Acórdão nº 2384/10.3TAFAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 21 de Junho de 2011

Magistrado ResponsávelANA BACELAR CRUZ
Data da Resolução21 de Junho de 2011
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora I. RELATÓRIO No processo de inquérito que, com o nº 2384/10.3TAFAR, correu termos pela 2.ª Secção dos Serviços do Ministério Público de Faro, foi proferido despacho que concluiu pelo arquivamento dos autos, por inexistência de crime, relativamente aos factos constantes da queixa apresentada por Johannes, casado, reformado, residente…, em Estói, contra Beryl, casada, doméstica, residente … em Estói.

Não se conformando com tal decisão do Ministério Público, Johannes.., constituído Assistente nos autos, requereu a abertura da instrução.

Remetido o processo à distribuição, a Senhora Juiz de Instrução Criminal rejeitou o requerimento de abertura de instrução.

Inconformado com esta decisão, o Assistente dela interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões [transcrição]: «A. Face ao exposto, e no que concerne à eventual responsabilidade criminal da Denunciada Beryl, por factos praticados contra a pessoa do Assistente Johannes , sempre se dirá que os mesmos foram convenientemente denunciados por este.

  1. Sendo certo que correspondem a factos que consubstanciam a prática de um crime de coacção contra o Assistente.

  2. Pelo que não tendo o Ministério Público deduzido a competente acusação é permitida a abertura de instrução, por parte da Assistente, o sentido de tais factos serem levados a julgamento, por meio de pronúncia, e assim, ser aplicada à Denunciada uma pena, devida pela sua prática.

  3. Termos em que foi requerida a abertura de instrução.

  4. No requerimento de abertura de instrução veio o Assistente “invocar as razões de facto e de direito de discordância relativamente à não acusação, bem como indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo e dos meios de prova não considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar”(Cfr. n.º 2 do Art. 287° do Código de Processo Penal).

  5. Incluiu também os elementos exigidos pelo Art. 283° n.º 3 do Código de Processo Penal, nomeadamente a identificação da Denunciada, a narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena, as circunstância de tempo e espaço em que ocorreram, bem como explicitando a sua motivação, indicando as testemunhas e outras provas.

  6. Por lapso manifesto o Assistente não indicou as disposições legais aplicáveis, no entanto tipificou o crime praticado pela Denunciada H. Bem assim, o Assistente alegou que no seu entendimento todo o documento materializava o ilícito criminal, pelo que ofereceu a sua tradução integral e requereu a respectiva reapreciação I. Contudo, este facto não deveria ser motivo de rejeição do requerimento de abertura de instrução, sendo que o Recorrente deveria ter sido convidado a apresentar novo requerimento.

  7. De acordo com o n.º 3 do Art. 287.º do Código de Processo Penal, o requerimento para abertura de instrução só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução.

  8. Como se reconhecerá, o facto do requerimento em análise não conter todos os requisitos legais/formais não integra nenhuma daquelas situações, não podendo ser rejeitado liminarmente por esta razão.

    L. Salvo melhor opinião a questão deve ser tratada a luz do disposto no Art. 123° n.º 2 do Código de Processo Penal.

  9. Uma vez que o requerimento para abertura de Instrução não contém os requisitos referidos, não delimitando o objecto do processo, enferma de irregularidade que afecta o valor do acto praticado.

  10. Assim deve ser ordenada oficiosamente a sua reparação como resulta do Art. 123° n.º 2 do Código de Processo Penal (Neste sentido o Acórdão Relação de Lisboa de 19.03.03, in Colectânea de Jurisprudência TII, 131).

  11. Fundamenta-se, para além disso, o despacho de rejeição de abertura de instrução na forma insuficiente da descrição dos factos objectivos que consubstanciam a prática do ilícito e que o mesmo é omisso ao nível doa elementos integradores do dolo, não existindo preenchimento do tipo subjectivo de ilícito.

  12. Incumbe ao Assistente alegar os factos que se revelam essenciais para a imputação do crime ao agente.

  13. Sendo de referir que “o dolo enquanto vontade de realizar o tipo com conhecimento da ilicitude (consciência), há-de aprender-se através de factos (acção ou omissões) materiais e exteriores, suficientemente reveladoras daquela vontade, de onde se possa extrair uma opção consciente de agir desconforme à norma jurídica.” (cfr. Ac. STJ de 08 de Outubro 2010).

  14. Logo ao Assistente incumbe unicamente alegar os factos nos quais se consubstancia a denúncia, e dos quais resulta evidente a intenção de os praticar, o que este fez.

  15. Ainda que assim se não entendesse, sempre incumbia ao Juiz de Instrução ordenar que fosse completado o requerimento apresentado, uma vez que dispunha de todos os restantes elementos.

