Acórdão nº 244/06.1TASPS.C3.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Março de 2011

Magistrado ResponsávelMOURAZ LOPES
Data da Resolução23 de Março de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

50 I. RELATÓRIO.

No processo Comum Singular n.º 244/06.1TASPS.C3.C1 ao arguido JF...

, foi-lhe imputando a prática, em autoria material, de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea a), do Código penal por referência ao artigo 54.°, n.º 1, § 1.º, do Decreto-Lei n.º 26 852, de 30 de Julho de 1936.

Realizada a audiência de julgamento, por sentença proferida a 29 de Janeiro de 2008, foi a acusação julgada procedente e o arguido condenado pela prática, em autoria material de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal por referência ao artigo 54.°, n.º 1, § 1.º, do Decreto-Lei n.º 26 852, de 30 de Julho de 1936, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de € 10, ou 46 dias de prisão subsidiária.

O arguido interpôs recurso da sentença para o Tribunal da Relação de Coimbra, que por acórdão proferido a 16 de Julho de 2008, decidiu determinar o reenvio do processo para novo julgamento, sobre os factos que haviam sido dados como provados em 2, 3 e 7 naquela sentença.

Efectuado novo julgamento para cumprimento do acórdão da Relação proferido a 16 de Julho de 2008, o Tribunal Singular, por sentença proferida a 20 de Maio de 2009, decidiu julgar procedente, por provada, a acusação do Ministério Público e condenar o arguido pela prática em autoria material de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal por referência ao artigo 54.°, n.º 1, § 1.º, do Decreto-Lei n.º 26 852, de 30 de Julho de 1936, na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de € 7, ou seja, na multa de € 350.

Inconformado novamente com a sentença proferida dela interpôs recurso o arguido, tendo este Tribunal da Relação decidido, por acórdão de 14 Abril de 2010, decidido conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido e, em face da existência dos vícios de erro notório na apreciação da prova, na fundamentação da matéria de facto do ponto n.º 6 dos factos provados e da contradição insanável entre o ponto n.º 6 dos factos dados como provados e a matéria de facto dada como não provada na sentença recorrida, determinar o reenvio do processo para novo julgamento relativamente a estas questões.

Efectuado o julgamento o arguido foi novamente condenado prática em autoria material de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal por referência ao artigo 54.°, n.º 1, § 1.º, do Decreto-Lei n.º 26 852, de 30 de Julho de 1936, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de € 6, ou seja, na multa de € 480, para além das custas.

Inconformado novamente com a sentença proferida, dela vem agora interpor recurso, concluindo na sua motivação nos seguintes termos: 1. Não tendo este Tribunal da Relação, no seu acórdão de 14 de Abril de 2010 que reenviou para julgamento o presente processo, posto em crise a não prova do licenciamento da linha pela Direcção Geral dos Serviços Eléctricos em 08.06.1977, nem, tão pouco, a circunstanciada fundamentação que o Tribunal de Primeira Instância então produziu para a justificar, estaria o Mmo Juiz a quo impedido de alterar, na sentença recorrida, tal matéria, já que sobre ela se haveria abatido a força de caso julgado.

  1. O licenciamento da linha em causa constitui um acto administrativo, como tal sujeito às regras dos arts. 122° n° e 123° do CPA.

  2. Em todo o caso, a forma escrita e as exigência de indicação da autoridade que o praticou com menção de delegação ou subdelegação de poderes, a identificação do destinatário, o conteúdo da decisão e respectivo objecto, a data, assinatura do autor do acto eram tudo exigências de forma impostas à figura do despacho no direito anterior à entrada em vigor do CPA.

  3. Ao dar por provado o licenciamento da linha eléctrica sem que nos autos tenha ficado o Despacho da Direcção Geral de Energia, sequer os seus termos, o Tribunal limitou os direitos de defesa do arguido, impedindo-o de invocar eventuais vícios de tal putativo despacho, e violou as normas citadas nas conclusões anteriores.

  4. Ao dar como provado tal licenciamento, a douta sentença recorrida terá ainda incorrido em erro notório na apreciação de prova a que se refere a alínea b) do n° 2 do art. 4100 do CPP.

  5. Dos documentos dos Autos de fis. 53, 48, 51, 43, 39, 33, 29, 24, 14, 8 e 4 resulta que as ordens dadas pela EDP e pela Direcção Regional ao arguido não são claras nem constantes, referindo-se, sucessivamente, primeiro à «destruição da plantação em causa” (cfr. fis. 51), depois às “distâncias dos condutores às árvores, com o mínimo de 2,5 m e a zona de protecção, que no caso concreto é de 15 m, na qual deverão ser cortadas ou decotadas as árvores que, por queda, não garantam em relação aos condutores, na hipótese de flecha máxima sem sobrecarga de vento, a distância mínima de 1,5m” (cfr. fis. 43), mais tarde novamente à “destruição da plantação em causa”, agora com a referência à “limpeza da zona de protecção da referida linha com a introdução da alternativa “ou permitir tal limpeza à EDP’ (cfr. fis. 33), posteriormente “solicita (...) que proceda à limpeza da zona de protecção da referida linha, devendo para tal contactar a EDP a fim de serem asseguradas as necessárias condições de segurança”, mantendo a alternativa «ou a permitir tal limpeza à EDJ” (cfr. fis. 24) e terminando pela comunicação de que irá ao local um técnica da Direcção Regional “acompanhado de uma equipa da EDP para proceder à limpeza da zona de protecção” (cfr. fis. 14).

