Acórdão nº 1700/03 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Junho de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelHELDER ALMEIDA
Data da Resolução08 de Junho de 2004
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra: I - RELATÓRIO A, por apenso à Acção executiva para pagamento de quantia certa, sob a forma ordinária, contra ela e Outro instaurada, no Tribunal Judicial da Comarca de Vouzela, por B e mulher, C, deduziu os presentes Embargos de Executado, alegando –em síntese- que não são válidos os juros do documento intitulado “Reconhecimento de Dívida”, junto pelos Embargados como doc. n.º 2 na acção executiva, que mais não é do que um contrato de mútuo nulo por vício de forma; que para além de outros pagamentos em cheque, para pagamento da quantia exequenda referida na petição executiva, a Embargante e seu ex-marido procederam ao pagamento em dinheiro, em finais do mês de Agosto de 1992, da quantia de 3.880.960$00; finalmente, que, ainda em pagamento da quantia exequenda, mais entregaram aos Embargados várias jóias em ouro, pedras preciosas e relógios, avaliados em mais de 1.800.000$00.

Em consequência, pede a procedência dos embargos, julgando-se: 1. nulo o contrato de mútuo junto à acção executiva como doc. n.º 2 (Declaração de reconhecimento de dívida e plano de pagamento que constitui o título executivo ); 2. que a quantia exequenda se encontra totalmente paga; 3. não se entendendo assim, reduzindo-se o seu montante para o que for apurado com base no alegado nesta articulado e na confissão dos pagamentos feitos; 4. restituir-se à embargante a quantia de 3.452.812$00 a título do que a embargante e seu marido pagaram a mais do que deviam.

Notificados os Embargados/Exequentes, estes contestaram dizendo, também em resumo: que o aludido documento “Reconhecimento de Dívida” não se trata de um contrato de mútuo, constituindo antes um documento assinado pelos Executados em que estes reconhecem uma obrigação pecuniária resultante de relações comerciais e societárias havidas entre ambos e referenciadas no documento; negam qualquer pagamento que não aqueles que logo referiram na petição executiva; os únicos pagamentos que estão em causa (que os Embargados não reconhecem) são: o cheque de 2.136.924$00 alegadamente pago em 01.09.1992; o pagamento em dinheiro, em final de Agosto de 92, no montante de 3.880.960$00; e a entrega de jóias em ouro, pedras preciosas e relógios avaliados em 1.800.000$00; já depois disso o próprio Executado, em declaração por si assinada, se declarava devedor de quantias incompatíveis com esses agora alegados pagamentos; a Embargante falta à verdade e litiga de má fé.

Concluem ,assim, pedindo a improcedência dos embargos, por não provados.

Respondeu por seu turno, a Embargante dizendo –também sinopticamente--, que desconhece qualquer declaração do marido que, se a fez, foi sem o seu conhecimento, sendo certo que a declaração não refere a origem do débito; aliás o ex-marido da Embargante nas décadas de 80 e 90 era um alcoólico inveterado e os Embargados, aproveitando o seu estado, obtiveram dele declarações em momentos de incapacidade para perceber o seu alcance.

Depois de apresentada a resposta, e marcada a audiência preliminar, veio a Embargante - a fls. 44-45 - juntar cópia do predito cheque de 2.136.924$00, segundo ela pago, juntamente com o seu ex-marido, em 0109.1992.

Notificados da junção desse documento, os Embargados vieram então manifestar o reconhecimento de tal pagamento.

No limiar da audiência preliminar foi desde logo proferido despacho, exarado em acta, nos termos do qual se indeferiu o quarto pedido formulado, em jeito de reconvenção, pela Embargante (reembolso da quantia alegadamente paga a mais), por inadmissível nos embargos de executado.

No despacho saneador, ali também proferido, decidiu-se ainda de mérito, no que toca ao primeiro pedido pela mesma Embargante formulado (que o documento junto como doc. n.º 2 à acção executiva consubstancia um contrato de mútuo, porém nulo por vício de forma, não podendo assim ser pedidos juros com base nele), determinando-se o arquivamento parcial da acção executiva, no tocante a esses juros 2.

Inconformados com esta decisão, os Exequentes/Embargados, interpuseram recurso de apelação, admitido com subida deferida, cuja alegação terminaram com as seguintes conclusões: a) – O documento particular junto sob o nº 2 como título executivo não consubstancia contrato de mútuo.

  1. – Pois através de declarações negociais nele ínsitas os exequentes/embargantes não emprestaram à executada/embargante dinheiro ou outra coisa fungível.

  2. - Não consubstanciando tal contrato o acerto do deve e haver entre exequente e executado resultante de uma solução societária que acaba de se pôr termo.

  3. -De tal documento consta a obrigação de pagamento de uma quantia determinada.

  4. - Sendo por essa razão e à luz do disposto na alínea c) do artigo 46° do C.P. Civil título executivo.

  5. - Não obsta a tal qualidade o facto de o documento vir também assinado pelo credor e dele constar a génese da obrigação em obediência ao princípio de que “quod abundat non nocet”.

  6. - Pois além do mais, os títulos executivos elencados na alínea c) do artigo 46° do C.P. Civil não se reconduzem apenas à declaração de divida prevista no artigo 458° do C. Civil.

