Acórdão nº 487/01.4TAVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Abril de 2011

Magistrado ResponsávelPAULO GUERRA
Data da Resolução12 de Abril de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

II – FUNDAMENTAÇÃO 1.

Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).

Assim, balizados pelos termos das conclusões[1] formuladas em sede de recurso, as questões a resolver consistem em · saber se há que modificar a matéria de facto apurada; · saber se foi cometida a nulidade do artigo 120º/2 d) do CPP; · saber se foram cometidas irregularidades processuais; · saber se está perfectibilizado o tipo de crime de falsificação.

· saber se está perfectibilizado o tipo de crime de peculato, classificando-se a arguida como «funcionária» para os efeitos do artigo 386º do CP.

2.

DO ACÓRDÃO RECORRIDO 2.1. No ACÓRDÃO recorrido, é este o rol de FACTOS PROVADOS (em transcrição): «1. A arguida FS.. desempenhou a sua actividade laboral no Serviço Sub-Regional de K... do Centro Regional de Segurança Social do ..., sito na Rua …., nesta cidade de K..., tendo aí sido colocada através do Centro de Emprego de K..., ao abrigo dos “Acordos de Actividade Ocupacional” cujas cópias constam de fls. 126 a 136, outorgados pelo referido Serviço e pela arguida nos dias 19-07-2000 e 20-10-2000; 2. No Serviço referido no ponto anterior, a arguida exerceu as funções de coadjuvante de AM..., nas secções dos subsídios de desemprego e de doença; 3. A arguida, entre outras tarefas, ordenava os processos dos beneficiários do subsídio de desemprego e de doença e elaborava a listagem dos cheques devolvidos; 4. Os cheques que vinham devolvidos eram colocados num cesto em cima da secretária da AM... ; 5. Posteriormente, a AM... entregava os cheques à arguida, que elaborava um protocolo (listagem) e subsequentemente os devolvia àquela; 6. De seguida, a AM... remetia os cheques devolvidos para a contabilidade; 7. De acordo com um plano previamente estabelecido e em execução do mesmo, a arguida, em datas que não foi possível determinar em concreto, mas posteriores ao dia 19 de Julho de 2000, recebeu da AM... os impressos de cheque com os n° …, respeitantes à conta bancária n° … do “Banco X...”, titulada pelo Serviço Sub-Regional de K... do Centro Regional de Segurança Social do ...; 8. A arguida não devolveu à AM... os impressos de cheque referidos no ponto anterior, mantendo-os em seu poder; 9. Na posse do impresso de cheque com o n° … no valor de Esc. 34.360$00, cuja cópia consta de fls. 144 e 145, que havia sido devolvido pela beneficiária do subsídio de desemprego GP…, a arguida, em data que não foi possível determinar em concreto, mas posterior ao dia 23 de Agosto de 2000 (data de emissão do cheque), pagou a SS... a festa de aniversário da sua filha, que esta havia organizado; 10. Na posse do impresso de cheque com o n° …, no valor de Esc. 91.950$00, cuja cópia consta de fls. 143, que havia sido devolvido pelo beneficiário do subsídio de desemprego MS..., a arguida, em data que não foi possível determinar em concreto, mas posterior ao dia 20 de Outubro de 2000 (data de emissão do cheque), deslocou-se ao estabelecimento comercial de AT..., sito no n° …, concelho de K..., e pagou com o mesmo as compras que ali fez; 11. Na posse do impresso de cheque com o n° … no valor de Esc. 63.810$00, cuja cópia consta de fls. 166 e 167, que havia sido devolvido pela beneficiária do subsídio de desemprego MM..., a arguida, em data que não foi possível determinar em concreto, mas posterior ao dia 20 de Outubro de 2000 (data de emissão do cheque), deslocou-se ao estabelecimento comercial de AT..., sito no …, em ..., concelho de K..., e pagou com o mesmo as compras que ali fez; 12. Na posse do impresso de cheque com o n° …, no valor de Esc. 102.424$00, cuja cópia consta de fls. 142, que havia sido devolvido pelo beneficiário do subsídio de doença VL..., a arguida deslocou-se no dia 3 de Novembro de 2000 à agência de K... do “Banco X...” e aí depositou o referido cheque na sua conta bancária com o n° …; 13. Na posse do impresso de cheque com o n° …, no valor de Esc. 65.937$00, cuja cópia consta de fls. 141, que havia sido devolvido pela beneficiária do subsídio de desemprego LR..., a arguida, em data que não foi possível determinar em concreto, mas posterior ao dia 20 de Novembro de 2000 (data de emissão do cheque), deslocou-se ao estabelecimento comercial de AT..., sito no …, em ..., concelho de K..., e pagou com o mesmo as compras que ali fez; 14. Na posse do impresso de cheque com o n° …, no valor de Esc. 86.940$00, cuja cópia consta de fls. 4 e 139, que havia sido devolvido pela beneficiária do subsídio de desemprego IF..., a arguida deslocou-se no dia 28 de Dezembro de 2000 à agência de K... do “Banco X...”, em cujo balcão lhe pagaram aquela quantia; 15. A arguida, em data que não foi possível determinar em concreto, mas posterior ao dia 19 de Julho de 2000, apoderou-se do impresso de cheque com o n° …, cuja cópia consta de fls. 138, no valor de Esc. 555.772$00, que havia sido devolvido pelo beneficiário do subsídio de desemprego PP..., e deslocou-se com o mesmo, no dia 11 de Janeiro de 2001, à agência de K... do “Banco X...”, e aí depositou o referido cheque na sua conta bancária com o n° …; 16. Nas situações descritas nos pontos 9. a 14., a arguida assinou os nomes das pessoas a quem os cheques eram dirigidos, a fim de fazer crer que os mesmos lhe haviam sido endossados; 17. Em consequência da sua conduta, descrita nos pontos anteriores, a arguida embolsou a quantia global de Esc. 1.001.193$00 (€ 4.993,93), pertencente ao Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de K..., quantia essa que sabia não lhe pertencer, sabendo ainda que agia sem o consentimento e contra a vontade dessa entidade; 18. A arguida aproveitou-se das suas funções para aceder e dispor das quantias referidas nos pontos anteriores em seu proveito, atitude que manteve posteriormente ao se aperceber da facilidade com que actuava; 19. A arguida estava ciente de que não tinha poderes para movimentar a conta a que os cheques respeitavam; 20. A arguida agiu com consciência de que, ao representar erroneamente nos cheques referidos nos pontos 9. a 14. declarações de vontade do verdadeiro titular da conta, o fazia em prejuízo da confiança que as pessoas têm naquele meio de pagamento, e que, desse modo, abalava a fé pública que os títulos de crédito devem merecer; 21. A arguida actuou com o propósito concretizado de se apropriar das quantias tituladas nos cheques referidos nos pontos anteriores, apesar de saber que a elas não tinha direito; 22. A arguida agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que tais condutas são proibidas e punidas por lei penal; 23. A arguida é solteira, mas vive com um companheiro e duas filhas, com 16 anos e 6 anos, ambas a cargo; 24. A arguida é doméstica; 25. O companheiro da arguida é perito de sinistros de profissão, auferindo a remuneração mensal de cerca de 1.200; 26. A arguida e seu companheiro suportam a renda mensal de € 450, referente à habitação em que vivem; 27. A arguida completou a licenciatura em …; 28. A arguida não apresenta qualquer condenação criminal prévia».

