Acórdão nº 1613/11.0TBMTJ-D.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 16 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelJORGE LEAL
Data da Resolução16 de Fevereiro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa RELATÓRIO Em 20.6.2011 “A”, divorciada, apresentou-se à insolvência no Tribunal Judicial de ..., requerendo que fosse declarada a sua insolvência, com exoneração do passivo restante.

Em 22.6.2011 foi proferida sentença em que se declarou a requerente em situação de insolvência.

Em 19.9.2011 foi proferido despacho em que se admitiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante e determinou-se, em consequência, que durante o prazo de cinco anos a contar da data de encerramento do processo de insolvência (período da cessão), o rendimento disponível que a devedora venha a auferir, com exclusão do montante equivalente a um salário e meio mínimo nacional, seja cedido a fiduciário, ficando a devedora com as obrigações expressas no art.º 239.º n.º 4 do CIRE, sob pena de não lhe ser concedido a final o pedido de exoneração.

A requerente apelou deste despacho, tendo apresentado motivação na qual formulou as seguintes conclusões, que se transcrevem: 1. A apelante requereu a sua insolvência.

  1. Na petição inicial, requereu, também, que lhe fosse concedida a exoneração do passivo restante.

  2. Por despacho inicial datado de 21/09/2011, foi declarado, pelo Tribunal "a quo", que nos termos do disposto nos n.ºs 1, 2 e 3 do CIRE considera-se excluído do rendimento disponível o valor equivalente a um salário e meio mínimo nacional.

  3. Fixou o Tribunal “a quo” o montante equivalente a € 727,50 (setecentos e vinte e sete euros e cinquenta cêntimos), para a requerente/apelante, pagar as suas despesas mensalmente durante o período da cessão.

  4. A única questão que se submete à apreciação desse Tribunal "ad quem" consiste em saber se o montante fixado a ser excluído do rendimento disponível é suficiente para assegurar o sustento mínimo da devedora e do seu agregado familiar.

  5. Pois, esse valor é nitidamente diminuto, tendo em consideração a composição do seu agregado familiar, as despesas do mesmo e as despesas que a requerente tem que suportar, forçosamente, com as suas deslocações para o trabalho.

  6. O agregado familiar é composto pela requerente, uma filha menor e um filho, que apesar de maior de idade, se encontra desempregado.

  7. Nenhum dos filhos aufere qualquer tipo de rendimentos, estando ambos dependentes financeiramente da requerente, excepção feita relativa à pensão de alimentos da sua filha menor, no valor de € 121,10 (cento e vinte e um euros e dez cêntimos).

  8. Está-se a negar à requerente o direito a arrendar uma casa onde possa viver com os seus filhos.

  9. -Tem despesas com electricidade, água, gás e comunicações de cerca de € 190,00/mês conforme comprovado nos autos, despesas essas que se mantêm.

  10. Também, conforme comprovado nos autos, que despende mensalmente a quantia de cerca de € 200,00 (duzentos euros) mensais em combustível para se poder deslocar para o seu local de trabalho, que dista cerca de 50 km da sua residência, visto que não consegue compatibilizar o seu horário de trabalho com os dos transportes públicos.

  11. A que acrescem, naturalmente, despesas com alimentação, higiene e vestuário, que se considerarmos o valor módico de € 5,00/dia, para três pessoas, durante o período de 30 dias, totalizará a quantia de € 450,00 (quatrocentos e cinquenta euros).

  12. A alínea b) do n.º 3 do artigo 239.º do CIRE dispõe que integra o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor com excepção daqueles que sejam razoavelmente necessários para o sustento digno do devedor e do seu agregado familiar, bem como os necessários para o exercício da sua actividade profissional.

  13. A um agregado familiar composto por três pessoas, uma menor e ainda estudante e um filho maior, não podem ser aplicados critérios como se fosse uma só pessoa.

  14. Atendendo aos documentos junto aos autos deveria o Tribunal "a quo" ter considerado os valores que deles constam.

  15. A decisão que fixou a quantia mensal de € 727,50 (setecentos e vinte e sete euros e cinquenta cêntimos) como montante destinado ao sustento da insolvente viola o regime excepcional previsto nas subalíneas i) e ii) da alínea b) do n.º 3 do artigo 239.º do CIRE.

  16. Resulta do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18/03, que aprovou o CIRE, que "conjuga (…) o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica.", a recorrente não terá acesso a essa reabilitação económica, nem a essa nova oportunidade, porque não fica garantido o seu sustento, quanto mais o minimamente digno para viver.

  17. É essa oportunidade que a apelante pretende ver consagrada.

  18. Dando-se provimento à apelação, deve ser revogado o douto despacho, substituindo-se o mesmo por outro que fixe o valor excluído do rendimento disponível em dois ordenados mínimos e meio.

  19. Decorre do processo que a insolvente tem despesas mensais no valor de € 840,00 (oitocentos e quarenta euros), tidas com alimentação, higiene pessoal, electricidade, água, gás, telecomunicações, transportes, devidamente explicadas e discriminadas no processo de insolvência e que não foram objecto de contestação pelos credores.

  20. Concluindo, no regime de exoneração do passivo restante e para efeitos do disposto nas subalíneas i) e ii) da alínea b) do n.º 3 do artigo 239.º do CIRE, devem considerar-se excluídos do rendimento disponível os montantes tidos por razoavelmente necessários para o sustento do devedor e do seu agregado familiar, considerando-se todas as despesas devidamente documentadas e comprovadas pelo devedor.

  21. Pelo que, oTribunal “a quo” fez errada interpretação e aplicação do preceito contido nas supra mencionadas subalíneas, sendo o douto despacho recorrido passível de censura.

  22. O douto despacho recorrido, que determinou o rendimento indisponível da apelante em € 727,50 (setecentos e vinte e sete euros e cinquenta cêntimos), aplicou incorrectamente a "cláusula do razoável".

  23. Pois, esse é, no entendimento da requerente e em conformidade com os documentos apresentados, o valor necessário para o agregado familiar poder ter uma vida condigna nos 60 (sessenta meses) seguintes ao despacho inicial de exoneração do passivo.

    A recorrente terminou pedindo que seja dado provimento ao recurso, alterando-se o despacho em crise na parte que determinou o rendimento disponível que a devedora, ora apelante, venha a auferir, com exclusão do montante equivalente a um salário e meio mínimo nacional, seja cedido ao fiduciário, e em consequência declarar-se a entrega ao fiduciário do rendimento disponível, com exclusão do montante equivalente a dois salários mínimos e meio.

    A credora reclamante...

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