Acórdão nº 2489/05-1 de Tribunal da Relação de Évora, 20 de Dezembro de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelFERNANDO RIBEIRO CARDOSO
Data da Resolução20 de Dezembro de 2005
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, precedendo conferência, na Relação de Évora: I 1.

Nos autos de processo comum singular n.º …do 2.º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de…, o arguido …, melhor identificado nos autos, foi acusado da prática de factos consubstanciadores da autoria material de um crime de maus-tratos, previsto e punível nos termos do disposto no art. 152 n.º 2, do Código Penal.

1.2 - A ofendida M. …constituiu-se assistente, aderiu à acusação pública e deduziu contra o arguido pedido de indemnização civil, impetrando a condenação deste no pagamento de quantia não inferior a €15.000,00 (quinze mil euros), a título de danos morais.

1.3 - O arguido apresentou contestação e pugnou pela absolvição.

1.4 - Realizado o julgamento, o Tribunal, por sentença de 25-05-2005 (fls. 214 a 232), no que ao presente recurso importa, decidiu: 1) Julgar procedente, por provada, a acusação pública e parcialmente procedente o pedido de indemnização civil e, em consequência:

  1. Condenar o arguido…, como autor material de um crime de maus-tratos, previsto e punido pelo artigo 152 n.º 2, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na respectiva execução pelo período de 2 anos e 6 meses; b) Condenar o demandado…, a pagar à demandante M…, a título de indemnização por danos não patrimoniais por esta sofridos, a quantia de €3000,00.

    1.5 - Inconformado, o arguido veio interpor recurso da sentença pugnando para que seja revogada e ele absolvido.

    Extrai da correspondente motivação as seguintes (transcritas) conclusões: 1.ª - Com o presente recurso o arguido pretende ver revogada a decisão recorrida, porquanto esta Sentença configura uma decisão injusta, na medida em que a condenação do arguido é conseguida dando-se como provados factos que não têm qualquer suporte probatório susceptível de permitir formação da convicção do tribunal a quo.

    1. - O Tribunal a quo deu incorrectamente como provados os factos constantes dos pontos 2.2, 2.3, 2.4, 2.8, 2.15 e 2.16. da Sentença recorrida, em sede de "factos provados" (Artigo 412 n°3, alínea a) do C.P.P).

    2. - Em primeiro lugar, deve referir-se que as contradições entre as declarações das testemunhas são por demais evidentes, sendo que, na verdade o facto de as testemunhos serem coincidentes no que diz respeito às agressões verbais, a realidade é que não coincidem em todo o restante, pelo que apenas demonstram a total falta de credibilidade das mesmas.

    3. - Por outro lado, apesar de o crime em questão ser de contornos muito peculiares, pois a passar-se ocorre na intimidade, longe de testemunhas, a verdade é que as únicas testemunhas que a assistente declara terem presenciado os factos o negam peremptoriamente, daí advindo a necessária conclusão de que as declarações da assistente mais não são do que um empolamento das eventuais discussões que teria com o marido.

    4. - Porém, são ainda referidas marcas deixadas no corpo e face da assistente, em consequência das alegadas agressões, mas não existe nenhum relatório médico que ateste a situação da assistente, bem como, estranhamente, nunca a mesma foi acompanhada ao hospital, de onde apenas se pode concluir que, ainda que tenham ocorrido, os factos cuja prova nunca foi carreada para os autos são como se não existissem.

    5. - Contudo, de todas as declarações prestadas ainda surgem testemunhos no sentido de que a assistente terá sido vítima de um murro no braço desferido pelo arguido, sendo essas mesmas testemunhas que esclarecem que, dadas as circunstâncias em que ocorreu, como supra se explanou, não podem precisar quem desferiu o referido murro, bem como admitem não ter sido intencional.

    6. - No mesmo sentido se deve referir a "chapada" que a testemunha P.H. declara ter presenciado, mas a qual afirma não saber se foi a sério ou a brincar.

    7. - Ainda que as agressões referidas em 6.ª e 7.ª não deixassem margem para dúvidas, sempre se teria que concluir que se tratavam de dois factos isolados, e como tal não seriam susceptíveis de preencher o tipo legal de crime de maus-tratos.

