Acórdão nº 0741118 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 03 de Outubro de 2007

Magistrado ResponsávelLUÍS GOMINHO
Data da Resolução03 de Outubro de 2007
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em audiência, na Secção Criminal da Relação do Porto: I - 1) Relatório: I - 1.) No Círculo Judicial de Santa Maria da Feira, foram os arguidos B.........., C.......... e "D.........., Ld.ª", submetidos a julgamento em processo comum, com a intervenção de tribunal colectivo, acusados pelo Ministério Público, os dois primeiros, da co-autoria material de um crime de abuso de confiança fiscal, em concurso real com um crime de fraude fiscal, previstos e punidos, respectivamente, pelos art.ºs 30.º, n.º 2, do Cód. Penal, 24.º, n.ºs 1 e 5, e 23.º, n.ºs 1.º, 2.º al. a), 3.º als. a) e e), e 4.º do RJIFNA, com a redacção do DL n.º 394/93, de 24/11, ou pelos art.ºs 30.º, n.º 2, do Cód. Penal, e 105.º, n.ºs 1 e 5, e 103.º, n.º 1.º als. a) e b), e 2.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei 15/2001, de 55/06, consoante o que se revelar mais favorável, sendo imputada à arguida sociedade "D.........., Lda" a prática dos mesmos crimes, nos termos do art. 7.º, n.º 1, do DL n.º 394/93, de 24/11, ou do art. 7.º, n.º 1, do citado RGIT, também consoante o regime mais favorável.

Proferido acórdão, veio a decidir-se entre o mais: - Condenar a sociedade "D.........., Ld.ª" pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal p. e p. pelos art.ºs 7.º e 105.º, n.ºs 1, 2 e 5, da Lei n.º 15/01, de 05/06, na pena de 500 (quinhentos) dias de multa, à taxa diária de 5 euros, e pela prática de um crime de fraude fiscal p. e p. pelos art.ºs 7.º e 103.º, n.º 1, a. b), da mesma Lei, na pena de 350 (trezentos e cinquenta dias), à taxa diária de 5 euros.

Em cúmulo jurídico, na pena única de 675 (seiscentos e setenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de 5 euros.

- Condenar o arguido C.......... pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal p. e p. pelos art. 105.º, n.ºs 1, 2 e 5, da Lei n.º 15/01, de 05/06, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, e pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal p. e p. e 103.º, n.º 1, a. b), da mesma Lei, na pena 16 (dezasseis) meses de prisão.

Em cúmulo jurídico, na pena única de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão.

- Ainda que inicialmente não mencionado na parte decisória, retira-se da rectificação constante de fls. 940, que o arguido B.......... foi absolvido.

I - 2.) Inconformado com o assim sentenciado, recorreu o arguido C.......... para esta Relação, que a finalizar a sua motivação deixou exaradas as seguintes conclusões: 1.ª - Ocorre irregularidade processual, por violação do disposto nos actos 165.º, n.º 2, e 340.º, n.º 2, do CPP, se junta - como foi - aos autos, certidão de sentença condenatória anterior do arguido/recorrente, datada de 22/11/2001, de cuja junção não foi dado conhecimento a este, que da sua anexação ao processo somente tomou conhecimento com a notificação da sentença recorrida.

  1. - O conhecimento (notificação) de tal certidão revelava-se importante, pois que - mau grado continue a entender não ter cometido o crime de abuso de confiança fiscal - com a dita omissão (falta de contraditório) ficou impedido de demonstrar a eventual comissão de um só crime continuado, quer em relação à fraude, quer em relação ao abuso (e a entender-se que este foi cometido).

  2. - É que, pela via do curso de processos separados (um dos quais já transitado) cria-se a ideia - de todo absurda - que existe um muro entre os factos cometidos até final do ano de 1995 e nos anos de 1996 em diante (até 1999), quando afinal essa separação é meramente fictícia e é decorrente de factos ocorridos de forma homogénea, temporalmente próximos (seguidos) que realizam a eventual concretização da lesão do mesmo bem jurídico e advenientes de um mesmo quadro que facilita o agir do agente.

  3. - E sendo assim, com tal omissão o recorrente ficou impedido de exercer a sua defesa na sua plenitude, não lhe tendo sido, por isso, assegurados todos os direitos de defesa num processo criminal, tal como consagrado constitucionalmente.

  4. - Pelo que com tal irregularidade foi igualmente violado o disposto no art. 32.º, n.º 1, da Const. Rep. Portuguesa.

  5. - Tal irregularidade processual, porque apenas dela o recorrente teve conhecimento com a prolação da decisão, equivale a nulidade da sentença para efeitos da sua arguição em sede de recurso, posto ser este o meio normal de reacção àquela e a irregularidade cometida fazer parte integrante do acto decisório que a revela.

  6. - A referida irregularidade tem consequência a nulidade da própria decisão recorrida (sentença), que expressamente se argúi.

  7. - De resto, uma interpretação daqueles citados normativos (art.ºs 165.º, n.º 2 e 340.º, n.º 2, do CPP) que conduza a uma eventual sanação do vício ocorrido sem a anulação da decisão recorrida sempre redundaria na sua inconstitucionalidade.

  8. - Na impossibilidade em que se viu de demonstrar que se tratavam de crimes continuados, resulta que - na hipótese de vir a ser condenado agora - o recorrente irá sofrer uma pena mais elevada decorrente do cúmulo jurídico das penas aplicadas em cada um dos processos, contrariamente ao que sucederia caso tivesse lhe tivesse sido permitido demonstrar tratar-se de crimes continuados em que lhe seria aplicada uma só pena para cada um dos crimes.

  9. - A omissão cometida influencia negativamente na medida da pena a aplicar ao recorrente, constituindo a mesma grave violação dos direitos de defesa do arguido.

  10. - Nos termos do disposto no art. 26.º do CIVA o sujeito passivo de IVA apenas se encontra obrigado a entregar ao Estado o valor da diferença entre o IVA que liquidou e o que suportou desse imposto, referente ao mesmo período.

  11. - Não se tendo apurado - não tendo por isso ficado demonstrado - que a sociedade arguida se encontrava isenta de IVA nas aquisições que fizesse destinadas à sua actividade, como por exemplo em relação às matérias-primas, nem ainda nem tal se pode presumir - que as aquisições efectuadas pela sociedade arguida fossem provenientes de actos ilícitos, fica-se sem se saber se a sociedade arguida, com referência aos períodos em causa, era realmente devedora de IVA, se o era em que montante; e quais os valores parcelares de que seria devedora - se é que o era!?..

  12. - Não obstante este desconhecimento o tribunal "a quo" deu como provado que a sociedade era devedora de IVA ao Estado, a quem não entregou, pelo montante global das facturas de venda e que os valores parcelares devidos, por não entregues, correspondem exactamente ao somatório das facturas de venda para cada mês.

    Do que resultou que, efectuadas assim as operações, em duas situações os valores mensais ultrapassem os € 50.000, determinantes da agravativa prevista no n.º 5 do art. 105.º do RGIT.

  13. - Do que se deixa exposto verifica-se que o tribunal "a quo" incorreu, pois, em erro notório na apreciação das provas que decorre evidenciado do texto da própria decisão recorrida, quando, considerando que o sujeito passivo de IVA se encontra obrigado a liquidar ao Estado apenas a diferença do IVA que recebeu e o que suportou com referência ao mesmo período, se, tendo ficado por demonstrar que a sociedade arguida não estava isenta de IVA nas aquisições de matérias-primas para a prossecução da sua actividade, nem que as tivesse adquirido por via ilícita - sendo certo que para fabricar teria que ter adquirido essas matérias primas - sem que se houvesse apurado qual o IVA suportado pela mesma sociedade em tais períodos, deu como provado que a mesma deveria ter liquidado ao Estado, IVA no montante global de Esc: 140.219.258$00, correspondente ao IVA liquidado constante das facturas emitidas, e bem assim se dão como provados os montantes parcelares de IV A como sendo devidos ao Estado.

  14. - Em face do invocado erro notório na apreciação das provas foram indevidamente dados como provados os factos descritos em 2.1.14 e 2.1.16 (este, na parte referente ao IVA) da decisão.

  15. - Encontrando-se por apurar quais os montantes de IVA suportados pelo sujeito passivo (sociedade arguida) com referência aos mesmos períodos impedido está o tribunal de ficcionar o valor a entregar por aquela ao Estado a título desse imposto, doutro modo será presumir o próprio elemento típico do crime do abuso de confiança fiscal - o que é inadmissível - e visto que a aplicação dos métodos indiciários para a determinação do imposto a liquidar em sede de responsabilidade fiscal não é admitida para a incriminação.

  16. - Não se tendo apurado os montantes de IVA suportados pela sociedade arguida, com referências aos mesmos períodos, deixa-se de poder aferir se havia IVA a entregar ao Estado pelo sujeito passivo e qual o seu montante.

  17. - E sendo assim, jamais poderia o recorrente e a sociedade arguida ser condenados pelo crime de abuso de confiança fiscal, pressuposto quanto é deste crime que o passivo tivesse IVA a entregar ao Estado e não houvesse efectuado tal entrega.

    E se isto vale assim para o valor apurado na decisão recorrida de imposto a entregar ao Estado respeitante ao IVA, não menos relevante se torna para efeitos da agravação prevista no n.º 5 do art. 105.º do RGIT.

  18. - Posto que o crime de abuso de confiança fiscal pressupõe que o sujeito passivo fique com importâncias à sua guarda e confiadas que deva entregar ao Estado - do que só assim surge a violação da confiança em que assenta o tipo de ilícito em causa quando o sujeito passivo assim actua em nome...

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