Acórdão nº 5106/2004-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 22 de Setembro de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelCLEMENTE LIMA
Data da Resolução22 de Setembro de 2004
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam, precedendo conferência, na Relação de Lisboa: I - RELATÓRIO 1 - Incidências processuais relevantes. Decisões recorridas.

Nos autos de instrução n.º..., do 4.º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, precedendo inquérito respeitante às causas da morte de G. e ao denunciado cometimento de um crime de homicídio por negligência, previsto e punível nos termos do disposto no art. 137.º, do Código Penal, em que intervém como assistente M., o Ministério Público decidiu: (a) determinar o arquivamento do inquérito, relativamente aos factos imputados aos médicos das equipas dos serviços de urgência ambulatória e banco de urgência do hospital de S. Francisco Xavier, por inexistência de indícios suficientes do cometimento, por estes, de qualquer infracção penal; e (b) acusar a arguida, O, pela prática de factos consubstanciadores da autoria material de um crime de homicídio por negligência, p. e p. nos termos do disposto no art. 137.º n.º 1, do CP.

A assistente e, bem assim, a arguida, requereram a abertura da instrução, que o Tribunal admitiu e realizou.

A final, o Tribunal a quo veio a decidir: (a) não pronunciar a arguida, O, por inexistência de indícios da prática do crime de que vinha acusada; e (b) pronunciar os arguidos, W., R. e F., pela prática, cada um, de factos consubstanciadores da autoria material de um crime de homicídio por negligência, p. e p. nos termos do disposto no art. 137.º n.

os 1e 2, do CP.

Por despacho de 21 de Novembro de 2003[1], a M.

ma Juíza de instrução decidiu nos seguintes (transcritos) termos: Uma vez que o mandatário da arguida W., Dr. J., não respondeu à notificação que lhe foi feita para indicar qual a actual residência da referida arguida, em face da certidão negativa de fls. 744 verso, notifique-se o referido mandatário da decisão de fls. 710 a 733, considerando-se a arguida notificada na pessoa do seu mandatário.

2 - Recursos.

Os arguidos pronunciados interpuseram recurso do referido despacho de pronúncia e, a arguida W., interpôs também recurso do despacho de 21 de Novembro de 2003 acima transcrito.

2. 1 - Recurso interposto pela arguida W..

A arguida extrai da correspondente motivação (e por junto) as seguintes (transcritas) conclusões: 2. 1. 1 - Quanto ao recurso interposto do despacho de 21 de Novembro de 2003.

  1. - Nos termos do n.º 5 do art. 113.º do CPP vigente à data dos factos e do n.º 9 do art. 113.º do CPP actual, as notificações respeitantes à acusação e à decisão instrutória devem ser feitas ao arguido, por alguma das formas indicadas no n.º 1 do mesmo preceito.

  2. - Em sítio algum o CPP, quer na versão vigente à data dos factos quer na versão actual, permite que a notificação do despacho de pronúncia devida ao arguido, possa ser substituída por notificação feita perante outra pessoa, nem mesmo na pessoa do advogado ou defensor nomeado.

  3. - Ao considerar a arguida notificada na pessoa do seu mandatário, o mm. Juiz a quo praticou um acto que a lei não permite, violando, deste modo o disposto no n.º 5 do art. 113.º do CPP vigente à data dos factos e/ou o disposto no n.º 9 do art. 113.º do CPP actual.

    Com tais fundamentos, pretende que o despacho em referência seja revogado e que se determine a notificação da arguida nos termos do n.º 1 do art. 113.º, do CPP.

    2. 1. 2 - Quanto ao recurso interposto do despacho de pronúncia.

  4. - Dos autos não resulta que a arguida W. tenha com a sua conduta actuado de forma negligente, de modo a provocar ou a contribuir decisivamente para a morte do G., o que resulta inequívoco, quer do despacho de arquivamento do inquérito dos presentes autos, proferido pelo Ministério Público, quer do arquivamento do inquérito interno desencadeado pela Direcção Geral de Saúde, que são claros em reconhecer como causa determinante para a morte do G. a alta concedida ao doente e a sua não observação por especialista de otorrinolaringologia no dia 15/11/1996, que se ficou a dever a um equívoco burocrático dos serviços de urgência dos hospitais envolvidos.

  5. - Conclusão que igualmente se impõe em face do relatório do Sr. Perito que, apesar de alguma relutância em responder em termos categóricos às questões que lhe foram formuladas e que em vários quesitos quando perguntado se determinado facto ou aspecto seria decisivo ou determinante preferiu a expressão importante, não deixou de reputar como injustificável que tivesse sido dada alta ao doente, sem a realização de um TAC e que seria recomendável o internamento do doente para vigilância e monitorização da terapêutica instituída.

  6. - A recorrente actuou prontamente, tomou todas as medidas convenientes e exigíveis ao exercício das suas funções e agiu com diligência, zelo e dedicação profissionais.

  7. - Não se pode pois concluir que, com a sua conduta, a médica W. tenha violado quaisquer regras de cuidado a que estava obrigada e que, segundo os seus especiais conhecimentos, era capaz e estava apta a prever.

  8. - Pelo que a morte do G. não é consequência de eventual actuação negligente da recorrente.

