Acórdão nº 0625955 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 06 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelPEREIRA DA SILVA
Data da Resolução06 de Março de 2007
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Apelação nº 5955/ 06 - 2.

Apelantes/Autoras: B………. e C………. .

Apelada/ Ré: Rede Ferroviária Nacional.

-------------------------------------------------------------- Apelante/Ré: Rede Ferroviária Nacional.

Apeladas/Autoras: B……… e C………. .

1) Relatório.

1.1) A Autora B………. por si e em representação da sua filha menor C………., intentou acção contra C.P. Caminhos-de-ferro, EP e Rede Ferroviária Nacional - Refer, EP, pedindo que fossem condenadas a pagar a quantia de 713.300,00 euros, alegando que no dia 8/12/1999 houve uma colisão entre um comboio e o veículo automóvel conduzido por D………., numa passagem de nível de 5.ª categoria sem guarda, na sequência da qual este veio a falecer.

A linha ferroviária na qual circulava o comboio era bordejada à sua direita por uma barreira natural de terreno que tinha uma altura de cerca de 3 metros, estava a mato, pinhal e arbustos, com uma altura de 1,5m, o que impedia que qualquer condutor de veículo automóvel que pretendesse cruzar a referida via pudesse visualizar a aproximação de comboios pela sua esquerda a mais de 40mts.

O falecido D………., não obstante todos os cuidados que tomou, juntamente com a aqui Autora para atravessar a via férrea não conseguiu evitar a colisão com o comboio que seguia a uma velocidade de mais de 100Km/h, para recuperar o atraso com que se encontrava.

Conclui, assim, que o acidente ficou a dever-se à velocidade excessiva do comboio para as condições da via férrea e à existência dos obstáculos ali existentes à esquerda do condutor do JL.

1.2) A Refer contestou pedindo a improcedência da acção e respectiva absolvição do pedido com fundamento em responsabilidade do condutor do JL na produção do acidente.

1.3) A Ré C.P. contestou pedindo a improcedência da acção e a absolvição do pedido com fundamento em responsabilidade do condutor do JL na produção do acidente.

1.4) Foi proferido despacho saneador, elaborados a especificação e o questionário (fls. 134 a 159 - C).

1.5) Foram proferidas as respostas aos quesitos como se comprova a fls. 456/462.

1.6) No trecho decisivo da sentença proferida exarou-se o seguinte: "Em face do exposto julga-se a presente acção parcialmente procedente, e, consequentemente, decide-se: Absolver a Ré, C.P. - Caminhos-de-ferro E.P.

, do pedido contra si deduzido pela A.

B………, por si e em representação da sua filha menor, C………. .

Condenar a Ré, Rede Ferroviária Nacional - Refer E.P.

, a pagar à Autora, B……… a quantia de 69.941,01€ (sessenta e nove mil, novecentos e quarenta e um euros e um cêntimo), acrescida de juros de mora contados à taxa legal, vencidos desde a citação sobre a quantia de 44.941,01€ e desde 15.12.2005 sobre a quantia de 25.000€, e vincendos até integral pagamento.

Condenar a Ré, Rede Ferroviária Nacional - Refer, EP, a pagar à Autora, C……… a quantia de 176.860,67€, (cento e setenta e seis mil, oitocentos e sessenta euros e sessenta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora contados à taxa legal, vencidos desde a citação sobre a quantia de 101.860,67€ e desde 15.12.2005 sobre a quantia de 75.000€, e vincendos até integral pagamento.

Custas pela Autora e pela Ré, Refer, na proporção dos respectivos decaimentos, sem prejuízo do apoio judiciário concedido à Autora." 1.5) As Autoras vieram interpor recurso da sentença proferida a fls. 541.

1.6) Como veio a Refer de igual modo interpor recurso a fls. 547.

1.7) As Autoras apresentaram as seguintes conclusões: "1ª -- A expressão com "bastante antecedência" constante do ponto 108º da Base Instrutória (facto 103º da sentença) é conclusiva e deve dar-se por não escrita.

  1. -- Relativamente ao mesmo item 108º da Base Instrutória apenas se pode considerar provado que: "O maquinista já conhecia o local do acidente" 3ª - A matéria do item 109º da Base Instrutória (facto 104º da sentença) deve dar-se por NÃO PROVADA.

  2. -- A prioridade absoluta a que refere o artº 3º do Dec- Lei 156/81 não dispensa os seus titulares da tomada de medidas necessárias a precaver acidentes.

  3. -- O maquinista de composição ferroviária, que conhecia o local do acidente e a sua especial perigosidade, não tomou as precauções que as características do local lhe impunham, pelo que actuou com culpa.

  4. -- A Ré, deveria ter imposto, aos seus funcionários maquinistas, a circulação, no local do acidente, a uma velocidade compatível com a especial perigosidade da P.N., velocidade essa que deveria ser não superior a 50 km/h.

  5. -- O condutor do JL não contribuiu com qualquer grau de culpa para a produção do acidente.

  6. -- A Ré CP não afastou presunção de culpa que recai sobre o seu funcionário maquinista da composição ferroviária interveniente no acidente.

  7. -- A indemnização pela perda do direito à vida por parte do D………. deve fixar-se em 50.000,00 €.

  8. -- Os danos não patrimoniais sofridos pela Autora C………. decorrentes da visão da morte e dos seus sofrimentos, angústias e incómodos e em consequência da perda do pai devem merecer indemnização de 100.000,00 €.

