Acórdão nº 166/03.8TATMR-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 29 de Novembro de 2006
Magistrado Responsável | ATA |
Data da Resolução | 29 de Novembro de 2006 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.
Por despacho de 2/03/06 do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Tomar os arguidos, A...
e B...
, e a sociedade arguida, C...
foram pronunciados na prática de um crime de imitação e uso ilegal de marca imitada, previsto e punível pelas als. b) e c) do artigo 323º, do Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo Decreto-Lei nº.36/2003 de 5 de Março, anteriormente previsto e punível pelas als. b) e c) do nº.1 do artigo 264º, do Código da Propriedade Industrial, na versão resultante do Decreto-Lei nº.15/95 de 24 de Janeiro.
Inconformados com a decisão proferida interpõem recurso e formulam as seguintes conclusões: 1.- A D...
, constituída assistente nos autos, apresentou queixa contra a os Arguidos, ora Recorrentes, em 28 de Março de 2003 pelo crime de contrafacção, imitação e uso ilegal de marca previsto e punido pelo artigo 264° do Código de Propriedade Industrial (CPI) aprovado pelo DL n° 16/95 de 24 de Janeiro e ainda pela prática de um crime de concorrência desleal, previsto e punido pelo art. 260° do referido código.
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- Em virtude da queixa apresentada, o Ministério Público abriu inquérito, findo o qual deduziu acusação em 4.06.2004, à qual a Assistente aderiu, tendo os ora Recorrentes requerido abertura de instrução em 21.09.2004.
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- A partir de 1 de Julho de 2003, o crime de contrafacção, imitação e uso ilegal de marca, que até então tinha natureza pública, passou a ser um crime semi-público por força do artigo 329° do CPI aprovado pelo Decreto-Lei n° 36/2003 de 5 de Março.
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- Nos termos do artigo 49° do Código de Processo Penal (CPP), o procedimento criminal nos crimes semi-públicos depende de queixa, sendo que esse direito só pode ser exercido por quem tenha legitimidade para o efeito, designadamente as pessoas referidas no art. 113° do Código Penal (CP).
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- A D.... não tinha legitimidade para apresentar queixa por não ser a ofendida, na medida em que não é titular da marca registada, logo, não é o sujeito que a norma incriminadora visa proteger.
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- De acordo com o artigo 68° do CPP não tinha também legitimidade para se constituir como assistente, nem para aderir à acusação do Ministério Público.
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- Logo, a queixa apresentada pela D.... não releva para efeitos do prosseguimento da acção penal, nomeadamente, para o efeito previsto no art. 49° do CPP .
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- As normas relativas ao direito de queixa tem natureza mista, no sentido de que são normas processuais mas também normas materiais, na medida em que contendem com o direito substantivo, condicionando a responsabilização penal do agente e produzindo efeitos jurídico-materiais, sendo-lhes reconhecida natureza de normas processuais penais materiais (neste sentido Figueiredo Dias, Germano Marques da Silva, ob. cit.).
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- Como tal, não vigora quanto a elas o princípio da aplicação imediata da lei nova, mas sim os princípios consagrados no art. 29° da CRP e artigo 2° n° 4 do CP, o princípio da proibição da retroactividade da lei penal e o princípio da imposição da lei penal mais favorável (Taipa de Carvalho, ob. cit.).
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- A queixa não é uma mera questão de procedibilidade que se coloque somente no início do procedimento criminal, devendo ser apreciada, enquanto condição positiva de punição (cfr. Figueiredo Dias), ao longo do mesmo, essencialmente - mas não só - no momento da dedução da acusação, sendo que, no caso em concreto, quando o Ministério Público deduziu a acusação já vigorava o novo CPI, que atribui a natureza de semi-público ao crime em causa.
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- Em abstracto uma lei nova que transforma um crime público em semi-público é mais favorável ao arguido do que a lei anterior, sendo-o, em concreto, sempre que não tiver havido queixa (Ac. do STJ de 07/07/99).
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- Assim, o CPI aprovado pelo Decreto-Lei 36/2003, na medida em que faz depender o procedimento criminal de queixa, é mais favorável ao arguido, pelo que deve ser aplicado (Ac. da Relação de Coimbra de 25/01/2006).
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- Se o procedimento criminal depende de queixa e o ofendido - E...
- em nenhum momento manifestou vontade de exercer esse direito, o Ministério Público não tem legitimidade para prosseguir com a acção penal (Ac. da Rel. do Porto de 15/01/2003 e de 02/10/96, Ac. do STJ de 12/11/97 e o Ac. da Rel. de Lisboa de 10/12/96).
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- Não procede o argumento segundo o qual a ilegitimidade superveniente do Ministério Público consubstancia uma autêntica descriminalização dos factos praticados quando o crime era público, pois, o ofendido podia e devia vir aos autos apresentar queixa no prazo de 6 meses - artigo 115° do CP - a contar da entrada em vigor da nova lei, assim conferindo legitimidade ao Ministério Público para prosseguir com a acção penal.