  9. - Do supra exposto decorre ter a decisão recorrida feito uma errada avaliação da matéria de facto constante dos autos e ter havido uma investigação insuficiente, no sentido do apuramento de toda a verdade material.

  10. - Assim, na medida em que foi proferido despacho de pronúncia contra a recorrente, apesar de não existirem indícios suficientes que permitissem a imputação à arguida em apreço a prática do crime de homicídio por negligência, nem simples nem grosseira, a decisão recorrida violou, de forma flagrante, o disposto nos arts. 10.º e 137.º n.

    os 1 e 2, do CP, bem como os arts. 283.º n.º 2, 290.º n.º 1, 286.º n.º 1 e 308.º n.º 1, do CPP.

    Com tais fundamentos, pretende que, na parte em que pronuncia a recorrente, o despacho recorrido seja revogado e se decrete a sua substituição por decisão não pronúncia.

    2. 2 - Recurso interposto pelo arguido R..

    O arguido extrai da correspondente motivação as seguintes (transcritas) conclusões: 1.ª - Dos autos não resulta com inteira suficiência que o arguido, aqui recorrente, tenha com a sua conduta actuado de forma negligente, de modo a contribuir para a morte de G..

  11. - O que resulta inequívoco, quer do despacho de arquivamento proferido do [pelo] Ministério Público no âmbito dos presentes autos quer do próprio arquivamento do inquérito desencadeado junto da Inspecção-Geral de Saúde.

  12. - O arguido actuou prontamente, tomou todas as medidas convenientes e exigíveis para o bem executar das suas funções, agiu com diligência, zelo e dedicação profissionais.

  13. - Pelo que não se pode concluir que, com a sua conduta, tenha violado quaisquer regras de cuidado a que estava obrigado e que segundo os seus especiais conhecimentos médicos era capaz e estava apto a prever.

  14. - Pelo que a morte do doente G. não é consequência da actuação típica negligente do arguido.

  15. - Do que antecede, outra coisa não resulta senão a necessidade de se concluir ter sido feita na decisão recorrida uma errada avaliação da matéria de facto constante dos autos e uma insuficiente investigação no sentido do apuramento de toda a verdade material.

  16. - Nesta medida, foi proferido um despacho de pronúncia contra o aqui recorrente, apesar de não existirem indícios suficientes que permitissem a imputação ao arguido da prática de um crime de homicídio por negligência, previsto e punido no art. 137.º n.

    os 1 e 2, do CP.

    Pretende que se ordene «a revogação e substituição do despacho de pronúncia» e se decrete «a sua substituição por um outro que determine a não pronúncia do arguido relativamente ao crime de homicídio por negligência, previsto e punido no art. 137.º n.

    os 1 e 2, do CP.

    Requer ainda, invocando o disposto nos arts. 410.º n.º 2 e 430.º, do CPP, a inquirição de testemunhas que arrola.

    2. 3 - Recurso interposto pelo arguido F..

    O arguido extrai da correspondente motivação as seguintes (transcritas) conclusões: 1.ª - O arguido atendeu o G. sozinho porque a isso o obrigaram as circunstâncias, sem que lhe fosse dada alternativa; foi acatador do pedido do médico responsável e não negligente.

  17. - Por si só e nas circunstâncias em que veio a ocorrer a morte, o facto de o arguido ter praticado sozinho actos médicos não é causa adequada daquele resultado, e por isso não pode ser relevado para efeitos da prática do crime de homicídio.

  18. - O arguido, à data dos factos, encontrava-se como bolseiro no âmbito do programa de cooperação na área da saúde entre Portugal e países lusófonos africanos, a frequentar um curso de formação no serviço de oftalmologia do hospital Egas Moniz.

  19. - A capacidade de intervenção do arguido enquanto médico era ainda limitada, encontrando-se em formação e exercendo apenas sob tutela.

  20. - O diagnóstico de oftalmologia efectuado pelo arguido foi correcto e por nenhuma forma se alheou este do estado do doente, prestando-lhe todos os cuidados que sabia e podia.

  21. - O arguido não tinha formação adequada e experiência para dar resposta a problemas de outras especialidades, nem estava a isso obrigado uma vez que estava impedido de praticar autonomamente, perlo que nenhum crime a este nível se lhe pode imputar.

  22. - O arguido respondeu e bem a todas as exigências que a sua formação como médico lhe permitia.

  23. - A alta do G. e a não observação pelo especialista em otorrinolaringologia no dia 15.11.1996 ficou a dever-se a um erro burocrático dos serviços de admissão, pelo qual o arguido não pode ser penalizado.

  24. - Ainda que o comportamento do arguido pudesse reputar-se negligente, nunca haveria negligência grosseira.

  25. - Não pode concluir-se pela existência de nexo causal entre a conduta, activa e omissiva, pela qual o arguido vem pronunciado e o resultado morte que se verificou.

  26. - No despacho recorrido foi incorrectamente entendido ter o arguido actuado com negligência (maxime, artigos 53.º a 59.º), implicando a apreciação da prova documental a que nele se faz referência bem como a junta aos autos a fls. 91, 102, 119, 328 e 572, bem como o depoimento de F., decisão...

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