Acórdão nº 0642911 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 19 de Setembro de 2007

Magistrado ResponsávelOLGA MAURÍCIO
Data da Resolução19 de Setembro de 2007
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em audiência, na 2ª secção criminal (4ª secção Judicial) do Tribunal da Relação do Porto: RELATÓRIO 1.

No tribunal judicial de Valongo, no âmbito do processo ../04.9TAVLG, foram os arguidos B.........., C.......... e D.......... condenados: 1º - o arguido B.......... na pena de 150 dias de multa pela prática de um crime de burla, previsto e punível pelo art. 210º, n.º 1, e na pena de 250 dias de multa pela prática de um crime de falsificação de documento, previsto e punível pelo art. 256º, n.º 1 e 3, todos do Código Penal, sendo fixada em 300 dias de multa a pena única, à taxa diária de 2 €; 2º - a arguida C.......... na pena de 150 dias de multa pela prática de um crime de burla, previsto e punível pelo art. 210º, n.º 1, e na pena de 250 dias de multa pela prática de um crime de falsificação de documento, previsto e punível pelo art. 256º, n.º 1 e 3, do Código Penal, tendo ido condenada na pena única de 300 dias de multa, à taxa diária de 2 €; 3º - finalmente o arguido D.......... foi condenado na pena de 150 dias de multa pela prática de um crime de burla, previsto e punível pelo art. 210º, n.º 1, e na pena de 250 dias de multa pela prática de um crime de falsificação de documento, previsto e punível pelo art. 256º, n.º 1 e 3, do Código Penal, tendo a pena única sido fixada em 300 dias de multa, à taxa diária de 5 €.

O pedido de indemnização formulado por E.......... foi julgado parcialmente procedente e, em consequência, foram os arguidos condenados a pagar ao demandante a quantia de € 4.000, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde 31 de Dezembro de 2003 e até integral pagamento, acrescidos da quantia de € 1.000 a titulo de danos não patrimoniais.

  1. Inconformados os arguidos B.......... e D.......... interpuseram recurso da decisão proferida e apresentaram as seguintes conclusões: «1 - Entendeu o Tribunal a quo dar como provado, entre outros factos e em síntese, que os arguidos, pretendendo pôr fim ao contrato de arrendamento existente entre os primeiro e segundo arguidos B.......... e C.........., na qualidade de locadores e o lesado E.........., na qualidade de locatário, sem todavia proceder ao pagamento do montante de 4.000 € correspondente a um valor acordado como contrapartida pelas benfeitorias realizadas no locado, entregaram ao referido E.......... um cheque no mencionado valor em cujo espaço destinado á assinatura do titular, o arguido D.........., desenhou o nome do seu irmão, a fim de evitar que o Banco procedesse ao respectivo pagamento, dada a não coincidência da assinatura nele aposta com a existente na ficha bancária.

    2 - Na execução de um plano acordado, teria então a arguida C.......... comunicado à F.......... o extravio do referido cheque tendo, em consequência do exposto, a referida instituição bancária com base nas declarações daquela e nas diferenças de ortografia existentes entre a assinatura constante do cheque e a existente na ficha bancária, recusado proceder ao pagamento do mencionado cheque.

    3 - Ora, salvo melhor opinião encontra-se a matéria de facto incorrectamente julgada.

    4 - Não se devem dar como provados os factos constantes dos parágrafos sexto, sétimo, oitavo, nono, décimo, décimo segundo, décimo terceiro, décimo quarto, décimo quinto e décimo sexto da douta sentença, para a qual por brevidade se remete.

    5 - A convicção do Tribunal a quo assentou, conforme se extrai da sua respectiva motivação de facto, fundamentalmente, na verosimilhança da versão narrada pelas testemunhas da acusação considerando o Tribunal recorrido, em contrapartida, que a versão dos factos narrados e resultantes das declarações prestadas pelos arguidos, como sendo inverosímeis, à luz da experiência comum e de juízos de valor sobre o comportamento do homem médio.

    6 - Compete indiscutivelmente ao Tribunal o acto de julgar que, conforme tem sido salientado pela jurisprudência, assenta, essencialmente, na operação intelectual da formação da / convicção.

    7 - Ora tal operação não se reduzindo a um simples encadeamento lógico-dedutivo, resulta, nos próprios termos da lei, de dados objectivos e determinantes para uma formulação lógico-intuitiva.

    8 - A formação da convicção do Tribunal terá, nessa medida, e num primeiro momento, de assentar na recolha de elementos relativos à existência ou inexistência de factos e situações com relevância para a elaboração da sentença.

    9 - Porém essa apreciação, não obstante livre, não é, nem pode ser arbitrária, visto ser motivável e controlável, condicionada pelo princípio da persecução da verdade material.

    10 - Um dos elementos determinantes e que constitui um fio condutor ao longo da motivação da matéria de facto dado como provada na douta sentença recorrida, prende-se com a determinação das circunstâncias em que se desenrolou o encontro entre os arguidos e o lesado E.........., no feriado do dia 1 de Dezembro de 2001.

