Acórdão nº 1102/08.0TAABF.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 31 de Janeiro de 2012
Magistrado Responsável | ANTÓNIO JOÃO LATAS |
Data da Resolução | 31 de Janeiro de 2012 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Em conferência, acordam os Juízes na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I. Relatório 1. – Nos presentes autos de processo comum com intervenção do tribunal singular que correm seus no T.J. de Albufeira foi acusado HM, solteiro, fiel de armazém, nascido a 09/05/1979, .. residente na...., Loulé, a quem o MP imputara a prática, como autor material, de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348º, n.º 1, alínea b), do Código Penal.
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– Realizada a Audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que julgou improcedente a acusação deduzida pelo Ministério Público e, em consequência, absolveu o arguido HM da prática do crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, que lhe foi imputado.
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– Inconformado, recorreu o MP formulando as seguintes conclusões que se transcrevem: «CONCLUSÕES 1) Além do artigo 500° do Código de Processo Penal (CPP) estabelecer, no seu número 3, que a não entrega da licença de condução no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença que condene em pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor dá lugar a que o tribunal ordene a sua apreensão, o legislador consagrou, de igual forma, uma outra reação de natureza penal a tal conduta no artigo 160° do Código da Estrada (CE).
2) O artigo 160°, n.º 1 do CE, ao referir-se expressamente a proibições de conduzir, só pode estar a referir-se à pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor prevista no artigo 69° do Código Penal (CP) já que não existem no âmbito do direito contra-ordenacional estradal quaisquer proibições de conduzir mas sim sanções acessórias de inibição de conduzir, também elas expressamente salvaguardadas na previsão daquele artigo do CE.
3) Entendendo-se que o artigo 160° do CE não tem aplicação à pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, o facto de o artigo 500°, n.º 3 do CPP estabelecer uma reação de natureza não penal se o condenado não proceder voluntariamente à entrega da sua licença de condução não afasta, de modo algum, o julgador de efetuar a cominação de desobediência para essas situações, o que se encontra perfeitamente acautelada pelo legislador na previsão da alínea b) do número 1 do artigo 348° do CP.
4) A referência que na alínea b) do número 1 do artigo 348° CP se faz à "ausência de disposição legal” não pode deixar de ser lida sem se levar em consideração o que se estabelece na alínea anterior, ou seja, a referência a "disposição lega!' que "cominar, no caso, a punição de desobediência simples", ou seja, a ausência de disposição que aquela alínea contempla é a ausência de disposição legal de natureza penal que comine uma punição criminal de desobediência simples.
5) A cominação de desobediência (seja efetuada por disposição legal ou por funcionário ou autoridade) em situação como a dos autos realça a obrigação legal de os títulos de condução ficarem apreendidos nos processos em que é aplicada pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor, dando um contributo muito relevante para que tal entrega seja efetivamente feita, sendo certo que, como os presentes autos demonstram, a reação ao não cumprimento da obrigação de entrega que o artigo 500°, n.º 3 do CPP prevê também não se revela especialmente eficaz, podendo mediar vários meses e até anos entre a não entrega da licença de condução e a sua apreensão (se a mesma se conseguir efetuar, o que nem sempre acontece).
6) Tal facto assume grande relevância, especialmente para quem entende que o cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor se inicia apenas com a entrega ou apreensão da licença de condução, já que, seguindo esse entendimento, não procedendo à entrega da sua licença de condução, o condenado não pratica o crime de violação de imposições, proibições, ou interdições, previsto no artigo 353° do CP, enquanto a licença não lhe for apreendida 7) Na situação em apreço verificam-se todos os pressupostos do crime de desobediência: a existência de uma ordem ou mandato formal e substancialmente legal, dimanada de autoridade ou funcionário competente, regularmente transmitida ao destinatário, e conhecida pelo mesmo e, por fim, a vontade de o destinatário da ordem ou mandado em faltar à obediência à ordem ou mandado e a efetiva falta de obediência.
8) Caso se entenda que o artigo 160. ° do CE tem aplicação à pena a acessória de proibição de conduzir veículos com motor, a conduta praticada pelo arguido preenche integralmente os elementos objetivos e subjetivos típicos da alínea a) do número 1 do artigo 348° do CP, por referência àquele artigo do CE.
9) Caso tal não se entenda e uma vez que na situação dos autos ficou provado que ao arguido foi efetuada uma cominação de desobediência pelo juiz que lhe aplicou a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor caso aquele não procedesse à entrega voluntária da sua carta de condução, a conduta praticada pelo mesmo preenche integralmente os elementos objetivos e subjetivos típicos da alínea b) do número 1 do artigo 348° do CP 10) Não obstante o tribunal a quo, considerou que os factos praticados pelo arguido não se subsumem à prática de qualquer infração criminal.
