Acórdão nº 9219/2004-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 02 de Fevereiro de 2006

Magistrado ResponsávelFERNANDA ISABEL PEREIRA
Data da Resolução02 de Fevereiro de 2006
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)
  1. Relatório: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: G, SA, intentou, em 10 de Março de 1999, no Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra M, SPA, pedindo a condenação desta - a pagar-lhe: a) Esc. 22.895.134$00, a título de indemnização por incumprimento contratual decorrente do fornecimento pela ré à autora de veículos defeituosos; b) Esc. 25.000.000$00, a título de indemnização por danos não patrimoniais decorrentes quer da frustração da legítima expectativa da autora relativamente à continuidade da relação contratual, quer da degradação do bom nome da autora motivada pela súbita e inesperada denúncia do contrato pela ré, operada sem qualquer pré-aviso; c) Esc. 9.537.414$00 a título de indemnização pelos danos patrimoniais causados à autora e decorrentes da denúncia do contrato pela ré sem qualquer pré-aviso, nos termos do nº 2 do artº 22º do Decreto - Lei nº 178/96; d) Esc. 20.636.640$00 a título de indemnização de clientela, calculada nos termos previstos no artº 33º do Decreto - Lei nº 178/86; - a retomar-lhe a totalidade das peças que esta possui em stock, devidamente inventariadas, pelo preço correspondente ao que a autora obteria com o comércio das mesmas, no valor de esc. 64.109.910$00.

    Para tanto alegou, em síntese, que tem por objecto a importação e distribuição de veículos automóveis de grande prestígio e que celebrou em Novembro de 1987 com a ré um contrato de distribuição exclusiva para todo o território nacional dos veículos automóveis da marca Maserati, relação essa que se manteve, ininterruptamente, por cerca de 10 anos, período durante o qual a autora promoveu esforçadamente a marca, sem embargo de se ter debatido com inúmeros problemas de qualidade e fiabilidade dos veículos, o que lhe determinou despesas avultadas.

    Inesperadamente, no dia 16 de Setembro de 1996, a ré comunicou-lhe por carta a intenção de fazer cessar a relação de concessão de venda com o pré-aviso estipulado "no normativo em vigor", intenção essa que nunca chegou a ser concretizada, porquanto no dia 17 de Outubro desse ano e na sequência do acordo realizado em Paris a ré lhe enviou outra missiva na qual referia que contava ter disponível após essa data o contrato CEE, mantendo as suas relações contratuais com toda a normalidade.

    Em 30 de Setembro de 1997, contra as legítimas expectativas da autora, a ré comunicou-lhe a decisão de pôr termo ao referido contrato, o que lhe causou prejuízos, que descriminou.

    Na contestação a ré alegou, em suma, que nunca foi celebrado um contrato (formal) de concessão comercial e que a carta de 16.9.96 configura uma verdadeira declaração (e não mera intenção) de denúncia da relação contratual vigente, denúncia que respeitava o pré-aviso de um ano previsto no Regulamento da Comissão nº 1475/95 de 28.6 e que não foi por revogada, tendo operado em 30.9.97. Negou ainda que tivesse havido registo de denúncias de defeitos nos veículos e pugnou pela improcedência da acção e, bem assim, pela condenação da autora em multa e indemnização por litigância de má fé.

    A autora deduziu réplica, na qual conclui como na petição inicial.

    A ré requereu o desentranhamento da réplica por entender que tal articulado não era, no caso, admissível porque em ponto algum da contestação se defendeu por excepção, pretensão que lhe foi indeferida por despacho de fls. 305, no qual se escreveu, além do mais, o seguinte: "No caso vertente, a ré veio também alegar que «expirara» o acordo que celebrara com a autora, que não havia qualquer exclusividade e que não existiu incumprimento da sua parte.

    Trata-se, obviamente, de factos modificativos ou extintivos do direito invocado pela autora, pelo que constitui matéria de excepção.

    Acresce que sempre haveria lugar ao articulado para resposta à invocada litigância de má fé.

    De toda a forma, em tudo o que extravasar a sua função específica, não será evidentemente considerado o articulado em causa.

    " Deste despacho agravou a autora, formulando na respectiva alegação as seguintes conclusões: 1ª A decisão recorrida ao indeferir o desentranhamento de uma réplica que o artigo 502º nº 1 do CPC não admite, violou frontalmente o citado preceito legal.

    1. A decisão recorrida ao qualificar como «articulado» peça processual não prevista nos artigos 467º e segs., 486º e segs., 502º e segs. e 506º e segs., violou os citados preceitos legais.

    2. A decisão recorrida ao desconsiderar que são diferentes os prazos para apresentação em juízo da réplica ex vi do artigo 502º nº 3 e da peça de resposta ao pedido de condenação de litigância de má fé ex vi do artigo 153º do CPC, violou os citados preceitos legais.

      Houve contra alegação, na qual a autora sustentou a manutenção do despacho recorrido.

      Foi proferido despacho de sustentação.

