Acórdão nº 1071/09.0JDLSB.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 01 de Fevereiro de 2011

Magistrado ResponsávelMARGARIDA BLASCO
Data da Resolução01 de Fevereiro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa I.

1-No âmbito do processo acima referenciado foi proferido acórdão em 8 de Julho de 2010, que julgou a acusação parcialmente provada e parcialmente procedente e, em consequência decidiu: a)Absolver o arguido A...

da prática de quatro crimes de furto qualificado p. e p. pelo arts. 203° e 204 n° 2, al. a) d) e e) do Código Penal (CP); b) Absolver o arguido A...

da prática de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo art. 2° n° 1 al. p) e n° 2 al. c), art. 3° n° 6, al. a) e art. 86° al. c), da Lei 5/2006, de 23/02; c)Absolver o arguido A...

da prática de quatro crimes de contrabando qualificado p e p pelo art. 92° n° 1 al. c) do RGIT; d)Condenar o arguido A...

como autor de quatro crimes de receptação p. e p. pelo art. 231° n° 1 ° do CP, na pena de 1 ano e 4 meses de prisão para cada crime; e)Em cúmulo jurídico, condenar o arguido A... na pena única de 3 anos de prisão suspensa na sua execução por igual período; f)Julgar o pedido de indemnização civil improcedente, por não provado e dele absolver o arguido A...; g) Condenar o arguido no pagamento de 4 UCs de taxa de justiça, e nas demais custas do processo, fixando no mínimo o valor da procuradoria, (artigos 513° e 514° do Código de Processo Penal, 82° n° 1, 85° e 93° do Código das Custas Judiciais).

  1. Condenar o arguido no pagamento da quantia correspondente a 1% da taxa de justiça ora aplicada, a reverter para o Cofre Geral dos Tribunais, nos termos do disposto no artigo 13°, n° 3, do Dec. Lei 423/91, de 30 de Outubro.

    i)Custas cíveis a cargo do demandante; j) Restituir ao arguido o veículo de matrícula …; k)Declarar perdida a favor do Estado a arma apreendida e ordenar a sua entrega à PSP; l)Proceder à restituição a J... o cartão e a caderneta identificados a fls. 25 e 26 do apenso A; m) Remeta boletim à Direcção dos Serviços de Identificação Criminal.

    Mais declarou extinta a medida de coacção imposta ao arguido por terem deixado de subsistir os pressupostos que a impuseram.

    2- O Ministério Público veio recorrer deste Acórdão apresentando as seguintes conclusões que se transcrevem: (…)

  2. Por um lado, consta da fundamentação conjugada (Matéria de facto provada) dos factos 5, 8, 12, 16 e 19 dados como provados, que o arguido, no âmbito da prática dos factos e crimes pelos quais foi condenado, transportou para a Espanha todos os objectos por si receptados no seu veículo de mercadorias, marca Iveco, modelo Dily 35C18, matrícula …, deste modo os levando e entregando ao arguido L… vendendo-lhos e recebendo deste uma quantia monetária a título de pagamento do preço respectivo, ou para que este arranjasse clientes para tais objectos e depois repartissem entre eles o preço da venda.

  3. Consta da decisão, em contradição insanável com o atrás narrado em a), que inexiste qualquer ligação funcional ou instrumental entre o automóvel do arguido (pertença do arguido e por este conduzido, e que com ele se deslocou, por quatro vezes, a Espanha transportando os objectos furtados) e o crime de receptação perpetrado pelo mesmo, “uma vez que entre a utilização do automóvel e a prática do crime não se verifica uma relação de causalidade adequada, consabido que sem a utilização do veículo a infracção teria sido praticada na mesma”. “Com efeito, o arguido sempre ter-se-ia deslocado a Espanha utilizando um outro meio de transporte”.

  4. Resulta dos factos provados que a viatura em causa foi elemento essencial no âmbito da prática dos factos pelo arguido, existindo forte ligação funcional e instrumental entre os factos, o automóvel e o arguido autor dos factos, já que tudo se consumou num contexto organizado em que se impunha a colocação célere dos objectos em Espanha, no mesmo dia dos furtos ou em horas próximas, d) e em que, assim, a viatura assume papel imprescindível na consumação do crime, já que a receptação tinha como condição sine qua non a venda posterior dos bens, venda essa possível apenas se os objectos chegassem a Espanha, ao arguido …, que era quem tinha a possibilidade de os colocar no mercado, e a decisão proferida tinha de estar em conformidade com estes factos apurados e, antes, está em clara contradição insanável com os mesmos.

  5. Ao proferir o Acórdão o julgador está cingido aos factos provados e não provados, não podendo ir além do que resultou concretamente apurado, conjecturando sobre o que poderia ter resultado provado e não resultou, e assim conhecendo, valorando e relevando tais conjecturas para efeitos de decisão concreta.

  6. Por outro lado, dos factos provados resulta manifesto que a viatura apreendida, pertença do arguido e por este conduzido, e que com ele se deslocou, por quatro vezes, a Espanha transportando os objectos furtados, foi essencial e determinante para a prática e concretização do crime, sem a qual o arguido … não praticaria o crime de receptação porque este pressupunha a venda dos objectos (não os queria para seu uso/colecção particular) e a sua colocação quase de imediato a seguir ao seu furto em Espanha e no L…, para a qual, no âmbito desta actuação planeada e organizada e para sua concretização, o arguido tinha ao seu dispor a viatura apreendida.