  6. A Direcção Regional, acompanhada da equipa da EDP estiveram no local na data comunicada com um empreiteiro para proceder ao corte e limpeza anunciados, tiveram todas as condições para procederem a tal, não houve impedimento nem do arguido nem de terceiros e só por decisão da Direcção Regional tal actuação se não concretizou.

  7. O arguido não impediu pois que a EDP procedesse à limpeza, tanto que (como prevíamente tinha anunciado) nem sequer compareceu no local nem promoveu qualquer atitude impeditiva, pelo que, tendo-lhe a ordem sido dirigida em alternativa de facere ou nonfacere, não houve lugar a desobediência.

  8. Não sendo a ordem clara e inequívoca nunca haveria, aliás, lugar a desobediência pelo arguido. Aliás, 10.0 arguido limitou-se, em todo o processo, a utilizar argumentação jurídica, nas sucessivas respostas que deu a todas as comunicações que ao longo de mais de um ano lhe foram dirigidas pela EDP e pela Direcção Regional de Energia.

  9. Em todas as comunicações nunca ao arguido é dito de forma clara e inequívoca que praticará o crime de desobediência se não adoptar (ou se adoptar) determinado comportamento, pelo que também pela ausência dessa cominação expressa e inequívoca, nunca haveria lugar à prática do crime de desobediência.

  10. Salva melhor opinião, a douta sentença recorrida deveria assim ter concluído pelo não cometimento pelo arguido do crime de desobediência. Concluindo de forma diversa, a douta sentença recorrida terá feito incorrecta interpretação do art. 348° n° 1 do Código Penal de 1995, violando consequentemente essa norma.

    13.0 regime do art. 54° do DL 26.852 de 30.07.1936 implica o prévio licenciamento da linha em causa e, bem assim, declaração de utilidade pública da instalação onde ela se integre. Ora, o Tribunal a quo não dá por provado que a linha que passa sobre o terreno do arguido se ache estabelecida numa instalação declarada de utilidade pública e, pelo contrário, dá por não provado o licenciamento da linha.

  11. No documento de fis. 140 (concessão da licença) não há referência a declaração de utilidade pública.

  12. Não se provou que os formalismos de tal concessão (publicação no Diário do Governo, afixação de editais, publicação em jornal local, tudo cfr. DL 43.335 de 19.11.1960) hajam tido lugar, não se encontrando juntos aos Autos nem a referência a tais publicações nem as suas cópias ou certidões.

    16.0 Tribunal a quo terá assim feito incorrecta aplicação do citado art. 54°, violando tal norma.

    17.0 DL 26.852 citado, revogado que foi o seu art. 550, não prevê indemnização dos proprietários onerados com a passagem de linhas eléctricas, pelo que — constituindo a expropriação do n° 2 do art. 62° da CRP um conceito muito mais amplo que o congénere do direito administrativo e do direito civil, abrangendo todas aquelas situações em que haja afectação de uma posição jurídica garantida como propriedade pela Constituição — o art. 54° e seu § primeiro do dito DL 26.852, por referência ao qual vem o arguido condenado, interpretado no sentido de que impende sobre o proprietário dos terrenos atravessados uma obrigação de suportar sem contrapartida uma zona de protecção às linhas, é materialmente inconstitucional por oposição ao disposto no art. 62° números 1 e 2 da CRP e, bem assim, ao princípio da igualdade consagrado no art. 13° no i do mesmo diploma, devendo consequentemente serem declarados inaplicáveis.

  13. Aplicando o art. 54° do DL 43.335 citado a douta sentença recorrida terá violado a obrigação decorrente do art. 204° da CRP.

  14. Nunca o DL 43.335 de 19.11.1960 seria aplicado ao caso sub judice, já que regulamenta a rede eléctrica nacional e a rede eléctrica primária, não se mostrando que a linha em causa se integrem numa ou noutra. Como quer que fosse, 20. Sempre a passagem da linha careceria de legitimidade, uma vez que a regra da indemnização imposta pelo art. 37° de tal diploma não cumprido, cfr. declarações do arguido no primeiro julgamento, que afirmada nada ter recebido nem sequer ter sido contactado (declarações constantes da cassete n° 1 lado A, voltas 15 a 2113) e declarações no primeiro julgamento da testemunha Eng° LT... que afirma não constar do processo na Direcção Regional que o arguido haja sido indemnizado (declarações constantes da cassete n° i lado A, voltas 2114 a 2540 e lado B, voltas 1675).

  15. Assim e se tal se entendesse, sempre a douta sentença recorrida haveria de ter violado o art. 37° do DL 43.335 citado. Independentemente do que fica, 22.Sempre a obrigação que se entendesse...

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