    8. - Por outro lado, sempre se deve ter em consideração que os depoimentos estão pejados de considerações pessoais, claramente resultantes do convívio com a assistente, o que se confirma pelo facto de quando confrontadas as testemunhas declarem que o seu conhecimento dos factos era unicamente devido ao que a assistente lhes havia dito.

    9. - Com efeito, da análise da fragilidade e incongruência dos depoimentos sempre será de concluir que os presentes autos apenas surgiram em consequência de uma Acção de Regulação do Poder Paternal que corre temos no Tribunal de Família e Menores…, em que é requerente o ora arguido, e requerida a ora assistente, no qual a guarda do filho de ambos, A.J., foi atribuída ao pai, ficando a mãe obrigada a prestar €100 (cem euros) mensais, ao filho, a título de pensão de alimentos.

    10. - Aliás, muitas dúvidas surgem ainda relativamente ao facto de a ora assistente nunca ter mencionado no Tribunal de Família e Menores, no âmbito do Processo de Regulação do Poder Paternal, que era vítima de maus tratos, o que igualmente revela que não pode ser atribuída credibilidade ao depoimento da assistente.

    11. - Assim, o que se verifica é que com fundamento na prova testemunhal e nas declarações da assistente, visivelmente contraditórias, o Tribunal Judicial da Comarca de …condena por crime de maus tratos o mesmo homem que foi considerado pelo Tribunal de Família e Menores de…, em Novembro de 2004, pessoa idónea para ficar com a guarda do filho A.J..

    12. - Logo, se comparados, os depoimentos prestados pelas testemunhas de acusação não só estão cheios de contradições em si mesmos, como são contraditórios uns com os outros, e com os das restantes testemunhas bem como com as declarações da assistente.

    13. - Pelo exposto, os depoimentos quer da assistente, quer das testemunhas de acusação, em suma, de toda a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, não são suficientes nem conclusivos para formar a convicção do tribunal no sentido de condenar o arguido pela prática do crime de maus tratos, pelo que deve prevalecer o principio fundamental do nosso direito penal: "in dubio pro reu".

    1.6 - O recurso foi admitido por despacho proferido em 16 de Junho de 2005 (v.fls.284).

    1.7 - Ministério Público no tribunal "a quo" veio responder, nos termos constantes de fls.292 a 302, sustentando doutamente a improcedência do recurso.

    1.8 - O Exmo. Procurador-Geral Adjunto nesta Relação, acompanhando a resposta que à motivação do recurso foi oferecida, em primeira instância, pelo Ministério Público, entende que deve ser negado provimento ao recurso.

    1.9 - Cumprido o disposto no art. 417 n.º2 do CPP, o relator considerou no exame preliminar que o recurso deveria ser rejeitado em conferência, quer porque não deu cabal cumprimento ao disposto no art. 412 n.º 3, alin. b) e n.º4 do CPP, quer por ser manifesta a sua improcedência quanto ao mais.

    1.10 - Corridos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir.

    II2.

    Na primeira instância foram dados como provados e não provados os seguintes factos:

  2. Factos provados: 2.1. J. contraiu casamento civil em 22 de Dezembro de 1989 com M....

    2.2. Em datas não concretamente apuradas, mas desde o ano de 1991, que o arguido começou a proferir as palavras " puta e vaca " dirigidas a M…, sua esposa.

    2.3. Nessas ocasiões o arguido batia em M…com murros nas zonas da cabeça, braços e peito, provocando-lhe lesões e dores, tendo recorrido esta algumas vezes a tratamento hospitalar.

    2.4. No dia 2 de Fevereiro de 2003, pelas 08h00, o arguido e a sua esposa envolveram-se em discussão e o arguido agarrou M…… pelo pescoço, apertando-o com força.

    2.5. Com a sua conduta o arguido provocou em M…dor.

    2.6. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente.

    2.7. Ao agredir a ofendida da forma supra descrita, o arguido fazia-o com o propósito concretizado de atingir a ofendida na respectiva integridade física, de modo a produzir-lhe dores e lesões do tipo das verificadas.

    2.8. O arguido agiu deliberadamente, com intenção de maltratar a sua mulher, tendo-a agredido e insultado nos termos referidos em 2.2 e 2.3 para melhor assegurar o êxito das suas intenções.

    2.9. Sabendo a sua conduta punida e proibida por lei.

    2.10. O arguido exerce a profissão de guarda-nocturno, auferindo cerca de € 500,00 mensais.

    2.11. Está separado da...

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