Acórdão nº 6/08.1GGCBR.C3 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Junho de 2011
Magistrado Responsável | MARIA PILAR OLIVEIRA |
Data da Resolução | 15 de Junho de 2011 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
I. Relatório No processo comum colectivo 6/08.1GGCBR da Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Coimbra, 1ª Secção, foi proferido acórdão de cúmulo jurídico de penas, condenando o arguido LT... na pena única de nove anos e sete meses de prisão, acrescida da pena de 160 dias de multa à taxa diária de cinco euros, no montante de oitocentos euros, a que haverá que descontar 100 dias de multa, por já ter cumprido sessenta e seis dias de prisão subsidiária.
Inconformado com a citada decisão, dela recorreu o arguido LT..., extraindo da respectiva motivação do recurso as seguintes conclusões: Do presente recurso A. Com o presente recurso, que versa sobre matéria de facto e de Direito, não pretende o recorrente colocar em causa o exercício das mui nobres funções nas quais se mostram investidos os Ilustres julgadores, mas tão-somente exercer o direito de "manifestação de posição contrária", traduzido no direito de recorrer, consagrado na alínea i) do nº 1 do art. 61° CPP e no n°.1 do art. 32° da CRP.
Da moldura do concurso B. O entendimento vertido no douto acórdão recorrido viola os princípios da segurança jurídica e da intangibilidade do caso julgado, dado que as penas parcelares concretamente aplicadas podem ser as já resultantes de penas únicas fixadas em anterior concurso, uma vez que não fala a lei em "penas concretamente aplicada a cada um dos crimes".
C. A não se entender assim, vê-se o recorrente novamente sujeito à condenação pela prática de tais factos, em violação do princípio non bis in idem, sendo que o único facto que é superveniente é o conhecimento da existência de demais processos a justificar a realização de cúmulo.
D. Tem-se por inconstitucional, por violação do art. 32° n.ºs 1 e 9 CRP, a interpretação segundo a qual a referência efectuada no nº 2 do art. 77° às "penas concretamente aplicadas aos vários crimes" retira as penas únicas aplicadas em concurso e permita a destruição dos efeitos de cúmulos já vertidos em doutas decisões transitadas em julgado e em violação da segurança e expectativas dos arguidos, devendo a remissão plasmada no nº.1 do art. 78° para o art. 77° CP ser entendida mutatis mutandis e cum grano salis, ou seja, em termos hábeis e não cega, atenta a natural e óbvia diferença existente, a justificar tratamento diferenciado em nome do princípio da igualdade.
E. As penas únicas que se apresentam a concurso superveniente, traduzem a imagem global do ilícito, já fixada e transitada em julgado, estando a efectivação de cúmulo jurídico fora das circunstâncias elencadas no Código de Processo Penal de revisão de pena transitada em julgado, devendo ser respeitado o princípio da proibição da reformatio in pejus.
F. Nos termos do art. 77° CP há unicamente a cumular, em momento temporalmente coincidente com a condenação, penas individualmente aplicadas a cada um dos crimes (penas essas aplicadas pelo próprio Tribunal que efectivará tal concurso!) ao passo que na situação de conhecimento superveniente do concurso, o Tribunal pode ser distinto da aplicação de todas as penas e as mesmas já não se apresentam forçosamente sob a veste individualizante face a cada crime.
G. Na interpretação da lei, nos termos do art. 9° CC, não se poderá o intérprete cingir unicamente à letra da lei, devendo considerar igualmente os elementos histórico, sistemático e sobretudo teleológico, tendo-se por inconstitucional o entendimento ora recorrido! H. Penas parcelares concretamente aplicadas tanto serão as penas aplicadas a cada um dos crimes, no caso de condenações singulares, como as penas únicas, previamente fixadas e transitadas em julgado, quando num ou vários processos se mostre o recorrente condenado em concurso por vários crimes.
I. O Tribunal a quo não presidiu a esses julgamentos, carecendo de legitimidade e competência, nos termos da lei, para alterar o doutamente decidido e desfazer penas únicas fixadas que sempre se terão como a imagem global do ilícito, que o Tribunal a quo não está em condições de apreender, não podendo ser desconsideradas sob pena de actuação em violação da expectativa e segurança jurídicas do recorrente.
J. Como possa um novo Tribunal que I) não acompanhou e presidiu aos julgamentos anteriores, II) não teve a tão famigerada livre apreciação da prova e III) não colheu a oralidade e presença do recorrente e demais prova produzida, afastar tal condenação em concurso em detrimento e violação dos tantas vezes sacralizados princípios da imediação e oralidade?! K. Aos olhos do recorrente cada condenação em cada processo, ainda que única, não deixa de constituir uma pena parcelar, tendo o limite máximo da moldura do concurso de resultar da soma das várias penas parcelares aplicadas, à razão de uma por processo, ou seja, in casu, 17 anos e 5 meses, assim ficando demonstrada a negatividade subjacente ao doutamente decidido.
