Acórdão nº 0731626 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 09 de Maio de 2007

Magistrado ResponsávelDEOLINDA VARÃO
Data da Resolução09 de Maio de 2007
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação do Porto I.

O MINISTÉRIO PÚBLICO, em representação do ESTADO PORTUGUÊS, instaurou procedimento cautelar de ratificação de embargo de obra nova contra B……………………. e C……………………., pedindo que fosse ordenada a ratificação judicial do embargo extrajudicial efectuado em 05.06.06.

Como fundamento, alegou, em síntese, que os requeridos procederam à construção de uma moradia que se encontra implantada em terreno pertença do Estado Português, administrado pelo Ministério da Defesa Nacional e afecto ao uso da unidade militar do Exército Português, Regimento de Infantaria …….., instalado na cidade de Vila Real.

Os requeridos deduziram oposição, invocando a caducidade do direito do requerente, por ter conhecimento da existência da obra há mais de 30 dias relativamente à data do embargo, e impugnando os factos alegados pelo requerente.

No decurso da audiência de julgamento, os requeridos pediram a declaração de extinção do procedimento cautelar, por caducidade, alegando que o requerente já havia embargado a obra em 25.05.06, pelo que o presente procedimento cautelar é uma repetição.

Aquele requerimento foi indeferido por despacho de fls. 130.

Prosseguindo a audiência de julgamento, foi proferida decisão que julgou improcedente a excepção de caducidade e, julgando procedente o procedimento cautelar, ratificou o embargo extrajudicial efectuado pelo requerente.

Inconformados, os requerentes recorreram de ambas as decisões, - o que foi admitido como um único recurso - formulando, em síntese, as seguintes Conclusões 1ª - Os requeridos juntaram documento comprovativo de que o embargo efectuado pelo requerente ocorreu em 25.05.06 e só foi pedida a sua ratificação judicial em 08.06.06.

  1. - Por força do princípio da aquisição processual, tanto mais que é um facto provado por documento cuja junção foi admitida e cujo teor e autenticidade não foram impugnados, a Mª Juíza podia e devia conhecer de tal caducidade.

  2. - A caducidade em apreço foi suscitada pelos agravantes no decurso do procedimento cautelar e não se integra em matéria que esteja na disponibilidade das partes, por ser atinente a prazos consignados na lei para o exercício de direitos, pelo que é de conhecimento oficioso.

  3. - Da certidão passada pela CRP de Vila Real, junta como documento nº 3 com o requerimento inicial, verifica-se que se encontra descrito um prédio rústico, sito na ………………., de "terra de mato e pinhal", que confronta do Norte com ………………….., que se encontra inscrito a favor do Estado.

  4. - Da certidão passada pela CRP de Vila Real, junta sob o documento nº 3 com a oposição, verifica-se que se encontra descrito um prédio urbano, sito na ……………, ………………., composto de "casa de rés-do-chão 50 m2 - logradouro - 470 m2", inscrito sob o nº 1888 da freguesia de ………….., inscrito a favor dos agravantes.

  5. - Este documento autêntico não foi impugnado, pelo que está comprovado pelo registo e nos termos do artº 7º do CRP confere a presunção legal de que o respectivo direito de propriedade existe e pertence aos agravantes.

  6. - Situação que é reforçada pela presunção decorrente do registo predial do prédio rústico do Estado, de que o mesmo confronta a Norte com o ……………… ou ……., como também se pode inferir da prova testemunhal gravada.

  7. - Cotejando as respostas dadas à matéria de facto, constata-se que o prédio rústico do Estado se encontra demarcado do …………….. e do urbano inscrito sob o artº 1901º da freguesia de ……………., sendo "a Nascente e a Poente rodeado por outros prédios urbanos", "é delimitado por um muro, construído em tijolo pelos antecessores dos requeridos", "no local em apreço existe uma dupla demarcação, ou seja, muros edificados pelos moradores, a delimitar a sua habitação e uma vedação, com cerca de dois metros de altura, em pedras de cimento ao alto, e três fiadas de arame farpado, cerce aos mesmos", "estando tais prédios, designadamente, o que é possuído pelos requeridos, demarcado com o referido muro de tijolo, há mais de 20 anos, sem oposição de quem quer que seja".

  8. - Os agravantes impugnam também a decisão da matéria de facto, considerando que foram incorrectamente julgados os factos constantes das als. b) a e) e os factos alegados pelos requeridos nos artº 27º, 28º e 32º da oposição.

  9. - Pois do depoimento de todas as testemunhas arroladas pelos requeridos é possível constatar que depuseram em sentido contrário ao decidido.

  10. - Sendo de anotar que o requerente não fez qualquer prova sobre a factualidade provada, pois que as duas testemunhas por si indicadas apenas depuseram sobre a matéria do embargo propriamente dito.