  7. Ao afastar o preenchimento do elemento “ligação funcional ou instrumental entre o automóvel do arguido e o crime de receptação perpetrado pelo mesmo e a relação de causalidade adequada “entre a utilização do automóvel e a prática do crime”, o Tribunal a quo não teve em conta que é regra de experiência comum, e o que se exige a um homem médio, que um indivíduo (o arguido, no caso) que é dono de uma viatura como a apreendida, e que a conduz, ao receber objectos furtados que pretende posteriormente colocar à venda a fim de receber o lucro do pagamento da mesma - venda de objectos que sabia provenientes de furto e que tinham de ser transportados para Espanha quase de imediato para consolidação dos crimes fora do espaço territorial nacional e para a sua posterior venda em Espanha por quem, conhecido do indivíduo em causa tinha as condições necessárias para o efeito, peças essas de peso tal que não podiam ser levadas a “braço” - tem em conta como determinante e condição sine qua non para a prática do crime a utilização de tal viatura necessária para o cometimento e concretização do crime.

  8. Não podia, pois, o Tribunal ter-se decidido no sentido de que “sem a utilização do veículo a infracção teria sido praticada na mesma” e de que “o arguido sempre ter-se-ia deslocado a Espanha utilizando um outro meio de transporte”, sem a mínima base de sustentação na factualidade dada como provada, ou não provada.

  9. E, assim, o Tribunal a quo errou na apreciação da prova ao não ter em linha de conta todos os factos provados que, no nosso modesto entender, infirmam de forma inequívoca e notória a errada apreciação da prova que determinou a decisão de entrega da viatura apreendida ao arguido.

  10. Nesta conformidade, o douto Acórdão violou o disposto nos arts.127º e 410º, nº2, als.b) e c), do C.P.P., devendo ser declarado nulo e ser substituído, nesta parte, por outro que corrija os apontados vícios, e julgue em conformidade, ordenando o perdimento a favor do Estado da viatura apreendida nos autos.

  11. Vem ainda o Ministério Público especificar que, em cumprimento do disposto no nº5 do art.412º do C.P.P., mantém interesse na apreciação do recurso interlocutório atempadamente interposto e junto aos presentes autos a fls.1241 a 1253, requerendo a repristinação do conhecimento e consequente decisão do mesmo.

    (…) 3- O recorrido veio apresentar a sua resposta de onde constam as seguintes conclusões que se transcrevem: (…) 1º Dos crimes de que mostrava pronunciado, foi absolvido deles todos, vindo a ser condenado por convolação em quatro crimes de receptação. (Em nosso entender deveria ser apenas um, sob a forma continuada.

    1. Ficou inactivo práticamente um ano, devido à medida de coacção de pulseira electrónica, que lhe foi aplicada.

      Sofreu assim reclusão domiciliária.

    2. Foi ordenada a restituição do veículo de sua pertença, objecto agora de recurso, por parte do Exm° Magistrado do M°P°.

    3. A decisão tomada pelo douto Tribunal " ad quo", baseou-se em, face à factualidade apurada, em não se verificar uma relação de causalidade adequada entre a utilização do automóvel e a prática do crime, consabido que, sem a utilização do veiculo, a infracção, teria sido praticada na mesma.

    4. Do livre arbítrio do douto Tribunal, e em convicção com a prova produzida, a decisão de entrega em nosso modesto entender e salvo o devido respeito, parece-nos correcta e de douta sabedoria.

    5. E em acrescento, permitimo-nos afirmar que nas regiões em causa, e no comércio deste tipo ali reinante, é comum haver empréstimo, facilitação e troca de bens e serviços, baseados no sentido de entreajuda naquelas populações, a que vulgarmente se chama de " comunismo cristão".

    6. Provado está, que este veículo servia igualmente para, entre outros favores, transportar sucata para uma testemunha, o ...

    7. Em qualquer altura e lugar, o arguido teria, como efectivamente aconteceu, alguém que lhe fornecesse transporte aos bens que necessitava mover.

    8. Também o comprador se deslocaria a ir buscar mercadoria caso assim fosse ajustado, aliás como é muito comum na actividade comercial, Verifica-se assim a desnecessidade da utilização do veículo para a actividade perpetrada pelo arguido.

    9. Bem entendeu assim o douto Tribunal, e um sapiente " bonus pater famílias ", pelo que, em nosso modesto entender, a douta decisão está inteiramente correcta, não se verificando nenhum dos vicies invocados pelo Ilustre Magistrado do M°P°, Negando-se provimento ao recurso apresentado, (…) 4- O recurso foi devidamente admitido e fixado o efeito legal.

      5- Subiram os autos a este Tribunal, onde no Parecer a que corresponde o art. 416º do CPP, a Exma. Procuradora – Geral Adjunta sufragou a posição do MP em 1ª Instância, devendo o recurso proceder.

      6- Cumprido o art.417º, nº 2...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT