Acórdão nº 61/04.3TAFIG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 06 de Dezembro de 2006

Magistrado ResponsávelBR
Data da Resolução06 de Dezembro de 2006
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em audiência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

*I – Relatório.

1.1. No uso da faculdade concedida pelo disposto no artigo 16.º, n.º 3 do Código de Processo Penal [doravante CPP], o Ministério Público deduziu acusação contra os arguidos A...

; B...

e C...

, todos já devidamente identificados nos autos, porquanto autores materiais de factos integrantes, sob a forma consumada, do cometimento: - Pelo primeiro, de um crime de dano qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 213.º, n.º 1, alínea a); 202.º, alínea a) e 26.º do Código Penal [vulgo CP e diploma de que serão os demais preceitos doravante a citar, sem menção da origem), em co-autoria com os arguidos B... e C...; de dois crimes de ofensa à integridade física simples, sendo o primeiro previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1, e, o segundo, cometido em co-autoria com o arguido B..., previsto e punido pelos artigos 143.º, n.º 1 e 26.º; de um crime de ameaça, previsto e punido pelo artigo 153.º, n.º 1 e (na adesão à acusação particular que infra se mencionará) de um crime de injúrias, previsto e punido pelo artigo 181.º, n.º 1.

- Pelo segundo, de um crime de dano qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 213.º, n.º 1, alínea a); 202.º, alínea a) e 26.º em co-autoria com os arguidos A... e C...; de um crime de ofensa à integridade física simples, cometido em co-autoria com o arguido A..., previsto e punido pelos artigos 143.º, n.º 1 e 26.º e de um crime de ameaça, previsto e punido pelo artigo 153.º, n.º 1.

- Pelo terceiro, de um crime de dano qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 213.º, n.º 1, alínea a); 202.º, alínea a) e 26.º, em co-autoria com os arguidos A... e B..., D...

, também já melhor identificado nos autos e neles admitido a intervir na qualidade de assistente, deduziu acusação particular contra o primeiro dos ditos arguidos imputando-lhe a autoria material consumada do acima mencionado crime de injúrias, previsto e punido pelo artigo 181.º, n.º 1.

O mesmo assistente arvorando-se agora na veste de lesado cível deduziu contra todos os mencionados arguidos competente e tempestivo pedido de indemnização tendente a obter o ressarcimento de alegados danos patrimoniais e não patrimoniais sobrevindos por virtude das suas relatadas condutas e que quantificou no montante de € 10.493,23 acrescidos dos devidos juros de mora que discriminou, tudo como melhor sobressai de fls. 235/243.

Mais deduziu contra o arguido A... autónomo pedido de indemnização constante de fls. 199/200 para ressarcimento dos danos não patrimoniais causados por virtude dos factos consubstanciadores do imputado crime particular e que fixou em € 2.500,00.

1.2. Na subsequente e normal tramitação do processo, realizado o contraditório, veio a ser proferida sentença que determinou, além do mais por ora não relevante: - Extinguir o procedimento criminal na parte referente aos crimes de dano, relativamente a todos os arguidos, por inexistência de um pressuposto de procedibilidade do procedimento criminal.

- Absolver o arguido B... da prática dos crimes de ofensa à integridade física simples e de ameaça pelos quais vinha acusado.

- Condenar o arguido A... pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1, na pena de 100 dias de multa, à razão diária de € 4,00, o que perfaz € 400,00 euros. Subsidiariamente fixou em 66 dias a prisão correspondente.

- Condenar o arguido A... pela prática de um crime de ameaça, previsto e punido pelo artigo 153.º, n.º 1, na pena de 80 dias de multa, à razão diária de € 4,00, o que perfaz € 320,00. Subsidiariamente fixou em 53 dias a prisão correspondente.

- Condenar o arguido A... pela prática de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.º, n.º 1, na pena de 70 dias de multa, à razão diária de € 4,00, o que perfaz € 280,00. Subsidiariamente fixou em 46 dias a prisão correspondente.

- Condenar tal arguido na pena única de 170 dias de multa, à razão diária de € 4,00, o que perfaz o montante de € 680,00. Subsidiariamente fixou em 113 dias a prisão correspondente.

- Extinguir o pedido cível deduzido, por impossibilidade da lide, na parte referente ao crime de dano, ou seja, quanto aos pedidos de € 3.735,93 e € 1.750,00, bem como respectivos juros.

- Absolver os arguidos C... e B... do pedido cível relativo aos danos não patrimoniais pelo crime de ameaças, ou seja, da quantia de € 1.500,00 e respectivos juros.

- Condenar o arguido A... a pagar ao ofendido D... o montante de € 250,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos com a prática do crime de injúrias.

- Condenar o arguido A... a pagar ao ofendido D... o montante de € 350,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos com a prática do crime de ameaça, montante este acrescido de juros de mora, à taxa legal de 4% desde a data da sentença e até efectivo e integral pagamento.

- Condenar o arguido A... a pagar ao ofendido D... o montante de € 450,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos com a prática do crime de ofensa à integridade física simples, montante este acrescido de juros de mora, à taxa legal de 4% desde a data da sentença e até efectivo e integral pagamento.

- Condenar o arguido A... a pagar ao ofendido D... o montante de € 7,30 a título de indemnização por danos patrimoniais, montante este acrescido de juros de mora, à taxa legal de 4% desde a data para contestar o pedido cível deduzido e até efectivo e integral pagamento.

- Relegar para liquidação em execução de sentença o montante dos prejuízos patrimoniais sofridos pelo facto do ofendido não ter efectuado o trabalho na Madeira.

1.2. É na discordância com esta decisão que vem interposto pelo assistente o presente recurso, sendo que da motivação oferecida extraiu a formulação das conclusões seguintes: 1.2.1. Ao dar como provado que o arguido A...danificou coisa alheia de valor elevado (cfr. o que consta dos pontos 5., 9., 10., 14., e 25., dos factos provados) e como não provado que os arguidos C... e B... não danificaram coisa de valor elevado, e ao não condenar o primeiro e absolver os segundos do crime de dano qualificado por que vinham acusados, antes decidindo pela extinção do procedimento criminal por inexistência de um pressuposto de procedibilidade do procedimento criminal – queixa –, o Tribunal a quo violou o disposto no n.º 1 do artigo 213.º, conjugado com o disposto no artigo 202.º, n.º 1, alínea a).

1.2.2. Isto porque, assim, o dito Tribunal interpretou o n.º 1 do mencionado artigo 213.º no sentido de que o referente do “valor elevado” é, não a coisa objecto do dano, mas o montante do prejuízo.

1.2.3. Ora, tal interpretação não só viola o espírito do referido preceito (que visa proteger, justamente, as coisas de valor elevado), como não tem a mínima correspondência verbal com a letra da lei, questionando, consequentemente, o artigo 9.º do Código Civil [CC].

1.2.4. Aquele normativo só pode, em face da sua letra e da sua ratio, ser interpretado no sentido de que o referente de valor elevado é a coisa alheia danificada, e não o montante do prejuízo em que se traduz o dano.

1.2.5. Ao decidir da forma enunciada na 1.ª conclusão (extinção do procedimento criminal quanto ao crime de dano, por inexistência de um pressuposto de procedibilidade do procedimento criminal - queixa), não reconhecendo ao ora recorrente legitimidade para apresentar queixa pelo crime de dano imputado aos arguidos, e resultando implícito dos factos provados que era o assistente quem, não obstante não ser o proprietário, retirava as utilidades do veículo objecto do crime de dano imputados aos arguidos, o Tribunal a quo violou, ainda, o disposto no artigo 113.º, n.º 1, por referência aos artigos 212.º, n.º 1 e 213.º, n.º 1.

1.2.6. Pois interpretou aquele primeiro preceito no sentido de que, no crime de dano, só é ofendido o proprietário da coisa danificada, e não quaisquer terceiros não proprietários, ainda que sejam estes, e não o proprietário, que retiram o proveito das utilidades da coisa danificada.

1.2.7. Sendo que, ofendido, para efeitos do crime de dano, é, atendendo à “função social” da propriedade e à necessidade de a proteger, não só o proprietário, mas também o titular de direitos de gozo, fruição e uso da coisa danificada, ou seja, aquele a quem está confiada, pelo dono, a fruição da coisa e que, portanto, retira dela as suas utilidades.

1.2.8. Em consequência, ao não condenar nem absolver os arguidos pelos crimes de dano por que vinham acusados, fosse na sua forma qualificada (artigo 213.º, n.º 1), fosse na sua forma simples (artigo 212.º, n.º 1), a sentença recorrida violou, também, o disposto no artigo 374.º, n.º 3, alínea a), do CPP, o qual impõe que a sentença termine pela decisão condenatória ou absolutória, sendo a mesma nula, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea a), também desse diploma.

1.2.9. Ao decidir pela extinção do pedido cível deduzido pelo assistente, atenta a impossibilidade da lide, e na parte referente ao crime de dano, ou seja, quanto aos pedidos de € 3.735,93 e € 1.750,00 e respectivos juros, após julgamento, conhecimento e apreciação da matéria de facto (em termos de dar como provados e não provados) constitutiva do referido pedido, que, de resto, não altera a matéria constante da acusação relativa ao crime de dano, violou o Tribunal a quo o artigo 377.º, n.º 1 ainda do CPP, conjugado com o artigo 71.º do mesmo diploma, bem como o subsequente artigo 72.º, n.º 1, alínea b), interpretado a contrario.

1.2.10. Sendo que o Tribunal a quo considerou que, extinguindo-se o procedimento criminal relativamente a um crime, a instância relativamente ao pedido cível com ele conexionado extingue-se, automaticamente, por impossibilidade da lide, independentemente de ter havido ou não julgamento e do tribunal ter conhecido e apreciado, dando como provados e/ou não provados, os factos que...

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