  9. -- O dano patrimonial - IPP/ dano futuro de C………. deve fixar-se em 250.000,00 €.

  10. -- Os danos não patrimoniais sofridos pela A. B………. com a visão do acidente e decorrentes da morte do marido, e dos seus sofrimentos e os de ver sua filha no lastimável estado em que está devem ser fixados em 50.000,00 €.

  11. -- Pelas indemnizações devidas é também responsável a Ré C.P." 1.8) Por seu turno a Refer apresentou as seguintes conclusões: "1. A sentença recorrida enferma de notória contradição entre os seus pressupostos e a conclusão.

  1. Perante os factos dados como provados, a conclusão só podia ser a de julgar a acção improcedente.

  2. Na realidade, a decisão de condenar a R. REFER; E.P., salvo melhor opinião, para além de não assentar em fundamento real e inequívoco, entra em manifesta contradição com alguns dos factos dados como provados em que, alegadamente, se baseia.

  3. Com efeito, a decisão proferida merece ser censurada, já que, tendo iniciado de forma correcta a fundamentação de direito aplicável ao caso em apreço, veio a concluir erradamente, quiçá deixando-se impressionar pela crueldade do acidente em si mesmo que, tendo ceifado a vida de uma pessoa, deixou outra marcada para sempre.

  4. Na realidade, conforme ficou suficientemente provado em audiência de julgamento, a passagem de nível (PN) onde ocorreu o acidente estava devidamente sinalizada - cfr. Ponto 15 da fundamentação de facto.

  5. Porém, quanto à colisão, deverá esclarecer-se que, tal como foi respondido ao quesito 109.º, o veículo automóvel encontrava-se imobilizado na passagem de nível.

  6. Do mesmo modo, convirá igualmente esclarecer que a elevação de terreno a que se refere o n.º22 da mesma parte da sentença, sempre existiu até à data da realização das obras de duplicação da via e encerramento da passagem de nível.

  7. Por outro lado, no n.º 24 do mesmo documento refere-se à existência de mato e arbustos, nada se dizendo a quem pertenciam os respectivos terrenos, muito embora as testemunhas da REFER, E.P. tenham confirmado que o terreno correspondente ao domínio público ferroviário estava devidamente aceirado.

  8. Ainda no mesmo sentido, no n.º 27 da fundamentação de facto, nada se diz se tal barreira sempre existiu ou se apareceu naquele local apenas no dia do acidente. De resto, não ficou provado que a existência de tal barreira tenha contribuído para a produção do acidente.

  9. Com efeito, quantos milhares de viaturas terão passado naquele local com as condições existentes e quantas centenas ou milhares de vezes terá lá passado o acidentado, sem ter sofrido qualquer colisão? 11. Repare-se na diferença de texto entre as respostas dos n.os 24 de 27, a qual é bem sintomática da confusão que a sentença sob censura revela.

  10. Do mesmo modo, as respostas à matéria dos n.os 28 e 29 da fundamentação de facto não podem deixar de ser consideradas genéricas, nada provando relativamente ao acidente em discussão nos presentes autos.

  11. Igualmente as respostas n.os 30 e 31 à fundamentação de facto, também nada esclarecem quanto às circunstâncias em que ocorreu o embate do comboio no veículo imobilizado na via-férrea.

  12. Também a resposta n.º 33 da fundamentação de facto é manifestamente estranha já que não houve testemunhas presenciais do acidente.

  13. De qualquer forma, o facto de o falecido D………. e a A. B………. não esperarem a presença do comboio às 10h47m, apenas revela que os mesmos terão facilitado no atravessamento da passagem de nível.

  14. Aliás, a experiência comprova que estes acidentes só ocorrem com pessoas muito habituadas a passar em determinadas passagens de nível, e que por força desse mesmo hábito, deixam de cumprir as mais elementares regras de segurança, como seja: PARE, ESCUTE E OLHE! 17. De facto, estamos certos que se as normas de segurança tivessem sido cumpridas, ou se os acidentados não tivessem facilitado no atravessamento, por não estarem à espera do comboio, não estaríamos certamente a discutir o assunto nestes autos.

  15. Contudo, ao desresponsabilizar a R. CP, e bem, não deveria o tribunal ter-se virado para a R. REFER, E.P. já que esta em nada contribuiu para a verificação do sinistro.

  16. Relativamente à matéria de resposta n.º 40 da fundamentação de facto, estranha-se como é que o falecido se terá apercebido da presença do comboio, já que nenhuma prova foi produzida quanto a tal matéria, bem como da sua percepção quanto à sua morte e da sua filha - resposta n.º 42.

  17. Aliás, se a A. C………. estava dentro do veículo, onde é que estava o falecido? 21. Fora do veículo? A fazer o quê com o mesmo parado bem em cima da PN, com a filha lá dentro e na eminência de ser colhida pelo comboio? 22. É que se assim for, as consequências do acidente não podem deixar de ser imputadas ao falecido e consequentemente todas as sequelas a que se referem os n.os 44 a 69 e 70 a 87 da fundamentação de facto da sentença.

  18. Deve ainda salientar-se que, no n.º 88 da fundamentação de facto, tem-se como provado que a A. B………. está desempregada.

  19. Ora, durante a audiência de julgamento ficou assente que a mesma...

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