Acórdão nº 2509/05 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 30 de Novembro de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelBR
Data da Resolução30 de Novembro de 2005
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em audiência, na Secção Criminal deste Tribunal da Relação.

*I – Relatório.

1.1. Mediante acusação particular da assistente A... (que o Ministério Público acompanhou), o arguido B..., tal como aquela com os demais sinais nos autos, foi submetido a julgamento pelo alegado cometimento material consumado de um crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212.º, n.º 1 do Código Penal [vulgo doravante CP].

Tomando por base a factualidade constante da aludida acusação particular, a assistente deduziu também pedido cível contra o arguido, tendo em vista obter a sua condenação a solver-lhe a quantia de € 250,00, alegadamente devida a título de indemnização pelos danos patrimoniais sobrevindos e devidos à sua relatada conduta.

Após realização do contraditório, exarou-se sentença condenando o arguido e demandado cível: a) pela autoria do assacado ilícito, na pena de 15 dias de multa, à taxa diária de € 7,00, ou seja, na multa de € 105,00, e a que, subsidiariamente, correspondem 10 dias de prisão; b) no pagamento à demandante, a título da reclamada indemnização, da quantia de € 178,50.

1.2. Por se não conformar com tal decisão, dela interpôs o arguido/demandado o presente recurso sendo que, depois de devidamente motivado, e clamando a sua absolvição quer criminal, quer cível, dele extraiu a formulação das conclusões seguintes: 1.2.1. Quanto à matéria de facto, de acordo com o depoimento da testemunha C... – ao qual, como se constata, o Tribunal atribuiu especial importância para alicerçar a sua convicção quanto à fundamentação de facto –, referiu, por várias vezes que o seu pai, o ora arguido Alfonso, partiu a porta da marquise (a única de que tinha chave para entrar na sua casa, atento que a assistente já tinha, por várias vezes, mudado as fechaduras das portas da casa do casal) porque a referida porta estava trancada ou fechada (aparentando a fechadura da mesma ter sido mudada).

Não tendo outro meio para entrar na sua própria casa, pois, nem a única chave que possuía, nem a chave da filha Nancy, davam para abrir, o arguido Alfonso, foi compelido a forçar a fechadura da porta, para assim, poder entrar em casa, e ir buscar os seus objectos pessoais (passaporte, bilhete de avião e roupas).

1.2.2. Depois de se analisar com cuidado o depoimento da testemunha Nancy (a única que presenciou os factos) o Tribunal a quo deveria dar como provado que o arguido praticou os factos descritos nos pontos 2 e 3 da fundamentação de facto (ou seja, que no dia 12 de Abril de 2003, em hora não concretamente apurada mas entre as 8 horas e as 21 horas e 30 minutos, o arguido muniu-se de uma alavanca e introduziu-a na junta entre a porta e o batente da marquise da casa de habitação sita no lote n.º 17 da Avenida de Portugal, em Cantanhede; e ao introduzir a alavanca no local referido, o arguido danificou a porta e o respectivo batente, destruindo também a fechadura) porque não tinha outro meio de entrar na sua casa, uma vez que a fechadura da aludida porta aparentava estar mudada e não tinha chave das outras portas da casa.

1.2.3. Ao não dar como provado tal facto, o Tribunal a quo apreciou incorrectamente esse ponto de facto, nos termos do artigo 412.º, n.º 3, alíneas a) e b) que se invoca para os efeitos legais – atento que a prova testemunhal produzida pelo depoimento da testemunha C... impunha como se disse anteriormente decisão diversa da ora recorrida –, havendo omissão na fundamentação de facto, violando, assim, o disposto nas normas dos artigos 124.º, n.º 1 e 125.º, ambos do Código de Processo Penal [CPP] e 32.º. n.ºs l e 5; 205.º, n.ºs 1 e 2 e 208.º, n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa [CRP].

Ainda assim, e independentemente da apreciação das questões supra enunciadas: 1.2.4. A danificação da coisa (neste caso concreto, da porta), bem comum do casal, por um dos cônjuges, nas especiais circunstâncias em que foi realizada – note-se, que, perante a impossibilidade de abrir aquela porta, o recorrente foi forçado a praticar os factos descritos, para, única e simplesmente, poder entrar na casa de morada de família, ou seja, na sua própria casa, e cujo direito a habitar lhe tinha sido atribuído pelo Tribunal! - não deve ser considerado crime de dano nos termos do artigo 212.º, n.º 1 citado.

1.2.5. Será caso para perguntar se o comum cidadão desde País numa circunstância semelhante, que atitude diversa praticaria? É que para que um acto danoso seja considerado crime, não basta dolo, é fundamental que a coisa danificada seja alheia.

Quanto à compropriedade, ou à propriedade colectiva dos bens comuns do casal, o legislador penal não se pronunciou.

E se o legislador não diz, não deve o Tribunal dizer. Sob pena de o fazendo, ir para além da letra da norma incriminadora, com uma interpretação extensiva, excessiva, indesejável e mesmo contrária aos princípios do Direito Penal nomeadamente aos princípios da legalidade e da tipicidade.

1.2.6. É sabido que o Direito Penal é fragmentário, que só são por ele abrangidas determinadas condutas, que a comunidade considera violadoras de valores sociais elevados. Para que um comportamento possa ser qualificado como crime, ele há-de preencher o tatbestand: deverá obedecer ao princípio da tipicidade. Se não satisfizer integralmente um tipo previsto na lei não será punível.

Ora, tratando-se, como se trata de propriedade colectiva, de que o arguido é igualmente titular, poderá eventualmente haver lugar a reparação civil, mas o comportamento sai naturalmente fora da alçada do domínio criminal (cfr. Ac. da R.L., de 6/11/1991, in CJ, Ano XVI, Tomo V, pág. 147).

Isto é, e de acordo com tal aresto “não é crime, por constituir mero ilícito civil, a danificação de bens comuns do casal, feita por um dos cônjuges, em detrimento do outro".

Em igual sentido, aliás, se pronunciou o Tribunal da Relação do Porto, no Acórdão de 11/11/1992, ao enunciar que “coisa alheia, para efeitos de crime de dano, é apenas aquela cujo direito de propriedade pertence a outrem que não o agente." 1.2.7. Não estando...

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