Acórdão nº 4130/11.5TCLRS-A.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 01 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelPEDRO MARTINS
Data da Resolução01 de Fevereiro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados: Auto Táxis “A”, Lda, requereu contra “C” e “D” - Táxis Unipessoal, Lda, o presente procedimento cautelar para que o tribunal decretasse uma série de providências, entre elas a de que fosse declarada nula a transmissão da propriedade de um táxi para a requerida e se ordenasse aos requeridos a entrega das chaves e documentação da viatura à requerente.

Alega, em síntese, que o requerido, um dos dois sócios e gerentes da requerente, constituiu a requerida, às escondidas da requerente, e depois transferiu para o nome da requerida um dos dois táxis da requerente, sem a vontade desta; fê-lo através de documentos que obteve usando a sua qualidade de gerente da requerente e com essa transferência privou a requerente da utilização do táxi e os empregados desta de trabalho.

O requerido deduziu oposição, excepcionando a inexistência de deliberação prévia dos sócios para a propositura da presente acção, em violação do disposto no art. 246º/1g) do Código das Sociedades Comerciais; e impugnou, dizendo, no essencial, que o táxi era seu e não da requerente que aliás existe apenas formalmente, já que o outro sócio foi um mera testa de ferro do requerido por não poder constar como titular único das duas quotas; assim, o táxi era seu, quer porque o comprou, quer porque é o único titular do capital social da requerente e, por isso, a transferência da propriedade do táxi não pode causar prejuízo à requerente; por fim, a impossibilidade de o requerido utilizar o táxi que decorreria da providência pedida, é manifestamente superior ao prejuízo que se pretende “acautelar” para a requerente.

Depois da produção de prova, foi proferida decisão, julgando parcialmente procedente o procedimento cautelar e, em consequência, declarou-se nula a transmissão de propriedade do táxi da requerente para a requerida, ordenou-se a apreensão imediata do táxi pela autoridade policial, determinou-se o cancelamento do registo efectuado e determinou-se a noti-ficação da decisão às entidades competentes.

* Desta decisão foi interposto recurso pelo requerido - para que a decisão seja revogada -, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1. Tendo o procedimento cautelar sido requerido pela socie-dade contra o seu sócio, e tendo por objecto a impugnação de um acto da própria sociedade, estava a mesma obrigada a deliberar previamente sobre a instauração do procedimento objecto dos au-tos, conforme disposto na al. g) do n.° 1 do art. 246° do CSC.

2. Não existindo deliberação prévia da sociedade nos termos do art. 246°/1g) do CSC, nem ratificação, deveria o tribunal a quo ter julgado verificada a situação de representação sem poderes e, consequentemente, a procuração outorgada ineficaz relativamente à sociedade requerente.

3. A declaração de nulidade da transmissão da propriedade da viatura com a matrícula 00-BB-00 e o cancelamento do registo da propriedade a favor da transmissária definem, em termos deci-sivos, a relação jurídica controvertida, tornando inútil a acção principal.

4. As medidas decretadas pelo tribunal a quo não são admis-síveis em sede de procedimento cautelar, por consubstanciarem decisões definitivas e irreversíveis sobre o objecto da causa principal.

5. Não ficaram provados factos que justifiquem o alegado periculum in mora, designadamente quanto aos danos cuja produ-ção e difícil reparação se receia com a demora na prolação da deci-são final.

6. O tribunal a quo deveria ter absolvido o recorrente da ins-tância com fundamento em falta de legitimatio ad causam ou, caso assim se não entendesse, absolvê-lo do pedido por inadmissibili-dade legal do procedimento cautelar.

7. Ao não fazê-lo, violou o disposto nos arts 246°/1 do CSC e 381 do CPC.

* A requerente contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso.

* Questões a decidir: se era necessária uma deliberação dos sócios da requerente para que esta pudesse requerer este procedimento e nesse caso qual a consequência de essa deliberação não existir; se as providências de declaração de nulidade e do cancelamento de registo não são admissíveis em sede de procedimento cautelar, por consubstanciarem decisões definitivas e irreversíveis sobre o objecto da causa principal; e se não se verifica no caso o alegado periculum in mora.

* * Da necessidade da deliberação dos sócios Factos dados como provados com (qualquer possível) interesse para a decisão desta questão: 1. A requerente é uma sociedade por quotas, com capital de 5.000€ e dois sócios com quotas iguais.

