Acórdão nº 981/05-1 de Tribunal da Relação de Évora, 14 de Junho de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelFERNANDO RIBEIRO CARDOSO
Data da Resolução14 de Junho de 2005
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, precedendo conferência, na Relação de Évora:I1.

A Ordem dos Advogados apresentou queixa-crime contra M.D.

e J.B.

imputando-lhes a prática de factos que na sua perspectiva integravam um crime de usurpação de funções, p. e p. pelo art. 358, alin. b) do Código Penal.

  1. Posteriormente veio a constituir-se assistente.

  2. Findo o inquérito, a Digna Magistrada do M.º P.º, por entender não estarem verificados os elementos objectivos do crime denunciado, determinou o arquivamento dos autos, ao abrigo do disposto no art. 277 n.º1 do CPP.

  3. A assistente veio, então, requerer a abertura da instrução visando a pronúncia das arguidas pela prática de um crime de usurpação de funções, na forma continuada (v. fls.176 a 194).

  4. Realizada a instrução e efectuado o debate instrutório, a Senhora Juiz de Instrução lavrou despacho de não pronúncia, nos termos constantes de fls.502 a 514.

  5. Inconformado com tal despacho, a assistente interpôs recurso para esta Relação, pugnando pela pronúncia das arguidas pela prática do referido crime de usurpação de funções.

  6. Nesta Relação, por acórdão de 9 de Março de 2004, foi decidido anular o despacho recorrido e a sua substituição por outro onde fossem inseridos os factos indiciários que permitissem concluir pela pronúncia ou não pronúncia das arguidas (v.fls.610-624).

  7. Na sequência do determinado a Senhora Juiz de Instrução veio a proferir, com data de 16 de Julho de 2004, novo despacho de não pronúncia nos termos seguintes: "Iniciaram-se os presentes autos de instrução a requerimento da assistente, Ordem dos Advogados inconformada com o despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público.

    Alega em síntese que as arguidas, por intermédio da sociedade A. - Agência de Documentação, Lda., praticaram actos que vão além do objecto social e nada têm a ver com mediação imobiliária mas sim com procuradoria.

    Aditou ainda que do próprio despacho de arquivamento resulta claramente que as arguidas se dedicavam à prática de actos próprios e reservados aos advogados e solicitadores, sendo que se assumiam como titulares das condições necessárias para o desempenho daquelas actividades profissionais.

    Aberta a instrução foi ouvida uma testemunha indicada pela assistente e inquiridas as arguidas.

    Procedeu-se ao debate instrutório, com observância de todas as formalidades legais.

    O tribunal é competente. Não existem nulidades, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

    A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito e, consequentemente, a submissão ou não da causa a julgamento (art. 286°, n°1 do Cód. de Processo Penal).

    Importa ter sempre presente que, nesta fase, o juiz de instrução criminal está limitado, à partida, pela factualidade relativamente à qual se pediu a instrução (cfr. arts. 287°, n.°s 1 e 2 e 288°, n.°4 do CPP), sendo orientado no seu procedimento e decisão pelas razões de facto e de direito invocadas.

    Sendo a instrução requerida pelo arguido, como é o caso dos presentes autos (?), o escopo desta fase processual consiste na apreciação da legalidade do despacho de acusação face aos indícios recolhidos quanto à existência dos pressupostos de que depende a aplicação de uma pena ou medida de segurança.

    Preceitua o art. 308°, n.°1, do Cód. de Processo Penal que "Se até ao encerramento da instrução tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz por despacho pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia".

    Por outro lado, dispõe o art. 283°, n.°2 do Cód. de Processo Penal, aplicável à fase de instrução "ex vi" n.°2 do art. 308°, ambos do CPP, que se consideram suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada uma pena ou uma medida de segurança.

    Como salienta o Professor Germano Marques da Silva Curso de Processo Penal, Verbo, Volume III, pág.183" "Para a pronúncia, como para a acusação, a lei não exige, pois, a prova, no sentido da certeza moral da existência do crime, basta-se com a existência de indícios, de sinais de ocorrência de um crime, donde se pode formar a convicção de que existe uma possibilidade razoável de que foi cometido o crime pelo arguido." Assim, o juiz deverá pronunciar o arguido quando, pelos elementos de prova recolhidos nos autos, forma a sua convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que o não tivesse cometido.

    Fundando-se o conceito de indícios suficientes na possibilidade razoável de condenação ou de aplicação de uma pena ou medida de segurança, deve considerar-se existirem indícios suficientes para efeitos de prolação do despacho de pronúncia (tal qual para a acusação) quando: - os elementos de prova relacionados e conjugados entre si, fizerem pressentir da culpabilidade do agente e produzirem a convicção pessoal de condenação posterior; e - se conclua, com probabilidade razoável, que esses elementos se manterão em julgamento; ou - quando se pressinta que da ampla discussão em plena audiência de julgamento, para além dos elementos disponíveis, outros advirão no sentido da condenação futura.