Da inclusão da pena suspensa e omissão de revogação L. O recorrente entende que a pena suspensa, retratada no ponto 5 do douto acórdão, não deveria ter entrado em regra de cúmulo por não se mostrar verificado qualquer pressuposto para a sua revogação nem a mesma se mostre efectuada, havendo completa omissão na decisão recorrida a tal respeito.
M. No período da suspensão o recorrente não praticou ou foi condenado pela prática posterior de qualquer crime, tendo-se por inconstitucional a presunção injustificada e não fundamentada de incumprimento pelo arguido do regime de prova sem que lhe seja dada oportunidade de o cumprir e assim extinguir a pena.
N. Se não vigora relativamente às penas de multa a presunção de incumprimento do pagamento e a conversão em prisão subsidiária, como poderá vigorar a presunção de incumprimento do regime de prova e revogação da suspensão de uma pena de prisão, em violação dos casos em que tal revogação é legalmente admissível?! O. A presunção de inocência que termina com o trânsito em julgado abarca unicamente os factos do julgamento e condenação, nunca legitimando a previsão de conduta futura contra os arguidos, convocando-se os princípios interpretativos plasmados no art. 9° CC no sentido do espírito da norma e do instituto do cúmulo jurídico exigir que todas as penas de prisão a cumular sejam de prisão efectiva sob pena de subversão do próprio instituto! P. A cumulação de tal pena deveria previamente passar pela revogação de tal suspensão, sendo que, in casu, a mesma se mostra legalmente inadmissível, atento o não preenchimento dos requisitos elencados nas duas alíneas do nº.1 do art. 56° CP, sempre faltando igualmente a pronúncia do Tribunal por a revogação não se poder presumir (e não ser a única medida aplicável nos termos do art. 55° CP), tendo a mesma de constar expressamente do texto decisório, sob pena de nulidade por omissão de pronúncia nos termos da alínea c) do nº.1 do art. 379° CPP.
Da medida da pena Q. O douto acórdão padece de um lapsus calami ao considerar, a fls. 44, que a conduta criminosa do arguido se prolongou "entre Novembro de 2007 e Maio de 2008, ou seja por mais de ano e meio", uma vez que em rigor se trata dos dias 13 de Novembro de 2007 a 5 de Maio de 2008, ou seja, apenas menos de 6 meses! R. Importará ainda levar em consideração que a prisão preventiva sofrida anteriormente a 2007 se mostra datada de 1999, havendo um largo período de cumprimento das normas legais, mostrando-se o recorrente preso ininterruptamente desde a Maio de 2008, não tendo ainda oportunidade de provar a ressocialização, aferível e prognosticável em razão do grau comportamental e de exemplaridade do mesmo enquanto recluso, face à inserção numa Ala específica, submissão a regras de conduta específicas (desde logo abstinência de consumo de estupefacientes!) e cumprimento das mesmas! S. Olhado o percurso criminal do recorrente é possível descortinar como matriz comum, e única causa, o consumo de estupefacientes [facto provado sob a alínea g)], pelo que a libertação de tal flagelo possibilita um juízo de prognose favorável e a sua consideração por, como foi ininterruptamente ao longo de 35 anos, uma pessoa séria, honesta, humilde, trabalhadora, socialmente integrada, cumpridora, zelosa dos deveres cívicos e preparada para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável sem cometimento de crimes, sendo os factos dados como provados sob as alíneas f) a k) [ainda que este deva passar a incluir os irmãos e amigos] consideráveis atenuantes.
T. Não tem o recorrente o crime no sangue, sendo o mesmo mero reflexo de condicionantes externos desfavoráveis, que se mostram em fase de tratamento e com bons resultados, como ressalta do ponto IV do relatório social e deverá ser acrescentado ao facto provado sob a alínea b), não devendo assim, em nome do princípio da igualdade, ser tratado como tal, permitindo-se a sua reintegração.
U. Todos os julgamentos tiveram a virtualidade de constituir catarse para o recorrente, assim expiando a sua culpa e saído de forma digna, entendendo ser credor de uma especial atenção de V/Exas. e do Estado, dada a existência de situações contemporâneas ao crime (a dependência de estupefacientes) e posteriores ao mesmo (o arrependimento, a colaboração processual, a devolução e a reparação até onde lhe era possível dos danos, o tratamento contínuo da dependência, etc.) que abonam a sua personalidade.
V. Tomando por parâmetro de consideração, a pena aplicada ao outro arguido, simultaneamente sujeito a cúmulo, entende-se que subjacente a tal operação se mostra uma desigualdade injustificada e não conforme com a Constituição da República Portuguesa, uma vez que, mais que uma operação matemática, é a correcta extracção e subsunção dos factos ao Direito que importa no presente caso.
W. Olhados ambos os cúmulos haverá que atentar que pese embora o alegado limite máximo do concurso seja superior no caso do recorrente, sempre o limite mínimo se mostra consideravelmente inferior, na proporção de metade, mostrando-se uma quase similitude de factos, sendo a pretensa majoração do limite máximo da sua moldura consumida...
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