2. Os sócios da requerente são o requerido e “D”, os quais assumem ambos a qualidade de gerentes. […] 10. A forma de obrigar da requerente é com a intervenção de uma assinatura dos gerentes.

11. À data de entrada do presente procedimento cautelar em juízo, encontrava-se inscrita a favor da requerente a propriedade sobre as viaturas para o transporte de táxi com as matrículas 00-BB-00 e 00-00-NZ.

12. As duas viaturas são os instrumentos de trabalho da sociedade e é mediante a utilização das mesmas que a sociedade obtém os seus rendimentos, para pagar salários e impostos e contribuições.

[…] 18. Em Abril de 2011, por carta registada que remeteu à re-querente, o requerido renunciou à gerência da sociedade reque-rente [rectifica-se, no itálico, a referência à requerida que constava do despacho recorrido e que já vinha do articulado de oposição].

[…] 20. Em 08/04/2011 o requerido constituiu a requerida, da qual é o único sócio, cujo objecto social é o mesmo da requerente.

21. Em 26/04/2011, o requerido, na qualidade de sócio ge-rente da requerente, transferiu a viatura de matricula 00-BB-00, propriedade da requerente, para nome da requerida.

22. A transferência de propriedade deu entrada no dia 26/04/2011 na Conservatória do Registo Automóvel, com o nº de ap ....

23. Na mesma data, o requerido fez o pedido de alteração do licenciamento da viatura para nome da requerida.

24. No mesmo dia, o requerido dirigiu-se ao instituto de Mobilidade e dos transportes Terrestres, LP., para alterar o nome do proprietário que constava no alvará atribuído à viatura.

25. Ao proceder desta forma, o intuito do requerido foi im-pedir que quando a requerente e o outro sócio tivessem conheci-mento fosse mais difícil anular todos os procedimentos juntos das entidades oficiais.

26. O requerido tem perfeito conhecimento de que o acto de transmissão de propriedade da viatura foi realizado sem qualquer deliberação prévia da requerente e sem a autorização desta; 27. A requerida não entregou qualquer quantia à requerente, pela aquisição da viatura, licença e alvará.

28. A requerente ficou privada de utilizar a viatura em 05/05/2011, data em que tomou conhecimento do ocorrido, tendo o empregado que a conduzia ficado privado de exercer a sua actividade.

[…] * Quanto à necessidade de deliberação dos sócios diz a decisão recorrida: “A regra que impõe a deliberação prévia da sociedade à ins-tauração de acções em juízo contra gerentes ou sócios, fica teleologicamente esvaziada ante situações como a vertente, em que existem apenas dois sócios, com quotas iguais, sendo um deles o próprio demandado.

Estando em causa uma acção em que figura como parte o só-cio visado este estaria impedido de votar, o que tornaria absoluta-mente desprovida de utilidade a convocação de uma assembleia que não poderia funcionalmente operar (art. 251º do CSC). Por ou-tro lado, a própria natureza cautelar do presente procedimento a tanto obstaria, já que o conhecimento que o sócio então obteria da demanda a instaurar poderia inviabilizar o fim pretendido com a mesma.

Assim, entende o tribunal ser inteiramente improcedente a defesa por excepção invocada.” * São, pois, dois, os fundamentos aduzidos pela decisão recorrida para a improcedência da excepção.

O requerido só argumenta, como se vê das respectivas conclusões, relativamente ao primeiro.

A requerente tem a mesma posição da decisão recorrida (que se tinha baseado na resposta dela apresentada em audiência), não aduzindo novos argumentos.

* * Posto isto: O art. 246/1g) do CSC dispõe que: “Dependem de deliberação dos sócios os seguintes actos, além de outros que a lei ou o contrato indicarem: […] g) a proposição de acções pela sociedade contra gerentes, sócios ou membros do órgão de fiscalização, e bem assim a desistência e transacção nessas acções”.

A decisão recorrida faz uma interpretação restritiva da regra que decorre desta norma, no sentido de não se aplicar quando a sociedade só tem dois sócios, com quotas iguais, tendo em conta que o sócio demandado está impedido de votar por haver conflito de interesses [art. 251º/b) do CSC].

Esta posição pode ver-se apoiada, parcialmente (e lido com as necessárias adaptações) por Raúl Ventura, a propósito de um situação idêntica, que é a da exclusão de sócios das sociedades por quotas.

Esta última está regulada nos arts. 241º/1, 242º/1 e 2 e 246º/1c) do CSC, dos quais decorre que a exclusão de um sócio pode ocorrer por deliberação social em dados casos e por decisão judicial...

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