Acórdão nº 0742543 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 19 de Setembro de 2007

Magistrado ResponsávelMARIA ELISA MARQUES
Data da Resolução19 de Setembro de 2007
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

I - Relatório Acordam os Juízes, em audiência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: No .º Juízo Criminal de Espinho, .ª secção, no âmbito do proc. nº .../05.5TAESP, foi submetido a julgamento, em processo comum, com intervenção de tribunal singular, o arguido: B.........., filho de C.......... e de D.........., natural de .........., concelho de Espinho, nascido em 29 de Abril de 1954, casado, afinador de máquinas, residente na Rua .........., n.º ..., .........., Anta, Espinho.

Por sentença de 18.1.20067, o tribunal decidiu nos seguintes termos: "julgo as acusações deduzidas contra o arguido B.......... totalmente procedentes, e o pedido de indemnização civil formulado contra o mesmo parcialmente procedente, e, em consequência: a) condeno o arguido pela prática, em autoria material, de um crime de ameaça, p.º e p.º pelo art.º 153.º n.º 1 do C. Penal, na pena de sessenta dias de multa, à taxa diária de cinco euros, o que perfaz o quantitativo global de trezentos euros; b) mais condeno o arguido pela prática, em autoria material e concurso real, de um crime de injúria, p.º e p.º pelo art.º 181.º n.º 1 do C. Penal, na pena de setenta dias de multa, à taxa diária de cinco euros, o que totaliza trezentos e cinquenta euros; c) ainda condeno o arguido pela prática, em autoria material e concurso real, de um crime de dano, p.º e p.º pelo art.º 212.º n.º 1 do C. Penal, na pena de cento e noventa dias de multa, à razão diária de cinco euros, totalizando novecentos e cinquenta euros; d) em cúmulo condeno o arguido na pena unitária de duzentos e sessenta dias de multa, à taxa diária de cinco euros, no total de mil e trezentos euros; e) condeno o arguido no pagamento de taxa de justiça que se fixa em três U.C.´s, à qual deverá acrescer um por cento nos termos do art.º 13.º n.º 3 do Decreto-lei N.º 423/91, de 30 de Outubro, e nas demais custas, com o mínimo de procuradoria; f) após trânsito, remeta boletins à D.S.I.C. (art.º 5.º n.ºs 1 a) e 3 do Decreto-lei N.º 57/98, de 18 de Agosto); g) condeno o lesante, B.........., a pagar à lesada, E.........., a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia global de mil e quinhentos euros; h) ainda condeno o lesante a pagar à lesada, a título de indemnização pelos prejuízos sofridos pela caixa registadora e pelo telefone, a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença; i) mais condeno o lesante e a lesada no pagamento das custas cíveis do processo, na proporção do respectivo decaimento (art.ºs 523.º do C. P. Penal e 446.º n.º 3 do C. P. Civil).

* 2. Inconformado, recorreu o arguido formulando nas respectivas motivações as seguintes conclusões (transcrição): "1.° O crime de dano é na sua essência típica, o acto de alguém destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa alheia, sendo punível com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.

  1. Salvo melhor entendimento, afigura-se que o Meritíssimo Juiz "a quo" perfilhou uma concepção errónea do conceito de "coisa alheia".

  2. O mesmo entende que a comunhão conjugal e a compropriedade estão sujeitas ao mesmo regime jurídico-penal. Integrando os mesmos o conceito de coisa alheia e assim susceptíveis de serem objecto do crime de dano.

  3. Ora, tal concepção não é aceite pela generalidade da Jurisprudência nacional.

  4. O Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 16 de Março de 2005, processo 0414177, o Acórdão da Relação do Porto, de 26-01-97, processo 145/96, e ainda, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3-07-96, processo 96P003, são conclusivos no sentido de que os bens comuns do casal não são "alheios".

  5. Na comunhão matrimonial de bens há um conjunto patrimonial unitário sobre o qual incide um só direito com dois titulares. Estes não são titulares de quotas, ainda que ideais, sobre o todo, durante a vida da comunhão, e muito menos sobre bens concretos inseridos na comunhão.

  6. Pelo sobredito impõe-se considerar que, no caso sub iudice, estamos sempre perante bens próprios.

  7. E, por conseguinte, não se encontram preenchidos os elementos típicos do crime de dano, não sendo assim merecedor de qualquer juízo de censura jurídico-penal.

  8. Ora, tratando-se de propriedade comum de que o aqui recorrente é titular, se reacção houvesse teria que ser sob a tutela do direito civil, pois o comportamento aqui referido cai fora das margens da punibilidade jurídico-penal.