11) Decidindo como decidiu, o tribunal violou o disposto no artigo 348°, número 1, alínea a) do CP, caso se entenda que o artigo 160° do CE tem aplicação à pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, ou o disposto no artigo 348°, número 1, alínea b) do CP, caso tal não se entenda.
Nestes termos, deve ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, determinar-se a revogação da sentença e decidir-se pela condenação do arguido pela prática de um crime de desobediência, previsto e punível pelo artigo 348.°, nº 1, alínea a) do Código Penal, caso se entenda que o artigo 160° do CE tem aplicação à pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, ou o previsto e punível pelo artigo 348°, número 1, alínea b) do CP, caso tal não se entenda » 4. – Notificado para o efeito, o arguido não apresentou resposta ao recurso.
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- Nesta Relação, a senhora magistrada do MP apresentou o seu parecer, concluindo pela procedência do recurso.
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– Notificado da junção daquele parecer, o arguido nada disse.
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– Face à alteração da qualificação jurídica que resultava do projeto de acórdão e do Parecer do MP nesta Relação, foi o arguido notificado nos termos e para efeitos do disposto no art. 424º nº3 do C.P.P.
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– A sentença recorrida (Transcrição parcial) «II. Fundamentação de facto Factos provados Analisada toda a prova produzida em sede de audiência de julgamento, resultaram provados, com relevo para a decisão a proferir, os seguintes factos: 1. Por sentença proferida a 18 de agosto de 2008 no âmbito do processo sumário n.º ---/08.9GELSB, do 3º Juízo deste Tribunal, transitada em julgado no dia 18 de setembro de 2008, o arguido foi condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de sete meses.
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O arguido foi advertido de que deveria entregar a sua carta de condução neste Tribunal ou em qualquer posto policial no prazo de dez dias, após o trânsito em julgado da sentença condenatória, sob pena de, não o fazendo, incorrer na prática de um crime de desobediência.
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O arguido tomou conhecimento do conteúdo da decisão e da advertência efetuada, tendo ficado ciente de que estava obrigado a entregar a sua carta de condução no local e dentro do prazo referidos.
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O arguido não procedeu à entrega da sua carta de condução na secretaria do Tribunal nem em qualquer posto policial no prazo mencionado, tendo a mesma sido apreendida, pela GNR, no dia 24 de novembro de 2008.
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O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que a sua conduta não lhe era permitida e que se encontrava obrigado a acatar a decisão que lhe foi transmitida.
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No âmbito do processo sumário identificado em 1., foi nomeado, como defensor do arguido, o Senhor Dr. AJ.
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Na data mencionada em 4., a mãe do arguido foi abordada pela GNR de Loulé, após o que o mesmo se dirigiu ao posto da GNR, a fim de viabilizar a apreensão da respetiva carta de condução.
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O arguido está desempregado há cerca de um mês e vive com a sua mãe, que suporta o pagamento das despesas domésticas.
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Por sentença transitada em julgado a 06/07/2004, proferida nos autos de Processo Comum n.º ---/01.6TBSTS, do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Santo Tirso, o arguido foi condenado na pena de 1 ano e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos e 6 meses, por ter incorrido na prática, a 14/03/2000, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.º 1, do Código Penal.
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Por sentença transitada em julgado a 08/05/2006, proferida nos autos de Processo Comum n.º ---/04.7GBTVR, do Tribunal Judicial da Comarca de Tavira, o arguido foi condenado na pena única de 250 dias de multa, por ter incorrido na prática, a 03/08/2004, de um crime de injúria agravada, p. e p. pelos artigos 181º e 184º, ambos do Código Penal, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 144º e 146º, ambos do Código Penal, e de um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212º do Código Penal.
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Por sentença transitada em julgado a 22/09/2006, proferida nos autos de Processo Comum n.º --/05.2GCORQ, do Tribunal Judicial da Comarca de Ourique, o arguido foi condenado na pena única de 250 dias de multa, por ter incorrido na prática, a 19/03/2005, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º, n.º 1, do Código Penal, e de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro.
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No âmbito do processo mencionado em 1., foram aplicadas ao arguido as penas de 100 dias de multa e de sete meses de proibição de conduzir veículos com motor, por ter incorrido na prática, a 20/07/2008, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292º, n.º 1...
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