    Exige-se, por isso, um juízo objectivo de prognose, de que os factos indiciados virão a ser provados, resultando para o arguido, como consequência da sua conduta, uma reacção criminal.

    Cumpre apreciar e decidir.

    Nos presentes autos, que se iniciaram com a participação do Conselho Distrital de Évora, foi imputando às arguidas M.D. e J.B. a prática, desde data não concretamente determinada, mas situada, entre 09 de Julho de 1998 e o ano de 2000, de factos susceptíveis de, em abstracto integrarem de um crime de usurpação de funções p. e p. pelo art. 358°, al. b), do Código Penal.

    A assistente alegou que a arguida M.D. vem exercendo, em …e concelhos limítrofes, procuradoria ilegal, quer a título individual, quer como sócia gerente da sociedade "A.- Agência de Documentação, Lda" recebendo, num escritório situado nesta cidade, clientela, elaborando requerimentos, pedidos de certidão, requisições de registo, marcação e outorgas de escrituras; recebendo honorários em contrapartida e emitindo os correspectivos recibos.

    Mais disse que as arguidas são vistas diariamente nas repartições públicas, designadamente nos Cartórios Notariais de …, e nas Conservatórias do registo Comercial Predial e Repartições de Finanças correspondentes, exercendo procuradoria, isoladamente ou acompanhadas de clientes, pagando os custos respectivos através de cheques da referida sociedade, elaborando contas de honorários e emitindo recibos.

    Aditou ainda que no referido escritório, estavam colocadas duas placas de dois advogados, Dr. J. H. e Dr.ª A. M., mas que quem dirige o escritório é a arguida M. e a sociedade A., que nada têm a ver com os senhores advogados referidos não sendo sua funcionária.

    Em fase de inquérito foram ouvidas diversas testemunhas e inquiridas as arguidas.

    Interrogada, a arguida M.

    declarou, no essencial, que: - os actos por si praticados se inscrevem no âmbito da actividade desenvolvida pela sociedade A. - Agência de Documentação, Lda, da qual é sócia gerente, actos esses que podem ser praticados por qualquer pessoa; - nunca se fez passar por advogada, e os recibos que passou foram-no para pagamento dos serviços por si prestados; - apenas se limitava a marcar escrituras.

    Interrogada a arguida J.B.

    a mesma declarou, no essencial, que: - marca escrituras e faz requisição de registos em cartórios notariais e conservatórias, as quais são referentes aos imóveis que compra ou vende no âmbito das suas funções de empregada da sociedade A. - Agência de Documentação, Lda; - se limita a cumprir ordens da sua "patroa", desconhecendo se algo de irregular se passa.

    Inquirida a testemunha Dra. M. A.

    , advogada, a mesma referiu que: - em reunião da Assembleia Geral dos Advogados inscritos pela comarca de… foi deliberado participar ao Conselho Distrital da Ordem dos Advogados que havia indícios da arguida M. exercer actos próprios dos Advogados, designadamente elaborando requerimentos, pedidos de certidão, requisições de registo, marcação e outorga de escrituras e recebendo a esse título honorários e emitindo os correspondentes recibos; - presenciou as arguidas, nos cartórios notariais de… e Repartição de Finanças de…, a praticar tais actos, sendo que dessas vezes as mesmas estavam a tratar de assuntos relativos a terceiros; - viu a arguida J. a efectuar pagamentos de registos na Conservatória do Registo Predial de … com um cheque da …; - presenciou por diversas vezes as arguidas a acompanharem outorgantes de escrituras nos cartórios notariais de …; - durante cerca de três anos viu no escritório da A. - Agência de Documentação, Lda, placas identificativas com os nomes do Dr. J. H. e da Dra. P. M.

    Inquirido o Dr. J.H.

    , advogado, o mesmo esclareceu que: - teve uma placa com o seu nome na montra do escritório da sociedade A. - Agência de Documentação, Lda, a qual dizia respeito a um espaço delimitado e fechado no interior das instalações onde recebia os seus clientes; - não tinha conhecimento das actividades daquela sociedade, sendo que os actos da mesma de que tinha, esporadicamente, conhecimento, relacionavam-se com a mediação de compra e venda de imóveis, que consta do objecto social da empresa; - prestou todos os esclarecimentos à Ordem dos Advogados, sendo que conforme se pode ler no parecer do Conselhos Distrital da Ordem dos Advogados junto aos autos, "(...) veio o Sr. Advogado J.H. esclarecer que presta serviços à sociedade … e que esta lhe presta serviços no âmbito do seu objecto social." Inquirido o Dr. S.L.

    , advogado, o mesmo declarou que: - como o escritório da sociedade da arguida M. tinha, na respectiva montra, uma placa dos Advogados J. H. e A.M., pensou que a arguida trabalhasse para estes...

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