolta, nervosismo e incompreensão no seu penoso dia a dia.

Pela sua gravidade e perenidade, os critérios de equidade impõem compensação global nunca inferior a € 100.000.00.

O A. sofre também danos patrimoniais resultantes da total falta de capacidade de trabalho que se irá prolongar por toda a sua maioridade, completamente dependente de terceiras pessoas. A capacidade de ganho está totalmente afectada, ou pelo menos é extremamente reduzida, constituindo um dano futuro previsível a reparar desde já por recurso à equidade e, assim, num valor que estima em € 300.000,00.

Quanto à A.: Estima a compensação dos seus graves danos não patrimoniais na quantia de € 100.000,00.

Relativamente aos seus danos patrimoniais, invoca as despesas de farmácia para cuidar do C…, a impossibilidade de trabalhar por causa da indispensável dedicação quase exclusiva ao A., vivendo ela apenas do rendimento social de inserção no valor mensal de € 318,32, tendo ainda a mãe e um outro filho menor, mais velho, a cargo. Antes do nascimento do A. auferia, em média, € 600,00 por mês do seu trabalho. O seu prejuízo patrimonial ascende já a € 10.140.48 (36 meses).

Além disso, os R.R. devem ser condenados no pagamento da quantia de € 281,68 (€ 600,00 - € 318,32) por cada mês que decorra entre a data da petição inicial (19 de Novembro de 2006) e a efectiva contratação de técnico que venha a acompanhar o A., permitindo que a A. regresse ao trabalho.

A situação clínica do A. determinará um acréscimo de despesas para a A. que só no futuro poderão ser determinadas.

Terminam com o seguinte pedido: «Termos em que Deve a acção ser julgada totalmente procedente por provada e, por via dela, serem os R.R. solidariamente condenados: a) a liquidar ao Primeiro A. quantia nunca inferior a €. 100.000 (cem mil euros), pela gravidade e perenidade dos danos não patrimoniais descritos nos artigos 137° a 179°, directamente imputáveis às condutas dos R.R.; b) a liquidar ao Primeiro A. quantia nunca inferior a €. 300.000,00 (trezentos mil euros), pelos danos patrimoniais causados pelos R.R., melhor descritos nos artigos 180° a 202°, montante equitativo atendendo a que aquele A. poderia ter cerca de 50 anos de vida útil, e poderia vir a auferir um rendimento equitativamente médio de cerca de €. 500,00, c) a liquidar à Segunda A. quantia nunca inferior a €. 100.000 (cem mil euros), pela gravidade e perenidade dos danos não patrimoniais descritos nos artigos 203° a 249°, directamente imputáveis às condutas dos R.R.; d) a liquidar à Segunda A. a quantia de €. 10.957,91 (dez mil novecentos e cinquenta e sete euros e noventa e um cêntimos, acrescida de €. 281,68 (€. 600,00 - €. 318,32) por cada mês que decorra entre a presente data de 19 de Novembro de 2006 até à efectiva contratação de técnico que venha a acompanhar o Primeiro A., - para compensação dos danos patrimoniais líquidos melhor alegados nos artigos 250° a 265°.

  1. A liquidar à Segunda A. quantia correspondente às despesas médicas e de educação que assumem carácter extraordinário, melhor alegadas nos artigos 266° a 286°, quantia essa a fixar em sede de incidente de liquidação ou, em alternativa, em sede de execução de sentença, ou ainda por critérios de equidade, caso a instrução da demanda assim venha a permitir.

  2. No pagamento de juros moratórios, à taxa legal, contados sobre as importâncias líquidas acima peticionadas, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento; g) No pagamento de todas as custas e encargos do processo, bem como de procuradoria.» (sic) Citados, os R.R. contestaram a acção.

    O 1º R., D…, impugnou parcialmente os factos alegados pelos A.A. dizendo que as ecografias realizadas não são “as medicamente previstas” e que apenas permitem uma avaliação fotográfica do instante/momento em que o exame é realizado, sem uma natureza definitiva, atento o carácter dinâmico e progressivo da gestação que, por seu lado, é interferível por uma multiplicidade de factores endógenos e exógenos com os quais, naturalmente, o exame ecográfico em si mesmo não contende.

    As expressões utilizadas de «favorável», «compatível» e «feto normal», são o que a imagem do equipamento permite visualizar, e não a absoluta realidade, o diagnóstico absoluto, que os equipamentos não captam nem captarão e não é possível realizar, nem nos dias de hoje.

    Dada a limitação dos equipamentos imageológicos, não houve qualquer erro de diagnóstico e as imagens tiradas (doc.s de fl.s 110 e seg.s) não permitiam conclusões diversas das constantes dos relatórios.

    Ascende a 45% a percentagem de erro na execução técnica dos exames ecográficos, mesmo quando realizada pelos melhores especialistas médicos. E no exame ecográfico não há qualquer resultado de diagnóstico alcançável fora do contexto de intervenção do equipamento ecográfico, com a sua falibilidade intrínseca própria. Não se pode garantir um resultado que o equipamento não atinge (e que por essa circunstância não pode ser atingido).

    Por outro lado, a leitura que o ecografista faz das imagens por si captadas da forma medicamente indicada destinam-se ao médico assistente da utente, não sendo um exame do qual se parta para a execução imediata de acordo com a conclusão que dele se retira. Cabia à médica de família ou médico assistente da A. a formulação de um juízo próprio, sem sujeição ao relato do médico ecografista.

    Além disso impunha-se a realização de uma terceira ecografia às 28ª/32ª semanas de gestação.

    Entre a 15ª semana de gestação e o parto podem acontecer múltiplas vicissitudes à gravidez e, por consequência, ao feto, como certamente aconteceram, designadamente por medicação a que a grávida se submeta com errada indicação médica ou por sua iniciativa, sem controlo médico.

    Conclui que nem as malformações eram patentes à data da realização dos exames, nem a sua configuração podia ser diagnosticada, nem a afirmação, actual da A., pode ter qualquer valor retroactivo. Nega qualquer relação causal entre o diagnóstico efectuado e...

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