Acórdão nº 1687/09.4TBTNV-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 27 de Setembro de 2011

Magistrado ResponsávelFONTE RAMOS
Data da Resolução27 de Setembro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I. G (…) instaurou, no Tribunal Judicial de Torres Novas, a presente acção ordinária contra A (…) & Filhos, Lda., pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 582 667,60 (capital) devida pelo fornecimento de trigo, acrescida dos respectivos juros.

A Ré contestou referindo, designadamente, que parte da quantia peticionada havia já sido paga à A., na pessoa de F (…), que lhe foi apresentado como representante local da A. em Portugal e com o qual deviam ser tratados todos os assuntos relacionados com compra de mercadorias, preços, respectivos pagamentos e prazos.

[1] Replicando, a A. deduziu o incidente de intervenção principal de F (…) para intervir nos autos como associado da Ré [tendo em vista a sua eventual condenação no pagamento das quantias de que o mesmo se haja apropriado e que lhe foram entregues pela Ré destinadas ao pagamento da dívida desta para com a A. e que este devia entregar e não entregou[2]] e, subsidiariamente, pediu que o chamado seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 424 160,98 e respectivos juros moratórios.

Admitida a referida intervenção principal provocada, o interveniente apresentou a sua contestação, alegando, em resumo, que a forma como a A. configurou a sua relação comercial com aquele não corresponde à verdade, porquanto, conforme alegado na contestação, a A. e a sociedade (…) (doravante designada por (…)), mantiveram consigo, ambas, uma relação comercial de agência[3], na qualidade de Principais, tendo o interveniente indicado os factos constitutivos dessa relação comercial.

Em decorrência do aduzido, o Interveniente F (…) deduziu um pedido reconvencional, quer contra a A. quer contra a sociedade R (…)[4], e requereu ao Tribunal a quo, ao abrigo do disposto nos art.ºs 325º e seguintes do Código de Processo Civil (CPC), que fosse admitida a intervenção principal da sociedade R (…) (sociedade-mãe da A.) e apenas no que concerne ao pedido reconvencional, uma vez que, relativamente a esta instância, a chamada teria um interesse igual ao da A., nos termos e para os efeitos do disposto nos art.ºs 27º e 28,º do CPC, atento o paralelismo da posição jurídica de ambas na relação comercial de agência que serve de substrato àquele pedido.

Este pedido foi indeferido com os seguintes fundamentos (transcreve-se parcialmente o despacho de 08.01.2011): “(…) O incidente de intervenção de terceiros que o chamado F (…) vem requerer é o de intervenção principal provocada, previsto nos artigos 325º, e seguintes do Código de Processo Civil.

Determina o artigo 325º, nº1, do Código de Processo Civil (…) que qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária. Resulta desta norma que qualquer das partes do processo poderá chamar a intervir no mesmo aqueles que o poderiam fazer de forma espontânea, nos termos do artigo 320º, do Código de Processo Civil. Determina a alínea a) desse outro preceito que poderá realizar essa intervenção aquele que, em relação ao objecto da causa, tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos do artigo 27º e 28º. Deste modo, estará nessas condições quem tiver um interesse igual a uma das partes por se encontrar numa situação de litisconsórcio voluntário ou necessário.

(…) Existirão assim situações de litisconsórcio quando exista um terceiro com um interesse paralelo ao sujeito activo ou ao sujeito passivo e que poderá ficar associado ao A. ou ao R. em relação ao mesmo pedido ou à mesma relação material controvertida (conforme for o critério que se opte para distinguir o litisconsórcio da coligação).

(…) nos termos do princípio fundamental do processo civil da estabilidade da instância, que se encontra previsto no artigo 268º, do Código de Processo Civil, depois de citado o R. a instância deverá manter-se e estabilizar quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, permanecendo as mesmas inalteráveis. Apenas nas situações expressamente previstas na Lei será possível derrogar esse princípio da estabilidade da instância, modificando-se as pessoas, a causa de pedir e o pedido.

Deste modo, os terceiros apenas poderão intervir numa determinada acção, depois de ter sido citado o R., designadamente através do referido incidente de intervenção provocada, se tal se encontrar expressamente previsto na Lei.

Ora, da análise dos artigos 325º e seguintes do Código de Processo Civil resulta que apenas se encontra prevista a possibilidade do A. ou do R. poderem deduzir o incidente de intervenção principal provocada. Esta possibilidade de deduzir tal incidente já não se encontra facultada a um terceiro, designadamente ao chamado, como acontece no caso concreto com o interveniente Francisco Rodrigues.

Se o legislador pretendesse facultar ao chamado da possibilidade de deduzir o incidente de intervenção principal provocada de um outro terceiro após intervir na acção, tê-lo-ia previsto expressamente.

Tal conclusão resulta do facto de para o incidente de intervenção provocada acessória, previsto nos artigos 330º e seguintes do Código de Processo Civil, o legislador ter permitido ao chamado fazer intervir por sua vez um terceiro em relação ao qual tenha direito de regresso. Na verdade, essa possibilidade encontra-se prevista no artigo 332º, n.º 3, do Código de Processo Civil.

Se o legislador pretendesse igualmente permitir ao chamado no incidente de intervenção principal provocada fazer intervir um terceiro em relação ao qual tivesse algum direito de crédito sobre o mesmo, tê-lo-ia previsto expressamente, como fez para o incidente de intervenção provocada acessória.

(…) Consequentemente, consideramos que (…) não será legalmente admissível a dedução de um incidente de intervenção principal provocada por parte do chamado no âmbito de outro incidente deduzido por uma das partes principais, de forma a chamar à acção um outro terceiro, conforme pretende fazer o chamado F (…). De facto, o incidente de intervenção principal provocada apenas se encontra reservado às partes principais da acção, ou seja o A. ou o R., não tendo um terceiro, designadamente um chamado, legitimidade para o deduzir.

(…) Se razões de economia processual não são alheias à excepção que os incidentes de intervenção de terceiros constituem relativamente à regra ditada pelo princípio da estabilidade da instância, importa conter essa excepção nos justos limites em que o legislador a consagrou. (…) O alargamento da lide pelo chamamento à mesma, por parte do interveniente principal, de um outro terceiro, contra quem, em via principal ou subsidiária, aquele formule o seu pedido, é contrariado, de algum modo, pela própria letra do artigo 320º, do Código de Processo Civil.

(…) em sede de intervenção provocada a possibilidade de o chamado suscitar a intervenção de um outro terceiro está prevista apenas no artigo 332º, n.º 3, do Código de Processo Civil, atinentes à intervenção acessória dos chamados “devedores em via de regresso”. Tal preceito…é insusceptível de aplicação analógica…Assim, em síntese, dir-se-á: O interveniente principal chamado à lide pelo A. nos termos dos artigos 320º, alínea b) e 321º, ambos do Código de Processo Civil, há-de manter-se – ao exercitar o direito que legitimou o seu chamamento -, no âmbito subjectivo desenhado pela parte primitiva a que se associa, não lhe sendo lícito, designadamente, provocar a intervenção principal provocada de um terceiro, para contra este fazer valer a sua pretensão.

Em conformidade, e pelo exposto, ter-se-á que concluir que não será admissível o incidente de intervenção principal provocada deduzido pelo chamado F (…), para fazer intervir um terceiro ao lado do A. e contra ele deduzir um pedido reconvencional, na medida em que tal violará o principio a estabilidade da instância referido supra. Além disso, a possibilidade de deduzir tal incidente pelo interveniente principal não se encontra previsto em nenhuma norma especialmente criada para o efeito.

(…)”.

Inconformado com esta decisão e visando a sua revogação (e a requerida Intervenção Principal da sociedade R (…), o interveniente F (…) interpôs o presente recurso de apelação[5], formulando as conclusões que assim vão sintetizadas: 1ª - Na sua contestação, o apelante deduziu um pedido reconvencional, quer contra a A. quer contra a sociedade R (…), pedido esse que tem como causa de pedir, os factos constitutivos de uma relação de agência desenvolvida em termos tripartidos, e na qual aquelas sociedades assumem a posição de Principais, razão pela qual requereu ao Tribunal a quo, ao abrigo do disposto nos art.ºs 325º e seguintes, do CPC, que fosse admitida a intervenção principal da sociedade R(...) (sociedade-mãe da A.) e apenas no que concerne ao pedido reconvencional.

  1. - O princípio da estabilidade da instância não poderá servir de fundamento à alegada inadmissibilidade do chamamento deduzido pelo interveniente, porquanto a intervenção de terceiros é, toda ela, uma excepção ao princípio da...

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