Acórdão nº 134/10.3TAGRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 27 de Abril de 2011

Magistrado ResponsávelISABEL VALONGO
Data da Resolução27 de Abril de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

14 13I. RELATÓRIO.

No processo comum singular nº 134/10.3TAGRD, tendo sido deduzida acusação pelo Ministério Público contra MN..., solteiro, filho de JN... e de RL…, residente em …, em Gouveia, imputando-lhe a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento, previsto e punido, pelos artigos 256°, n° 1, alínea d), do Código Penal, o senhor juiz rejeitou a acusação, por se revelar manifestamente infundada, nos termos do artigo 311, n.° 2, al. a) e n.° 3, alínea d), do CPP.

Não se conformando com esta decisão, interpôs o Ministério Público recurso para este Tribunal da Relação.

Na sua motivação conclui: «1a O Ministério Público deduziu acusação pública contra o arguido MN..., porquanto, na fase de inquérito recolheu indícios suficientes de o arguido ter cometido, em autoria material e na forma consumada, um crime de falsificação de documento, p. e p. no art. 256°, n.° 1, al. c), do Código de Processo Penal.

2a O Tribunal "a quo" rejeitou a acusação por manifestamente infundada por considerar que os factos descritos na acusação não constituem crime.

3a Para tanto entendeu a decisão recorrida que o requerimento do arguido a declarar não ter recebido a carta de condução que acompanhava o pedido de 2a via da carta de condução não pode ser considerado um documento, para efeitos do crime de falsificação de documento.

4a Salvo o devido respeito por opinião contrária, esta asserção não é correcta, pois que o documento, junto a fls. 6, corporiza uma declaração escrita, que permite reconhecer o emitente e é idónea para provar um facto juridicamente relevante - art. 255°, al. a), do Código Penal.

5a Foi precisamente com base nesse documento (declaração nele corporizada) que a DVG emitiu a 2a via da carta de condução do arguido, o que significa que o documento serviu para prova de um facto juridicamente relevante (não recebimento da carta de condução), pois que, sem a prova desse facto a DGV não emitia, como emitiu, a 2a via da carta de condução.

6a O deferimento da pretensão do arguido de emissão da 2a via da carta de condução apenas ocorreu por a DGV ter considerado provado o não recebimento da carta, facto atestado pelo arguido no documento junto a fls. 6, a que se refere a acusação, e indiciariamente falso.

7a Do despacho de acusação consta a descrição do dolo especifico exigido pelo tipo legal do crime de falsificação de documento, previsto no art. 256°, n.° 1, al. d), do Código Penal, como seja a intenção de obter um beneficio a que não tinha direito.

8a O dolo específico está descrito a fls. 34, na parte da acusação onde se refere que o arguido actuou de forma livre, deliberada e consciente... o que lhe permitiu conduzir veículos automóveis depois de a acarta de condução ter caducado.

9a Os factos descritos na acusação serão suficientes para que o arguido venha a ser condenado pela prática do crime que lhe é imputado na acusação, sem prejuízo, se necessário, se proceder ao seu complemento em audiência de julgamento, nos termos permitidos pelo artigo 358°, do Código de Processo Penal.

10a Apenas quando de forma inequívoca os factos que constam da acusação não constituem crime é que o tribunal pode declarar a acusação manifestamente infundada e rejeita-la.

11a Os factos não constituem crime quando, entre outras situações, se verifica qualquer causa de extinção do procedimento ou se a factualidade em causa não consagra de forma inequívoca qualquer conduta tipificada como crime, o que não é o caso dos autos.

12a Esse juízo tem de assentar numa constatação objectivamente inequívoca e incontroversa da inexistência de factos que sustentam a imputação efectuada.

13a O Mmo. Juiz ao rejeitar a acusação por manifestamente infundada, por inexistência de crime, violou ou interpretou de forma incorrecta o disposto nos artigos 255°, al. a), 256°, n.° 1, al. d) do Código Penal e 283°, 31 Io, n.° 2, al. a) e n.° 3, al. d), todos do Código de Processo Penal.

Nestes termos e nos demais de direito, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, revogado o despacho recorrido e substituído por outro que receba a acusação pública deduzida e designe data, hora e local para a audiência.

Assim, farão V. Ex.cias JUSTIÇA.” ».

O arguido contra-alegou, concluindo que: “ A) Não resultam do teor da acusação rejeitada elementos objectivos e subjectivos que permitam imputar ao arguido a prática de um facto tipificado na lei como crime.

B) Desde logo, não logrou o arguido obter, com a sua conduta, a emissão de qualquer documento que titulasse um facto falso: apenas foi emitida uma 2.a via de um documento que titulava uma habilitação legal para conduzir veículos automóveis que, efectivamente, o arguido detinha.

C) Igualmente, nenhum dos documentos mencionados nos presentes autos é um documento (nos termos legalmente definidos) falso, antes sendo ambas as cartas de condução documentos verdadeiros e autênticos.

D) Mesmo que se entendesse que a 2.a via da carta de condução foi obtida por acto ilegítimo do arguido, sempre a acusação seria omissa quanto a elementos objectivos e subjectivos essenciais, na exacta medida em que é completamente omissa relativamente a factos integradores do tipo de crime. Desde logo, nem sequer resulta da mesma que o arguido, à data de preenchimento do requerimento através do qual solicitou a 2.a via da carta de condução, tivesse já em sua posse a 1.a via da sua carta de condução e que, tendo consciência da ilicitude, soubesse e quisesse actuar por forma a obter benefício a que sabia não ter direito.

E) Assim, deve a decisão de rejeição da acusação ser mantida nos seus precisos termos, devendo ser negado provimento ao recurso, assim se fazendo JUSTIÇA!” * A Exma Senhora Procuradora Geral Adjunta neste Tribunal emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, concluindo que o despacho que entendeu faltar na acusação deduzida pelo MP, em âmbito de processo comum, o elemento subjectivo do tipo legal imputado - crime de falsificação de documento, p. p. pelo art0 256°, n°l do C. Penal - e, por isso rejeitou a acusação deduzida, por manifestamente infundada, art0 311°, n°2 , al. a) do Código de Processo Penal, deverá ser substituído por outro que, considerando suficiente o requerimento acusatório efectuado a fls. 32/35, designe dia para julgamento, o que propugnamos ainda, na esteira do decidido pelo TRL Ac. de 07.12.2010, proc. 475/08.0TAAGH.L1.5, relator Vieira Lamim, in www, dgsi.pt que assim entendeu: "Ao proferir o despacho a que alude o art. 311°, n° 2 CPP, o tribunal só pode rejeitar a acusação por manifestamente infundada, por os factos não constituírem crime, quando a factualidade em causa não consagra de forma inequívoca qualquer conduta tipificadora de um crime, juízo que tem de assentar numa constatação objectivamente inequívoca e incontroversa da inexistência...

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