  11. - A Mª Juíza a quo, na fundamentação, refere que as testemunhas apresentadas pelos requeridos corroboraram que o terreno onde está implantado o prédio urbano inscrito a favor dos requeridos integra o prédio militar e que os mesmos afirmam que "ninguém lhes vendeu ou doou os terrenos em causa" e que destes depoimentos resultou demonstrado que "nunca os pais dos requeridos e estes por sua vez podiam estar convencidos de que exerciam um direito próprio, designadamente de propriedade e de que não lesavam direitos alheios".

  12. - Ora, as testemunhas dos requeridos afirmaram unanimemente que o terreno em questão foi doado, e que se encontra autónomo, demarcado e independente do prédio do Estado há 30 anos, estando as pessoas convictas de que exercem direitos próprios e que não lesam direitos alheios.

  13. - Os requeridos têm o prédio urbano registado a seu favor na CRP, habilitando-se ele como herdeiro de seu pai e, por partilha com o irmão, adquiriu-o, requereu o licenciamento da obra junto da CM de Vila Real para ampliação do imóvel, juntando planta de localização, pagando os respectivos encargos, o que lhe foi deferido, hipotecou o referido prédio urbano a favor de um Banco, obtendo empréstimo de € 90.000,00 e obrigando-se por mútuo a pagar tal montante e os respectivos juros até ao limite de € 121.860,00, factos todos provados documentalmente.

  14. - A Mª Juíza fundamentou a sua decisão num contrato de arrendamento outorgado entre a CM de Vila Real e o Exército, o qual foi objecto de impugnação na oposição e no qual não intervieram nem são partes os requeridos, pelo que, ainda que o mesmo tenha existido ou até existisse, ser-lhes-ia inoponível.

  15. - Tal contrato tinha a validade de dois anos a contar de 01.06.76, pelo que terá caducado, o que se invoca para todos os efeitos legais.

  16. - Não foi sequer alegado, nem se alcança, como é que a Mª Juíza concluiu que tal terreno faz parte integrante do domínio público do Estado.

  17. - Ainda que tal terreno tivesse sido parte integrante do prédio rústico do Estado, constituído que é por monte, e nunca tendo estado no uso directo e imediato do público em geral, ou uso imemorial, sempre seria um prédio pertencente ao domínio provado do Estado.

  18. - E, como tal, autonomizável ou desanexável e usucapível, atento esse título existente a favor dos ora agravantes.

  19. - E ainda que se admitisse que alguma vez integrou o domínio público do Estado, sempre dele teria sido desafectado, como resultaria pela prática reiterada durante os últimos 30 anos dos factos descritos e provados nas als. h) a af) da decisão da matéria de facto.

  20. - Desafectação que pode ser expressa ou tácita, como foi decidido no Ac. do STJ de 29.04.93, "(…) a coisa pública ingressa ou reingressa dentro da categoria do comércio jurídico - artº 201º, nº 1 do CC - logo que, conforme as circunstâncias, haja uma desafectação do domínio público, expressa ou tacitamente".

  21. - Do artº 412º, nº 1, 2ª parte do CPC resulta que um dos requisitos é que a obra cause ou ameace causar prejuízo, o que não foi alegado nem provado.

O requerente contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.

A Mª Juíza sustentou os despachos.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

*II.

O tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos:

  1. Os réus procedem à construção de uma moradia com cerca de 140 m2, que se encontra em fase de telhado.

  2. O terreno em que desenvolve a construção da moradia é pertença do Estado Português, sendo administrado pelo Ministério da Defesa Nacional, estando afecto ao uso da Unidade Militar do Exército Regimento de Infantaria nº …….., instalado nesta cidade de Vila Real.

  3. A parcela de terreno onde está a ser edificada a moradia está integrada num terreno mais vasto, pertença do Estado Português, que consta registado como prédio Rústico - Prédio Militar nº 14 e que está registado na CRP de Vila Real sob o nº 00896/230893.

  4. Tal parcela de terreno do Estado Português está situada geograficamente nas cartas juntas com a petição inicial.

  5. Tal prédio militar nº 14 foi arrendado à CM de Vila Real há cerca de 30 anos para instalar as famílias regressadas em 1975 das ex-colónias portuguesas, onde foram construídas casas pré-fabricadas.

  6. Tal obra foi edificada no lugar citado sem qualquer autorização, nomeadamente do proprietário do terreno - Estado Português - ou de qualquer entidade militar.

  7. Por isso mesmo, no dia 05.06.06, o Tenente Coronel D…………………., na qualidade de Delegado do Regimento de Infantaria nº ……. e por nomeação do seu Comandante, deslocou-se ao local da edificação da moradia, onde, na presença de duas testemunhas, procedeu ao embargo extra judicial, lavrando o respectivo auto.

  8. A obra em apreço foi licenciada em 31.01.06 pela CM de Vila Real.

  9. Tal obra começou no início de Abril de 2006...

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