  9. Quanto ao crime de ameaça, este tem como elemento essencial que exista ameaça com mal futuro.

  10. "O mal, objecto da ameaça, não pode ser eminente, pois que, neste casos, estar-se-á diante de uma tentativa de execução do respectivo acto violento, isto é, do respectivo mal (como refere Américo Taipa de Carvalho in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra, 1999, pág. 343).

  11. Do exposto se conclui que o Recorrente ao danificar os bens comuns do casal, concretizou o mal, ou seja, vingou-se.

    13.0 Daqui resulta que não estamos perante um mal futuro e, por isso mesmo, não se verifica crime de ameaça.

  12. A douta decisão recorrida violou, por erro de interpretação, o disposto nos artigos 212°, n.º 1 e 153°, n.º 1 do Código Penal, ao fazer as interpretações que supra se deixaram explanadas, quando tais normativos só podem ter as interpretações que, também, se deixaram expressas nas conclusões precedentes, o que determina não poder subsistir a condenação pela prática dos crimes de dano e ameaça.

  13. Assim e como decorrência lógica deverá a indemnização em que o Tribunal "a quo" condenou o arguido, aqui Recorrente, ser reduzida, em face e na medida do supra exposto, e na adequada proporção.

    Decidindo-se como se decidiu violou-se o disposto nos artigos 212°, nº 1 e 153°, nº 1, todos do Código Penal, *Na resposta, o M P, pronuncia-se no sentido da improcedência do recurso.

    A assistente contra-motivou concluindo nos seguintes termos (transcrição): 1 - A matéria de facto encontra-se definitivamente assente.

    2 - O crime de dano, previsto e punido pelo citado artigo 212°, n.º 1, sanciona os comportamentos de quem «(...) destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tomar não utilizável coisa alheia».

    3 - Tutela-se sobretudo a propriedade plena sobre a coisa danificada, (atente-se na exigência legal de que a coisa seja alheia) mas, tal implica que também se tutelem os direitos de gozo, fruição e guarda, pois que é este, também, o interesse do sujeito passivo do ilícito.

    (Neste sentido, cf. Prof. Costa Andrade, "Comentário Conimbricense do Código Penal", tomo 11, Coimbra, 1999, pág. 212; Dr. José António Barreiras, "Crimes contra o património no Código Penal de 1995", Lisboa, 1996, pág. 29, e Dr. Luís Osório, "Notas ao Código Penal Português", tomo IV, 2.a edição, Coimbra, 1925, pág. 24: «a palavra "alheio" pressupõe a pertença a outra pessoa» - Vide ainda Acórdão da Relação de Lisboa de 9 de Abril de 1997, in Col. Jur., Ano XXII, Tomo 11, pág. 146.) 4 - A propriedade, enquanto bem jurídico-penal específico pressupõe uma relação de exclusividade entre a pessoa e a coisa, de que resulta um direito à integridade desta última, quer na sua substância, quer na sua utilizabilidade, quer ainda no seu valor estético.

    5 - Integridade esta afectada pelas condutas que tipificam o crime de dano (destruição, danificação, desfiguração ou inutilização) cujo resultado final é a afectação da relação do dominus com a coisa.

    6 - A prática do crime de dano pressupõe, antes de mais, que o agente saiba, que a coisa lhe não pertence (nisto se traduzindo o elemento intelectual do dolo - coisa alheia - consciência da ilicitude), a par da vontade (mais ou menos "intensa", consoante a modalidade directa, necessária ou eventual do dolo - artigo 14° do CP), pelo mesmo agente, de praticar conduta conducente a um dos resultados previstos no tipo (elemento volitivo do dolo).

    7 - Conforme escreve o Prof. Costa Andrade (obra e tomo citados, pág. 212) o conceito de coisa alheia contrapõe-se ao conceito de propriedade plena, «já é alheia a coisa de que o agente é apenas comproprietário».

    8 - Pelo que a danificação, por um dos cônjuges, de bens comuns do casal (e estando reunidos os demais elementos objectivos e subjectivos do tipo, como é evidente) constitui crime de dano.

    9 - Atendendo ao bem jurídico tutelado, o conceito de património comum não exclui a característica de "coisa alheia" como objecto do comportamento típico, em causa.

    10 - No caso dos presentes autos, estamos perante condutas do arguido /recorrente, clara e inequivocamente dirigidas à danificação de bens que ele sabia pertencerem ao património comum do casal (e não ao seu próprio património pessoal).

    11 - Assim, configurados os demais pressupostos exigíveis ao efeito, é...

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