      A ré arguiu a fls. 493 a nulidade do acto processual de inquirição de testemunha por carta-precatória realizado no dia 21 de Setembro de 2000 na Vara Mista de Coimbra, com fundamento em que o seu mandatário foi notificado da data marcada para a diligência sem que tenha sido cumprido o disposto no artigo 155º nº 1 do Código de Processo Civil e, não tendo o mesmo comparecido na data designada, foi a inquirição realizada sem a presença do seu mandatário.

      Por despacho proferido em 9 de Novembro de 2000, (fls. 544) a nulidade arguida foi indeferida por se entender que do despacho que determinou a realização da inquirição cabia recurso.

      De novo agravou a ré, formulando na sua alegação a seguinte síntese conclusiva: 1ª A agrvda. requereu a expedição de carta precatória junto do Tribunal da Comarca de Coimbra para inquirição de testemunha que residia nessa comarca.

    3. A 2a Secção da Vara Mista de Coimbra notificou a a agrvda. e a agrvte. da data designada para inquirição, sem dar cumprimento ao artigo 155° do CPCv.

    4. Porque o mandatário da agrvte. estava impossibilitado de comparecer comunicou ao Tribunal deprecado, via fax, a sua impossibilidade de comparecer e solicitou marcação de nova data para a realização da diligência, dando conhecimento desse facto ao Ilustre mandatário da argvda..

    5. No dia designado para inquirição o Tribunal deprecado procedeu à inquirição da testemunha arrolada pela argvda., estando presente apenas o Ilustre mandatário da argvda. que arrolou a testemunha, fazendo menção desse facto nos autos e apoiando-se na recente alteração legislativa do processo civil.

    6. O mandatário da agrvte., porque não estava presente nem foi notificado, apenas tomou conhecimento da realização da diligência dias depois, por contacto telefónico, arguindo de imediato a nulidade do acto processual de inquirição da testemunha arrolada pela argvda. na ausência do mandatário da agrvte.

    7. Fundou-se o mandatário da agrvte. na alínea c) do n° 1 do art. 651° do CPCv, na redacção dada pelo DL 329-A/95 de 12.12, que previa o adiamento da audiência no caso de falta de advogado, mas sem cumprimento quanto ao faltoso do disposto do disposto no art. 155º para a nova data.

    8. Fez por isso, no nosso entendimento, o Tribunal deprecado errada aplicação da lei, tendo cometido uma nulidade que influiu na decisão final, aplicando o Tribunal o Código de Processo Civil já com as alterações decorrentes do DL 183/2000 de 10 Agosto, o que também lhe era vedado.

    9. Sucede que o Tribunal deprecante indeferiu a aludida arguição de nulidade por entender que a agrvte. devia ter recorrido do despacho, proferido pelo Tribunal deprecado no dia da inquirição e na ausência do mandatário da agrvte. e onde o Tribunal deprecado explicava a razão de manter a inquirição para aquele dia.

    10. É desta decisão, de indeferimento da arguição de nulidade, com a qual a agrvte. não se conforma, que foi interposto recurso.

    11. O Tribunal deprecante entendeu que se formou caso julgado, por o Tribunal deprecado se ter pronunciado sobre a situação de impedimento do mandatário e ter procedido com a inquirição, independentemente da sua notificação, em violação do artigo 685° do CPCV.

    12. Tal entendimento é a nosso ver errado, uma vez que o despacho é meramente explicativo da manutenção da inquirição, não tendo sido requerido pela agrvte..

    13. Agendada a inquirição sem cumprimento do art. 155°, informado o Tribunal por fax do impedimento do mandatário, competia ao Tribunal adiar a inquirição para nova data, 13ª Ou, caso não o fizesse e procedesse com a inquirição estaria a cometer uma nulidade - art. 201º e 205° do CPCv, 14ª O que não é exigível à parte é que o Tribunal deprecado fundamente o acto de fazer a inquirição já agendada e o mandatário faltoso tivesse de recorrer daquele despacho que não lhe foi notificado, quando já havia arguido a nulidade da prática de acto que a lei não admite.

    14. Sendo o CPCv claro na consequência de adiamento de audiência sempre que o juiz não providencie pela marcação mediante acordo prévio com os mandatários judiciais (art. 651°/2 al. c) do CPCv), 16ª o prosseguir com a inquirição é um acto que a lei não admite, haja ou não despacho explicativo, consubstanciando uma nulidade, nunca se formando caso julgado formal por ser meramente confirmativo do despacho que designou dia para audiência, conforme consta do art. 672° e 679° do CPCv..

      Termos em que, com o douto suprimento de V. Excelências a quanto alegado, deve ser dado provimento ao presente agravo anulando-se a decisão de fls. 544 por violar os artigos 201°, 205° 672°, 679° e 685° do CPCv, com as demais consequências legais, designadamente, declarando-se a nulidade do acto de inquirição praticado por violação do art. 651° n° 2 al. c) e 155° do CPCv e ordenando-se a sua repetição, assim se permitindo o contraditório.

      Na contra alegação a autora defendeu a confirmação do julgado Foi proferido despacho de sustentação.

      Realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré a pagar à autora: "

      1. A quantia (em euros) de 10.000.000$00 a título de indemnização por danos não patrimoniais decorrentes da súbita denúncia do...

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