Acórdão nº 0743284 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 10 de Outubro de 2007

Magistrado ResponsávelERNESTO NASCIMENTO
Data da Resolução10 de Outubro de 2007
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em audiência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório Pelo MP. foi deduzida acusação contra os arguidos B.......... e C.........., sendo-lhes imputada a prática em co-autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo, de factos susceptíveis de integrar o tipo legal de crime de falsificação de documento, p. e p. pelos artigos 255º, alínea a) e 256º/1 alínea b) e 3, do Código Penal e o tipo legal de crime de burla qualificada, p. e p. pelo artigo 218º/2 alínea a) do Código Penal.

Por sua vez, D.......... e a mulher, a assistente, E.........., deduziram pedido de indemnização civil, contra os arguidos e contra a sociedade comercial por quotas "F.........., Lda.", pedindo a condenação, solidária, no pagamento da quantia global de € 95.900,00, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e compensação pelos danos não patrimoniais que descrevem, acrescida de juros de mora à taxa legal, e calculados desde a notificação.

A final, foi julgada procedente por provada a acusação e condenados, cada um dos arguidos, como co-autores de um crime de falsificação de documento, p.p. pelo artigo 256º/1 alínea b) e 3, do Código Penal, na pena de um ano de prisão e pela prática, da mesma forma, de um crime de burla qualificada, p. p. pelos artigos 217º/1 e 218º/2 alínea a), na pena de dois anos de prisão e, na pena única de 2 anos e 4 meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de 3 anos.

Na mesma ocasião, foi julgado parcialmente procedente o pedido cível e os demandados condenados, solidariamente, a pagar aos demandantes metade da quantia de € 90.900,00, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a notificação até efectivo e integral pagamento.

  1. 2. Inconformados com o assim decidido, recorreram os arguidos, apresentando, as seguintes conclusões: 1. afigura-se aos recorrentes que nenhuma prova se fez em audiência de julgamento que pudesse conduzir à sua condenação; 2. o próprio Ministério Público, nas doutas alegações finais, pugnou pela absolvição dos arguidos por entender que dos elementos probatórios recolhidos não se vislumbra que os mesmos tenham cometido os ilícitos criminais que lhe eram assacados; 3. ao valorar o depoimento do Dr. G.........., o Tribunal violou o disposto no Artigo 87° da Lei 15/2005, de 26 de Janeiro, e cometeu um erro notório na apreciação da prova, artigo 410º/ 2 al. c) do C.P.P; 4. por lógica implicância, verifica-se a contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, artigo 410°/2, al. b) do C.P.P.; 5. é, pois, notória a incongruência que resulta da descoordenação factual patente e da fundamentação da decisão quanto à matéria de facto; 6. no que concerne ao pedido de indemnização deduzido nos autos, em causa está tão só a responsabilidade de cariz meramente civilistico, decorrente da culpa "in contrahendo", a qual recai exclusivamente sobre a firma F.........., Lda.; 7. a par da absolvição dos crimes que se são assacados, devem os arguidos, também, ser absolvidos do pedido de indemnização civil que contra eles foi deduzido.

  2. 3. Respondeu o Digno Magistrado do MP, na 1ª instância, pugnando pela manutenção do decidido, sustentando, para o efeito, as seguintes conclusões: 1. erro notório na apreciação da prova, contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e contradição insanável da fundamentação, traduz-se num vício evidenciado pela simples leitura do texto da decisão, existindo quando a prova revela claramente um sentido e a decisão extrai ilação contrária e quando a decisão contraria insanavelmente a fundamentação, no sentido de esta levar a um decisão contrária à tomada e existe contradição na fundamentação; 2. no douto acórdão recorrido não existe erro notório na apreciação da prova, tendo sido cumprido o disposto no artigo 374º/2 C P Penal; 3. a regra da livre apreciação da prova constante do artigo 127º C P penal, não se confunde com a apreciação arbitrária da prova; 4. o tribunal a quo atendeu a provas legalmente admissíveis, nos termos do artigo 355º C P Penal; 5. inexiste violação de qualquer disposição legal.