2.2. É este o elenco dos FACTOS NÃO PROVADOS: «1. Os cheques que vinham devolvidos fossem colocados num cesto em cima da secretária da arguida; 2. Fosse a arguida quem remetia os cheques devolvidos para a contabilidade; 3. A arguida se tenha deslocado ao estabelecimento comercial de SS..., sito …, concelho de K...; 4. O cheque com o n° … no valor de Esc. 102.424$00, cuja cópia consta de fls. 142, que havia sido devolvido pelo beneficiário VL..., fosse relativo a subsídio de desemprego; 5. A arguida tenha entrado na posse do impresso de cheque com o n° …, no valor de Esc. 28.980$00, cuja cópia consta de fls. 168, que havia sido devolvido pelo beneficiário do subsídio de desemprego AC..., e que com ele se tenha deslocado ao estabelecimento comercial de AT..., sito no …, em ..., concelho de K..., e aí tenha pago com o mesmo as compras que ali fez; 6. A arguida tenha entrado na posse do impresso de cheque com o n° …, no valor de Esc. 18.336$00, cuja cópia consta de fls. 169 e 176, que havia sido devolvido pela beneficiária do subsídio de desemprego DD..., e que com ele se tenha deslocado ao estabelecimento comercial de AT..., em ..., concelho de K..., e aí tenha pago com o mesmo as compras que ali fez; 7. O impresso de cheque com o n° ..., que havia sido devolvido pelo beneficiário do subsídio de desemprego PP..., tenha sido entregue à arguida para elaboração do protocolo; 8. A arguida tenha assinado os nomes das pessoas a que eram dirigidos nos cheques referidos nos três pontos anteriores (5 a 7); 9. A quantia que a arguida embolsou, e o consequente prejuízo do assistente, ascendesse a Esc. l.048.509$00/€ 5.229,94».

2.3. Motivou assim o tribunal recorrido esta decisão de facto (sublinhado nosso): «Funda-se esta no conjunto da prova produzida em audiência, salientando-se que: 1.

A arguida prestou declarações, confirmando a sua ligação ao Serviço Sub-Regional de K... do Centro Regional de Segurança Social do ..., e a forma e termos em que aí foi colocada (através do Centro de Emprego de K..., ao abrigo dos “Acordos de Actividade Ocupacional”). A arguida esclareceu ainda as funções que desempenhava no referido Serviço, aceitando sem reservas que executava a tarefa de ordenar os processos dos beneficiários do subsídio de desemprego, elaborando a listagem dos cheques devolvidos. Cheques esses que recebia em mão da AM... , devolvendo-lhos posteriormente, após a realização da referida tarefa.

A arguida aceitou ainda que tirou vários cheques, apoderando-se deles, assumindo dever à Segurança Social as quantias de que se apropriou...

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