  7. - O douto despacho recorrido faz errada aplicação do disposto nos artigos 458° e 1142° do C. Civil e da alínea c) do artigo 46° do C.P . Civil.

  8. - Devendo ser revogado e substituído por outro que ordene o prosseguimento da execução também quanto aos juros peticionados, como é de justiça.

    A Embargante, por seu lado, apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

    1. Na mesma audiência, e após a elaboração da Especificação e da Base instrutória, foram admitidas as provas no acto indicadas pelas partes e ordenado o seguimento dos autos para julgamento.

      Iniciado este, o Mmº Juiz considerou inadmissível o depoimento de parte do Executado José Manuel Dias Cruz, requerido pela Embargante e anteriormente objecto de admissão, assim o inviabilizando.

    2. Irresignada com o assim decidido, a Embargante interpôs recurso de agravo, igualmente admitido com subida deferida, culminando a sua alegação com as seguintes conclusões: a) - Tendo o requerimento de comparte sido admitido por despacho de fls. ... efectuado na Audiência Preliminar ocorrida em 09.11.2001 e não tendo sido objecto de qualquer reclamação ou oposição da parte contrária, na Audiência de Julgamento de 26.06.02 o despacho de deferimento que admitiu o depoimento de comparte já havia transitado em julgado, isto é, tomou-se insusceptível de Recurso Ordinário ou de reclamação - cfr. artigo 677.º C.P.C.; b) - O depoimento de comparte, que no caso judice está personalizado no ex-marido da embargante/ Agravante, co - executado nos autos principais e co - embargante em petição de embargos autónoma que correu termos no Apenso A dos presentes autos e declarada pelo Tribunal extemporânea, é admissível nos termos do n. 3 do art.º 553.º do C.P.C.; c) - Não se diga que a parte só pode ser ouvida sobre os factos que lhe sejam desfavoráveis e que está excluído o seu depoimento sobre aqueles que lhe sejam favoráveis, porque, tal como Coimbra Editora, pág. 473 e 474, estes entendimentos "não são compreensíveis ", "um facto positivo tem sempre, como inverso, um facto negativo e, se um é favorável a uma parte o outro é-lhe desfavorável.

      O depoimento da parte sobre um .facto que tenha o ónus de alegar e provar pode conduzir à conclusão de que esse facto não se verificou, o que constitui consequência desfavorável ao depoente "; d) - Ao não admitir o depoimento de comparte o M.º Juiz "a quo " violou o disposto nos artigos 677.º, 685.º e 553.º, n.º 3 todos do C.P.C..

      Os Embargados, por seu turno, aduziram contra-alegações, pugnando pela manutenção do despacho recorrido.

      O Mmº Juiz, em singelos termos, sustentou o mesmo despacho.

    3. Seguindo os autos os seus termos, foi por fim proferida a sentença final, em cujo dispositivo se decidiu: - julgar os embargos parcialmente procedentes, reconhecendo-se o pagamento da quantia, em Euros, correspondente a 2.136.924$00 (dois milhões, cento e trinta e seis mil, novecentos e vinte e quatro escudos) efectuado em 01.09.1992, declarando-se extinta, nessa parte, a dívida exequenda, (tal como o pedido de juros sobre esse montante a partir da data do pagamento ), com o consequente cancelamento da execução nessa parte; e - julgar improcedentes os embargos na parte restante ora em apreciação (alegado pagamento de 3.880.960$00 em dinheiro e entrega de jóias, pedras preciosas e relógios no valor de 1.800.000$00).

    4. - De novo irresignada com o assim decidido, a Embargante interpôs o competente recurso de apelação, em remate das respectivas alegações formulando as seguintes conclusões: I. - A decisão sobre os quesitos 1.º e 2.º da base Instrutória deverá ser alterada, no sentido de se considerarem provados.

    5. - Tal alteração funda-se no depoimento consentâneo, credível, sério e inabalável das 3 Testemunhas exaustivamente inquiridas, complementado pela cópia da Agenda do mês de Agosto de 92 onde se vê que nesse mês se vendeu material de valor superior a 7.000 contos, e pelas contradições insanáveis, quer da embargada, quer da sua Testemunha.

    6. - Nos termos do artigo 748.º, n.º 1 do C.P.C. refere-se que se mantém interesse na apreciação do Recurso de Agravo que se interpôs ao douto despacho de fls. 126 que recusa a inquirição do Sr. José Manuel Dias da Cruz como parte.

    7. Ao ter dado como não provado os referidos quesitos, sem atender ao depoimento das Testemunhas da embargante, com o devido respeito, foi violado o disposto, entre outros, o normativo legal incerto no art.º 515.º do C.P.C..

      Os Embargados, uma vez mais, apresentaram contra-alegações, advogando a confirmação da recorrida sentença.

    8. Subindo os autos a esta Relação, o aqui Relator, em ordem a prevenir eventual decisão-surpresa, pelos fundamentos explanados no seu despacho de fls. 227 e ss, determinou a audição das partes nos termos do art. 3º, nºs 2 e 3, do CPC, apenas os Embargados se tendo pronunciado, preconizando a prolação do...

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