    11 - Ora julgamos que é precisamente em relação a este momento tão decisivo, que as testemunhas da acusação demonstraram importantes contradições que, à luz de um homem médio, põem precisamente em crise a versão dos factos relativos à entrega das chaves e do cheque, narrados pelas mencionadas testemunhas.

    12 - Ora o próprio Tribunal a quo, não foi insensível às contradições das testemunhas arroladas pela acusação, tendo expressamente referido na sentença recorrida que as mesmas hesitaram e chegaram a contradizer-se, quando questionadas sobre o modo como cada uma delas se deslocou no dia 1 de Dezembro ao local, isto é, ao estabelecimento comercial.

    13 - No entanto entendeu a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo que essas mesmas contradições seriam facilmente explicáveis à luz do tempo decorrido sobre os factos e que tais hesitações seriam mais consentâneas com um depoimento de acordo com a verdade.

    14 - Considerou o Tribunal a quo que o fundamental neste contexto, isto é, quanto aos depoimentos prestados pelas testemunhas da acusação, assenta na aferição da razoabilidade da presença dos mesmos naquele local. Essa presença, que acaba por constituir um elemento preponderante para a credibilidade dos depoimentos prestados, decorre, segundo a sentença recorrida, da normalidade da vida, da circunstância de as testemunhas serem familiares directos do ofendido e de lhes ser exigível que ali estivessem a ajuda-lo na tarefa de retirar do locado as peças ainda aí depositadas.

    15 - Ora, permitimo-nos discordar do referido raciocínio por incorrer em leitura errónea da prova produzida, erro esse notório, isto é, que não escapa à observação de um homem de formação média.

    16 - Nessa medida e ao valorar contra os arguidos o depoimento das testemunhas G.......... [cassete nº 3, lado A, desde o número 1560 ao nº 2111], H.......... [cassete nº 3, lado A, desde o nº 2150 ao nº 2531 e cassete 3, lado B, desde o nº 0000 ao nº 0275], E.........., [cassete nº 2, lado B, desde o número 1910 ao nº 2536 e cassete 3, lado A, desde o número 0000 ao nº 0863] e I.......... [cassete nº 3, lado A, desde o nº 0901 ao nº 1504], cometeu o tribunal a quo erro notório na apreciação da prova, tal como configura o disposto no art. 410º, nº 2, al. c) do C.P.P.

    17 - Em contrapartida não levou o tribunal a quo em conta prova produzida que imporia decisão diversa da recorrida.

    18 - Com efeito e conforme se refere na douta sentença recorrida, negaram os arguidos B.......... e C.......... a co-autoria dos factos imputados.

    19 - Ademais Não julgamos ser razoável e verosímil, ao contrário do que se expõe na sentença recorrida, que para a suposta entrega das chaves do locado e o retirar de umas poucas coisas que restavam no mesmo, se tenham deslocado quatro elementos de uma família.

    20 - Acresce que todas as testemunhas, embora não se recordando do sítio, mais ou menos exacto, onde se encontrariam no estabelecimento aquando da entrega do cheque, afirmaram, sem excepção, terem visto a entrega do mesmo pelos arguidos B.......... e C.........., ao E.......... .

    21 - Ora não fugimos à evidência que mesmo fora dos casos em que as testemunhas procedem a um depoimento parcial, ocultando ou até deturpando os factos sobre os quais são chamadas a depor, erros de percepção e falhas de memória podem falsear as declarações de ciência que produzem (vide José Lebre de Freitas, in A Acção Declarativa Comum, À luz do Código Revisto, Coimbra Editora, Ano 2000).

    22 - Porem é de estranhar que as testemunhas da acusação tendo, em relação a diversos aspectos relativos ás circunstâncias em que se desenrolou o encontro no estabelecimento no dia 1 de Dezembro, hesitado ou mesmo entrado em contradição conforme supra exposto, todos elas se tenham, no entanto, recordado tão bem do facto, de o cheque ter sido entregue pelos já mencionados arguidos ao seu familiar E.......... .

    23 - Ora dependendo o valor da prova, fundamentalmente, da sua credibilidade, deve o julgador, salvo melhor opinião, rodear-se de especiais cuidados, quando procede à valoração da prova testemunhal, atenta a carga subjectiva inerente. Nessa medida impõe-se aferir cuidadosamente da idoneidade daquele(s) que depõe(m) ou presta(m) declarações.

    24 - Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto com a certeza da verdade alcançada.

    25 - Para a operação intelectual contribuem, assim, regras, impostas por lei, como sejam as da experiência, a percepção da personalidade do depoente, a da dúvida inultrapassável, plasmada no princípio in dubio pro reo.

    26 - o Tribunal a quo errou no julgamento da matéria de facto.

    Com e efeito, e salvo melhor opinião, não poderia o Tribunal, de acordo com a prova produzida em audiência, designadamente o depoimento das testemunhas G.......... [cassete nº 3, lado A, desde o número 1560 ao nº 2111], H.......... [cassete nº 3, lado A, desde o nº 2150 ao nº 2531 e cassete 3, lado B, desde o nº 0000 ao nº 0275], E...

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