  16. Sendo evidente pela descrição dos factos alegados pelo Assistente que os mesmos foram cometidos pela Denunciada a título de dolo, até pelas expressões constantes desse mesmo requerimento e do documento a ele anexo que aqui se dão por integralmente reproduzidas e donde resulta que a Denunciada agiu intencionalmente, com plena consciência da ilicitude da sua conduta.

  17. Foram alegados factos que consubstanciam a prática de um crime de coacção contra o Assistente, bem como alegados os fundamentos de direito que permitem que a Denunciada, sendo submetida a julgamento, possa defender-se, já que contra ela pendem factos concretos, exaustivamente descrito a e alicerçados em fundamentos de direito, que lhe imputam a prática do crime em causa.

    V. Pelo que sempre seria de admitir que fosse deferido o requerimento de abertura de instrução deduzido pelo Assistente.

    NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO QUE V. EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVE O PRESENTE RECURSO TER PROVIMENTO, DEVENDO O DOUTO DESPACHO DE REJEIÇÃO DO REQUERIMENTO DE ABERTURA DE INSTRUÇÃO SER REVOGADO, DETERMINANDO-SE A SUA SUBSTITUIÇÃO POR DESPACHO DE DEFERIMENTO, DECLARANDO-SE, EM CONSEQUÊNCIA ABERTA A INSTRUÇÃO.

    ASSIM SE FAZENDO A MAIS RECTA E SÃ JUSTIÇA!» O Ministério Público respondeu, formulando as seguintes conclusões [transcrição]: «I) Verifica-se desde logo que o que o assistente, ora recorrente pretende é que a denunciada Beryl venha a ser pronunciada pela prática de um crime de coacção, sem que sequer tenha sido por si indicada a disposição legal incriminatória, como se lhe impunha, descrevendo para o efeito, factos objectivos que no entender do assistente consubstanciam a prática do ilícito, sendo que o faz de forma insuficiente, pois que, o teor do escrito que imputa à denunciada e que em seu entender são ilícitos apenas encontram escritos em língua inglesa.

    II) De facto, não se poderá considerar que a remissão que faz para um documento que contém a tradução do escrito, seja adequada e suficiente a suprir a omissão da descrição desses factos.

    III) Por outro lado, não consta no requerimento a narração de quaisquer factos que traduzam a consciência pela denunciada, de que ao proceder no modo descrito na acusação, iria atingir o bem jurídico tutelado pela incriminação.

    IV) Em face da argumentação do Assistente, temos como certo, que não se encontra preenchido – ainda que no possível ou como base de partida – o quanto vem disposto no art. 287º, n.º 3 do C.P.P., o que equivale a dizer que não pode cumprir a função processual a que estaria vocacionado, pois não se projecta como uma acusação alternativa.

  18. Por outro lado, recentemente, o STJ, através do Acórdão de 12/05/2005, proferido no processo nº 430/2004 – 3ª Secção, publicado no DR, Série I –A, nº 212, de 4/11/2005, veio uniformizar a jurisprudência no sentido de que «não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do artigo 287º, nº 2 do C.P.P., quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido.

    VI) Dada a função do requerimento para abertura da instrução por parte do assistente, existe uma semelhança substancial entre tal requerimento e a acusação. Daí que o artigo 287º, n.º 2, remeta para o artigo 283º, n.º 3, alíneas b) e c), ambos do Código de Processo Penal, ao prescrever os elementos que devem constar do requerimento para a abertura da instrução.

    VII) Assim, o assistente tem de fazer constar do requerimento para abertura da instrução todos os elementos mencionados nas alíneas referidas do n.º 3 do artigo 283º do Código de Processo Penal.

    VIII) Tal exigência decorre de princípios fundamentais do processo penal, nomeadamente das garantias de defesa e da estrutura acusatória. É, portanto, uma solução suficientemente justificada e, por isso, legitimada. De resto, a exigência feita ao assistente na elaboração do requerimento para abertura de instrução é a mesma que é feita ao Ministério Público no momento em que acusa.

    IX) Em face destas considerações, concluiu o Tribunal Constitucional, que a exigência de indicação expressa dos factos e das disposições legais aplicáveis no requerimento para abertura de instrução apresentado pelo assistente, não constitui uma limitação efectiva do acesso do direito e aos tribunais. Com efeito, o rigor na explicitação dos fundamentos da pretensão exigido aos sujeitos processuais (que são assistidos por advogados) é condição do bom funcionamento dos próprios tribunais e, nessa medida, condição de um eficaz acesso ao direito.

    Assim, e sem mais desenvolvidas considerações, por supérfulas, o recurso tem inevitavelmente de improceder.

    Este é o nosso entendimento, A justiça Será de V. Exas !» Respondeu a denunciada Beryl, formulando as seguintes conclusões [transcrição]: «1.

    No âmbito dos presentes autos, o Denunciante imputou à Denunciada a prática de um crime de coacção, previsto e punido nos termos do artigo 154.º do Código Penal. Contudo, 2.

    E após análise do referido normativo concluímos que comete o crime de coacção “quem, por meio...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT