Acórdão nº 0446701 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 25 de Maio de 2005 (caso NULL)
Magistrado Responsável | COELHO VIEIRA |
Data da Resolução | 25 de Maio de 2005 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO No .. Juízo-A do Tribunal de Instrução Criminal do Porto, o Mertº Juiz "a quo" exarou o seguinte despacho: (...) Fls. 223 a 226: Inconformado com o despacho de arquivamento de fls. 210 a 212 veio a assistente B.......... requerer a abertura da fase da instrução, nos termos ali melhor expostos e aqui dados por reproduzidos.
Termina concluindo pela Pronúncia do arguido C.......... como autor dos crimes p. e p. pelos arts. 216º, 256º e 203º todos do Cód. Penal.
Cumpre decidir.
*Diz-nos o art. 286º nº 1 do C.P.P. que "A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento".
A abertura da instrução pode ser requerida, pelo arguido, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público ou o assistente, em caso de procedimento dependente de acusação particular, tiverem deduzido acusação, ou pelo assistente, se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação - art. 287º nº 1 do C.P.P.
Pressuposto da admissibilidade da instrução requerida pelo assistente é um despacho de arquivamento proferido pelo MºPº relativamente a factos que foram objecto de investigação.
Assim, na sequência de um despacho de arquivamento proferido pelo MºPº no encerramento do inquérito, na instrução requerida pelo assistente, o requerimento para abertura da instrução tem de configurar substancialmente uma acusação, com a narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança e a indicação das disposições legais aplicáveis; ou seja no requerimento instrutório deverá o assistente, para além da indicação das razões de facto e de direito de discordância relativamente à decisão do MºPº, formular uma acusação alternativa, descrevendo os factos concretos a averiguar, integradores dos elementos objectivos e subjectivos dos crimes que pretender ver imputados ao arguido bem como as disposições legais incriminadoras, sendo no caso destes autos, dos eventuais crimes de furto e de falsificação de documentos p. e p. pelos arts. 203º e 256º do C.P.
A redacção introduzida ao art. 287º do C.P.P. operada pela Lei nº 59/98 de 25 de Agosto, veio agora dizê-lo expressamente na parte final do nº 2 do citado artigo: "(...) sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto no art. 283º, nº 3, alíneas b) e c)" (sublinhado nosso).
O fim essencial da instrução é o de obter o reconhecimento jurisdicional da legalidade ou ilegalidade processual da decisão de arquivamento ou de acusação do Ministério Público e/ou da acusação deduzida pelo assistente, nos crimes particulares, em ordem a uma decisão sobre o seu recebimento ou rejeição. O juiz de instrução decide se a causa deve ser submetida a julgamento para apreciação do mérito da acusação ou de uma das acusações deduzidas.
Em suma, o JIC está tematicamente vinculado à factualidade descrita na acusação do MP, e do assistente no requerimento de abertura da instrução - cfr. arts. 303º e 309º nº 1 do C.P.P.
Por isso, se os factos relatados no requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente não integram qualquer tipo criminal, a inclusão na pronúncia de outros factos que, por si só ou conjugados com aqueles, integrassem um crime equivaleria à pronúncia do arguido por factos que constituiriam uma alteração substancial dos descritos naquele requerimento e consequentemente, seria nula a decisão instrutória proferida - cfr. arts. 1º nº 1 f) e 309º nº 1 do C.P.P.
Na instrução a requerimento do assistente, o juiz investigará os factos descritos no requerimento instrutório e se os julgar indiciados e nada mais obstar ao recebimento da acusação pronunciará o arguido por esses factos - arts. 308º e 309º.
Não há lugar a uma nova acusação (sublinhado nosso). O requerimento do assistente actuou como acusação e, assim se respeita, formal e materialmente a acusatoriedade do processo - cfr. Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal, Vol. III, págs. 139 e 140.
Isso resulta de diversas disposições do C.P.P., nomeadamente a do nº 4 do art. 288º onde se diz que "O juiz investiga autonomamente o caso submetido a instrução, tendo em conta a indicação, constante do requerimento da abertura de instrução, a que se refere o nº 2 do art. Anterior", a do nº 1 do art. 303º que estabelece que "Se dos actos de instrução ou do debate instrutório resultar alteração dos factos descritos...no requerimento para abertura da instrução, o juiz, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao defensor...e concede-lhe um prazo para preparação da defesa não superior a oito dias (...)" e ainda do nº 1 do art. 309º que comina com a nulidade a decisão instrutória na parte que pronunciar o arguido por factos que constituam alteração substancial dos descritos no requerimento para abertura da instrução.
Em suma, se no requerimento para a abertura da instrução o assistente não narra factos que integrem um tipo legal de crime, não pode haver legalmente pronúncia.