  3. 4. Responderam, ainda, os demandantes cíveis e a assistente, sustentando as seguintes conclusões: 1. a factualidade vertida no douto acórdão recorrido afigura-se suficiente para justificar a decisão de direito que o Tribunal a quo atingiu e dela não se retirou nenhuma conclusão logicamente inaceitável ou desadequada; 2. a decisão recorrida não enferma de nenhum dos vícios previstos no artigo 410°, n02 do CPP e a valoração da prova produzida em audiência foi correcta e conforme ao disposto nos arts. 127° e 169° do CPP; 3. na motivação do Douto Acórdão, as M.mas Juízas fizeram uma análise global e relacional de todos os meios de prova produzidos em audiência de julgamento e fizeram-no de forma exemplar, criteriosa, exaustiva, crítica e fundamentada, conectando-os com as regras da experiência comum, e arremataram com uma decisão acertada que não merece censura; 4. o depoimento da testemunha, Dr. G.........., advogado, não contém qualquer elemento que permita concluir ter sido prestado em violação de segredo profissional; 5. com efeito, os factos atinentes ao presente processo sobre os quais a mesma testemunha se pronunciou e prestou declarações restringem-se a factos que lhe advieram de uma relação estritamente pessoal com os ofendidos; 6. a existência de uma mera relação profissional (melhor se dirá, de proximidade com os respectivos factos potenciadores, pois casos há em que nem é preciso que a relação profissional se chegue a estabelecer; cf., por ex., as alíneas b) a f) do nº. 1 e os nºs. 2 e 7 do art° 87° do EOA) não basta para que de dever de sigilo se possa falar. Com efeito, apenas os factos nucleares da relação estabelecida entre o agente e o cliente estão sujeitos a sigilo e não, já, os factos paralelos; 7. a relação constituída com o mandato forense apenas impõe dever de segredo sobre os factos inerentes ao exercício concreto do mandato, não criando um salvo-conduto para invocação de segredo por factos exteriores a essa relação, nomeadamente daqueles que integrem a prática de um crime. A relação profissional ou de proximidade que se constitui entre duas pessoas, e que justifica, em certos casos, a existência do dever de sigilo, tem um fim e um âmbito específicos, não podendo aquele dever ser alargado a factos nos quais se desempenhe um mero papel secundário, estranho àquela relação, como é o caso de se ser testemunha; 8. se, no exemplo do mandato forense e nos demais citados e noutros possíveis, o sujeito que estaria obrigado ao segredo for testemunha de um crime totalmente estranho à relação constituída, não restarão dúvidas de que não fará sentido invocar tal segredo; 9. nenhum advogado, ou qualquer outro profissional obrigado ao sigilo, pode ser visto como um "encobridor" privilegiado, salvo, como é óbvio, quando os factos a apurar são exactamente aqueles por virtude dos quais nasceu a relação que obriga ao sigilo; 10. um cidadão advogado tem a capacidade e o dever cívico e processual de prestar depoimento sobre os factos de que tem conhecimento; 11. o simples facto de exercer a profissão de advogado, de no exercício dessa profissão ter (ou ter tido) uma das partes como cliente, não tendo o seu conhecimento sido adquirido nas circunstâncias descritas no artigo 87° citado, não impede a testemunha de depor em juízo. Na verdade, o regime legal do segredo profissional do advogado não se destina a impedir o depoimento da testemunha por ser advogado. O advogado pode depor como testemunha, pois, antes de ser advogado é um cidadão de pleno direito. A limitação ao seu depoimento é excepcional só devendo ocorrer na medida do estritamente necessário à salvaguarda do escopo que preside ao estabelecimento de um segredo profissional próprio; 12. a testemunha Dr. G.........., arrolada pelo Ministério Público e pelos ofendidos, demandantes e assistente, limitou-se a representar os ofendidos na escritura pública de compra e venda, como o faria um qualquer cidadão com capacidade jurídica genérica, aceitando que lhe fosse, como foi, outorgada procuração para esse efeito. Os factos de que tomou conhecimento e que revelou ao Tribunal não emergem de qualquer trabalho ou serviço prestado no âmbito da sua profissão forense; 13. os recorrentes omitiram o dever de especificação. Não alegaram e discriminaram os pontos de facto que ressaltaram do depoimento prestado, suas razões, etc., que quanto a si, foram violadoras do sigilo profissional a que a testemunha estava adstrita. Assim sendo, a simples qualidade de advogado e de advogado de uma das partes é insuficiente para determinar o funcionamento do segredo profissional. Sendo necessário que os factos a provar se encontrem em conexão com o exercício da advocacia nos termos definidos em tal preceito, quer relativamente ao cliente (alínea a) do nº. 1 do art° 87° do E.O.A.). No caso dos autos, prestado o depoimento pelo advogado em apreço, os arguidos ficaram em silêncio, ou seja, sobre os pontos concretos do mesmo não quiseram ou não foram capazes de apontar, quais, como e porquê, quanto a si, haviam sido violadores do sigilo profissional a que tal testemunha estava sujeito; 14. destarte, temos de concluir que a posição dos recorrentes está fundada, mesmo em sede do presente recurso, numa valoração, abstracta e formal do depoimento prestado, alicerçado em meras suposições, interpretações, convicções que, minimamente, não justificam; 15. o juiz deve impedir oficiosamente a violação do segredo profissional do advogado. Mas, já não o deverá fazer quando é a própria parte beneficiária, em concreto, do segredo, que o dispensa, indicando o advogado como testemunha ou não se opondo a que o mesmo deponha como testemunha da parte contrária. O direito ao sigilo do advogado está na plena disponibilidade da parte que dele pode beneficiar, no caso os ofendidos; 16. perante o conflito de deveres de guardar segredo e colaborar com a Justiça, (artigos 131°/1 e 132°/2...

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