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- O legislador não quis descriminalizar a conduta, mas sim tornar o procedimento criminal dependente de queixa, intenção que não pode ser ignorada, não se podendo aceitar que o Ministério Público mantenha a legitimidade para exercer a acção penal para lá da conversão do crime público em semi-público sem que, em algum momento, o ofendido se tenha manifestado nesse sentido, fazendo tábua rasa do objectivo da alteração legislativa, neste sentido o Ac. do Tribunal Constitucional n° 523/99.
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- Ao converter um crime público em semi-público o legislador quis densificar, caracterizar e qualificar diversamente os comportamentos antijuridicos (. . . ) convocando novas leituras juridico-penais aos sujeitos destinatários das normas" 17.- O entendimento ora defendido não constitui qualquer distorção violadora do princípio da igualdade, antes pelo contrário, o entendimento defendido pelo tribunal a quo é que conduz a uma clara violação do citado princípio.
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- Pois, dois arguidos que tivessem praticado, no mesmo dia, factos tipificados e punidos como crime de natureza pública, que, por lei posterior à data da prática de tais factos, passasse a ser crime semi-público, poderiam ter sortes diferentes: aquele cujo processo criminal fosse iniciado ao abrigo da lei anterior, não poderia beneficiar da lei nova e aquele cujo procedimento criminal fosse iniciado ao abrigo da lei nova - mesmo que com um dia de diferença em relação ao outro – já beneficiaria do regime previsto nesta.
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- Em suma, a douta decisão recorrida viola o princípio da imposição da retroactividade da lei mais favorável (art. 29°, n.o 4 do CRP e art. 2°, n.o 4 do CP) e ainda o princípio da igualdade (art, 13° da CRP).
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- Pelo que deve ser revogada e substituída, por outra que reconheça a ilegitimidade superveniente do Ministério Público, para prosseguir a acção penal, por não ter sido exercido o direito de queixa pelo verdadeiro titular do mesmo, que reconheça ainda a falta de legitimidade da Assistente D... assistente ( cfr. art. 68°, n. 1, alíneas a) e b) do CPP) e para aderir à acusação do Ministério Público (art. 384°, n.o 2, alínea a) do CPP).
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- Julgando procedente a nulidade insanável invocada pelos Arguidos, aqui recorrentes, no seu requerimento de abertura de instrução (art. 119°, alínea b) do CPP) e que julgue extinto o procedimento criminal.
O recurso foi admitido.
Na resposta diz o Ministério Público: 1.- A lei que actualmente exige a queixa não pode ser considerada no processo em curso, em termos de afectar a legitimidade do M.P. para o exercício da acção penal, uma vez que entrou em vigor depois de o M.P. já ter exercido a acção penal.
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- De facto, se aquando da promoção do procedimento criminal, o M.P. tinha legitimidade para - sem prévia queixa do ofendido - o iniciar, a entrada em vigor da lei nova não fará com que o M. P. perca a legitimidade anteriormente adquirida, já que o art. 5º, n. 1 do C.P.P ressalva a validade dos actos realizados na vigência da lei anterior.
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- A nova lei processual não pode afectar a validade dos actos processuais validamente praticados segundo a lei da época em que o foram.
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- Assim, tendo a promoção do M. P. sido validamente efectuada, validamente tem de subsistir sejam quais forem as leis processuais supervenientes.
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- O M.P. só deixaria de ter legitimidade para o exercício da acção penal se a lei nova tivesse entrado em vigor antes de ser promovido o processo. Neste caso, o exercício da acção penal passaria a depender de queixa, com aplicação imediata da lei nova mas encontrando soluções que, tendo em conta as especialidades da queixa, contemplem a posição pessoal do ofendido (acórdão Relação Lisboa de 29.04.1997, processo n. 1543/97, Grande Enciclopédia de Jurisprudência, MCC - Soluções Informáticas Globais, Lda.).
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- Utilizando o brocardo “o que já se iniciou iniciado está; o que já se produziu produzido está " afirmamos que carecem de razão os Arguidos, uma vez que o M. P. mantém a sua legitimidade na promoção da acção penal, não sendo a promoção processual afectada na sua validade pela existência de lei nova que vem alterar a natureza jurídica do crime.
Por sua vez a assistente – D... – responde nos seguintes termos: 1. O presente recurso foi interposto porquanto entendem os ora Recorrentes que, tendo em conta que o crime de imitação de marca passou, em 01 de Julho de 2003 (nova redacção do CPI), a ter natureza semi-pública, o Ministério Público deixou de ter legitimidade para o exercício da acção penal, tendo sido violados pelo Tribunal a quo, em consequência, (i) o príncípio da imposição da retroactividade da lei mais favorável (art. 29°, n.4 da CRP e art. 2°, n. 4 do CP) e (ii) o princípio da igualdade (art. 13° da CRP).
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Os factos consubstanciadores do crime de imitação e uso ilegal de marca de que os ora Recorrentes foram pronunciados, verificaram-se, pelo menos, em 17.12.2002, tendo a ora Recorrida apresentado a respectiva queixa no dia 28 de Março de 2003.
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Por outro lado, o procedimento criminal foi iniciado pelo Ministério Público cerca de três meses antes da entrada em vigor do novo CPI, sendo que à data o crime ora em questão tinha a natureza de crime público, tendo sida deduzida acusação contra os Arguidos em 26 de Junho de 2004.
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