No caso vertido, no requerimento de abertura de instrução apresentado a fls. 223 a 226, diz a assistente B.......... que o arguido C.......... incorreu na prática do crime de falsificação de documentos p. e p. pelo art. 256º do C.P. porque em data e local que não indica, «(...) o arguido congeminou um plano que consistiu em falsificar a assinatura de D.........., nos documentos de fls. 86 e 172, a fim de requerer o processo de rectificação das áreas dos prédios na respectiva Repartição de Finanças e seguidamente na Conservatória do Registo Predial (...)» - fls. 224 - e a fls. 225 retira a conclusão de que a falsificação das assinaturas do D.......... foi feita ou mandada fazer pelo arguido.
Quanto ao crime de furto p. e p. pelo art. 203º do C.P., entende a assistente que o arguido praticou tal crime porque em dia e hora que também não indica, o arguido C.......... "(...) mandou cortar as árvores, pinheiros e eucaliptos que se encontravam em duas faixas de terreno pertencentes à assistente referenciadas a fls. 24 dos autos, bem sabendo não pertencerem às propriedades da pessoa de quem tinha a procuração, com isso causando grande prejuízo à assistente" - cfr. fls. 224 - e a fls. 225 afirma, tão só, que o arguido vendeu essas árvores.
Comecemos pelo indicado crime de falsificação de documentos p. e p. pelo art. 256º do C.P., alegadamente perpetrado pelo arguido pelo facto de ter falsificado ou mandado falsificar as assinaturas de D.......... nos documentos de fls. 86 e 172.
Examinados os autos, verifica-se que os documentos de fls. 86 e 172 são apenas plantas topográficas.
Importa desde logo ter presente o que deve considerar-se por documento para efeitos penais.
O conceito de documento - elemento normativo do tipo de ilícito objectivo, é dado pelo art. 255º do C.P.: "Para efeito do disposto no presente capítulo considera-se: a) Documento: a declaração corporizada em escrito, (...) inteligível para a generalidade das pessoas ou para um certo círculo de pessoas, que, permitindo reconhecer o emitente, é idónea para provar facto juridicamente relevante, quer tal destino lhe seja dado no momento da sua emissão quer posteriormente; (...)".
Isto porque, como salienta Helena Moniz[Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, pág. 666] "(...) A noção de documento aqui apresentada veio de forma eficaz delimitar o campo de ilicitude; (...) de acordo com esta noção já não integra o tipo qualquer falsificação de uma declaração, mas apenas a falsificação de uma declaração idónea a provar um facto juridicamente relevante. (...).
O bem jurídico protegido do crime de falsificação de documentos é o da segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório no que respeita à prova documental" - sublinhado nosso.
Uma coisa deve desde já ficar assente: é a de que não integra o tipo do crime de falsificação de documento qualquer falsificação de uma declaração, mas apenas a falsificação de uma declaração idónea a provar um facto juridicamente relevante.
Segundo Ebermayer citado por Helena Moniz in "O Crime de Falsificação de Documentos", pág. 167, "um facto é juridicamente relevante quando, isolado ou conjuntamente com outros factos origina o nascimento, manutenção, transformação ou extinção de um qualquer direito ou relação jurídica de natureza pública ou privada".
Documento é pois a declaração de um pensamento humano que deverá estar corporizada num suporte. Enquanto objecto material de um crime de falsificação de documentos, o documento é a própria declaração, independentemente do material onde está corporizada, como representação de um pensamento humano. O que permite integrar na noção de documento não só o documento autêntico ou autenticado do direito civil, com força probatória plena, mas qualquer outro que integre uma declaração idónea a provar facto juridicamente relevante [Cfr. Ac. da R.P. de 19/6/2001 publicado na C.J. Ano XXVI, Tomo III, pág. 153].
No caso dos autos, na factualidade descrita pela assistente, verifica-se não estarem descritos todos os elementos objectivos do tipo.
Desde logo, falta-lhe o elemento normativo do tipo de ilícito objectivo: o documento no sentido definido pelo art. 255º a) do Cód. Penal.
Na verdade, uma planta topográfica de um terreno, alegadamente assinada falsamente pelo ou a mando do arguido com o nome do falecido D.......... (caso de fraude na identificação, é certo, dado a assinatura constituir elemento idóneo para provar o facto juridicamente relevante da autoria daquele documento), não cabe no conceito de documento do art. 255º a) do C.P. porque uma planta topográfica não é objectivamente apta para constituir, modificar ou extinguir quaisquer direitos ou relações jurídicas seja do arguido seja da assistente ("idóneo para provar facto juridicamente relevante", com o significado atrás exposto).
Uma planta topográfica de um terreno...
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